Sobrinha de um político muito importante, nascida em berço de ouro e com modos de nobreza, lena destoa do restante do grupo por seu comportamento totalmente fleumático, por estar sempre impecavelmente vestida e por seus acessórios obviamente muito caros. Quando não está metida em alguma desventura, sempre é vista acompanhada de pelo menos um segurança, e prefere resolver problemas mundanos de forma rápida com algumas das cédulas altas que sempre carrega em sua bolsa tiracolo. Longe de ser um mero reflexo de seus modos quase aristocráticos, entretanto, sua apatia quase mórbida é produto de um complicado problema familiar que a impede de experienciar a maioria das emoções na mesma intensidade que as outras pessoas. Mesmo suas noções de culpa e de responsabilidade parecem distorcidas, e quando há um problema, se existe u
Nem sempre o grupo se chamou tetraedro - entre os nomes anteriores, estavam “citadinos from hell”, “demon kickassers” e “andarilhos do beco de satanás”, todos sugeridos por Nandini. O nome atual só foi estabelecido muito depois que as incursões na noite natalense se tornaram mais frequentes, e principalmente depois que lena entrou no grupo, acrescentando sua coleção de livros caros e estrangeiros de ocultismo e bruxaria. Basicamente, tetraedro foi escolhido por ser uma alusão aos quatro membros do grupo, e principalmente, à relíquia que permitiu os primeiros avanços reais nos estudos de feitiçaria dos quatro - o Merkabah. Composto por dois tetraedros que unidos formam uma estrela de David, o amuleto tem várias funções, entre elas, abrir o usuário ao mundo sobren
A capital do estado do Rio Grande do Norte é, acima de tudo, uma cidade provinciana. Por mais que os centros urbanos mais movimentados da zona sul exibam já uma boa quantidade de prédios residenciais e dois ou três shoppings centers relativamente populares, a maior parte da cidade ainda é muito arborizada, e nas regiões mais periféricas, a vegetação é tão presente que as casas somem no meio dela se observadas à distância. O natalense médio é o meio do caminho entre um amontoado de referências do centro-sul e o regionalismo presente em seu sotaque e vocabulário muito fortes e específicos. Apesar de ser um polo da região, a cidade é relativamente pequena - um ovo, como diria a maioria dos seus habitantes. Suas atrações mais notáveis são as praias, um alívio para a população nos verões infernalmente quentes e um bom motor para a economia local.  
Quem nunca olhou para a cidade onde cresceu e se perguntou: que tipo de entidades sinistras se escondem nas sombras, em cada vão, recanto, beco, viela ou casa abandonada? Quem nunca se imaginou desbravando recantos proibidos da vizinhança junto aos amigos de infância, como já se viu em dezenas, se não centenas de filmes, novelas e livros publicados desde que o gênero terror adolescente se tornou tão popular no cinema e na literatura? A resposta para essa pergunta provavelmente é: todos nós. Todo mundo, em algum momento da vida, teve um Robinson Crusoé, explorando as terras selvagens de Trinidad, um Ismael conhecendo o mar no encalço de um cachalote, ou um Henrique desbravando uma ilha perdida na companhia de Simão. Esse espírito de aventura, do enfrentamento do desconhecido é o mesmo que nos motiva
– Eu vou querer um especial e três cachorros. – Disse o pai, acomodando-se melhor na cadeira de plástico meio pensa para um lado. – E uma coca de um litro. A moça que atendia a mesa anotou tudo em seu bloquinho de papel e olhou para os demais ocupantes à espera de algum outro pedido, mas ninguém se manifestou. A mulher, uma senhora de meia idade e vestida como se tivesse acabado de voltar da igreja, olhava de cara amarrada para os dois meninos que travavam uma guerra de espadas usando as próprias bíblias de capa escura como armas. A atendente deixou os clientes esperando e voltou à cozinha. Pendurou a folhinha do bloco à altura da vista do chapeiro, que trabalhava incansavelmente para atender aos pedidos com tanta presteza quando humanamente possível.&
– Espera, deixa eu ver se eu entendi. Dessa vez não é só um passeio? A gente... a gente vai ser pago? – Isso. Lena não deu todos os detalhes, mas parece que convenceu o tio dela de que a gente pode se livrar de um problema para o amigo de um amigo dele. E que esse amigo é alguém importante no sindicato dos quitandeiros da Redinha, e que... – Tá, tá, informação demais. Eu só quero ter uma noção, mais ou menos, de quanto vai dar pra cada um. – ... – Você não faz ideia, né? – Eu não perguntei. Achei que seria indelicado. &nbs
– Estamos praticamente embaixo da ponte, né? – Laura perguntou, condescendente. Daniel não estava habituado a ouvir a voz da prima naquele timbre. Com Laura, quase tudo era tão delicado quanto um ataque de rinoceronte. Ela devia estar com medo. Ou achando que ele estava com medo. O terminal ficava praticamente embaixo de um dos lados da ponte Newton Navarro – cartão postal da capital, atração turística e talvez a obra de infraestrutura mais assombrada da cidade. Ela nem tinha dez anos, mas já era habitué do cidadão natalense chamá-la de ponte do suicídio, dado o número de infelizes que subiam até o ponto mais alto e se jogavam na intenção de abreviar suas desg
O caminho através da estrada principal e depois pelo terreno arenoso das dunas os distanciou o suficiente da ponte para que fosse confortável a todos que Daniel tornasse a compartilhar suas percepções aguçadas. Os quatro avançavam com os pés meio atolados na areia – apesar de estarem próximos o bastante da estrada de forma a ouvir com perfeição o barulho dos automóveis, estavam metidos na mata atlântica a ponto de não ver muita coisa além de seções do céu nublado acima das cabeças ou o emaranhado de galhos e folhagem da vegetação litorânea. Mesmo com auxílio das lanternas dos celulares, avançavam com cautela. Não tinham a menor ideia do que encontrariam, mas parecia evidente que o que quer que o mendigo houvesse chamado de “casa com cinto ama
Já passava da meia-noite quando a porta de uma casa modesta, com o muro mal-acabado e gato na energia abriu em um estrépito ruidoso, invadida por quatro adolescentes desabalados e um motorista de terno, tumultuando a madrugada na Vila de Ponta Negra. – Não, você não! – Nandini gritou, apressada, se dirigindo ao motorista enquanto tentava fechar a porta. – Meu irmão pode chegar a qualquer momento! – Espere no carro. – Lena pediu, ligeiramente verde e segurando o estômago com as mãos. – Certifique-se de que o homem na estrada seja devidamente atendido. – Sim, senhora. – O motorista respondeu, deixando