Uma flor para o desespero
Ano de 2001
O sol da tarde banhava Nova Iorque quando Mary Larkin sentiu seu corpo tremer e um leve calafrio perpassar por sua espinha. Saiu pelas portas do World Trade Center sentindo suas mãos suarem imperceptivelmente. Ela estava cansada, queria ir para casa ver seu filho, tirar o salto alto e tomar uma boa taça de vinho acompanhada do seu marido que também a esperava. Ao fechar os olhos por um instante, pensou estar lá.
Naquele momento, do outro lado da rua, uma pequena garotinha colhia dentre as rachaduras do chão um trevo de quatro folhas. Mary a olhou por pouco tempo intrigada pelo fato dela estar sozinha.
O som de um avião se aproximando fez a garotinha se encolher. Ela agarrava-se ao trevo como se ele pudesse lhe proteger.
Gritos vieram de todos os lados ao som de uma grande explosão, o pânico crescente se espalhando por uma multidão, em questão de segundos, tudo o que se via, era o desespero. A primeira Torre Gêmea tinha sido atacada, fogo caia junto dos escombros, os gritos eram abafados pelo barulho estrondoso.
Poeira caía e o sol da tarde, fora escondido. Mary correu descendo as escadas, o coração pulando feito pássaro preso no peito. Seguiu adiante sem saber ao certo onde pisar, tudo era cinza, e como se fossem parte do chão, pedaços do prédio se desprendiam.
Ainda do outro lado da rua, a garotinha, olhava para cima, olhos vigilantes, corpo tremendo. Mary a avistou. Mary correu. A garotinha não.
Um segundo avião zuniu no ar, tão rápido quanto o primeiro, e pela segunda vez naquele dia, a explosão ressoou atingindo a segunda Torre. Concreto caía como chuva do céu, pessoas corriam sem direção, e a mulher que possuía o coração do tamanho do mundo, corria para a garotinha. Os braços na frente do corpo, pronta para segurá-la, para protegê-la como faria com seu próprio filho.
Tudo aconteceu em câmera lenta. O grande pedaço de concreto fazendo sombra no chão, logo em cima da criança, cada vez mais perto, cada vez mais lento. A garotinha gritou. Mary também. Seus pés pisavam pelo solo como areia movediça.
Finalmente seus dedos encontraram os braços dela, não tão rápidos quanto deveriam, mas suficientes para salvarem uma única vida.
Com toda força que tinha Mary a empurrou para longe, afastando-a da morte, tomando seu lugar. E então, o concreto caiu tão rápido quanto seu extinto de proteção, levando consigo tudo o que um dia fora a pequena e delicada Mary Larkin.
A garotinha avistou seu último olhar de súplica, com os olhos azuis corajosos Mary estava lhe dizendo para sobreviver. E a garotinha o faria.
Apertou o trevo entre os dedos frágeis e machucados. Em seguida correu, correu para viver e cumprir a grande promessa que fizera silenciosamente a doce mulher.
Mais do que tudo, tentaria arrumar o que tinha começado. Porque, ela era parte da bagunça e toda a bagunça era ela.
“Viver é a lenta espera para morrer.” Ano de 2009 Você pode estar em qualquer lugar, vivendo e... respirando. Mas, enquanto isso… no meio de toda essa normalidade, sempre algo está acontecendo. Em qualquer lugar do mundo, alguém com menos sorte, ou talvez com muita (dizem que ter azar é para poucos) é escolhido pela Morte. Carrego dentro de mim a sensação de que Logan Larkin, que naquele momento andava pelas ruas de Las Vegas tentando escapar da chuva forte, teve um pequeno pressentimento. Ele deve ter olhado para trás pelo menos umas cinco vezes pensando ser seguido por alguém. Dizem que pressentimentos são mau agouro. Se você sente algo ruim, é porque de fato algo está acontecendo. Talvez Logan acredite, mas também há a possibilidade de não dar a mínima para isso. E eu chuto na segunda opção. Longe de eu dizer algo mais, não sou eu que faço as regras por aqui. É ela. Ves
Logan entrou pela porta velha, que rangeu acordando seu pai. O som vinha do sofá já gasto. Podia ouvir o peso do corpo movendo o que restava da espuma. Demoraria pouco para que tudo se quebrasse, que as traças roessem a casa inteira, sua vida, sua alma, tudo o que quisessem. Fazia anos que tinham se mudado de Nova York da sua antiga casa para esse inferno. — Você tá atrasado... — Seu pai pronunciou as palavras grogues, bêbado como sempre. O sofá continuava rangendo, rangendo, rangendo — Onde você tava? Garoto miserável! Podia ouvir sua própria respiração entrecortada. Jogou as chaves na mesa bamba e subiu as escadas o mais rápido que pôde. Trancou-se dentro do quarto. Fechou um cadeado, trancou a porta com a chave e depois, só para ter certeza que ele não entraria, passou uma grossa corrente pelo último pino. Só então tirou a roupa molhada cheirando noite e vento. Jogou tudo na pia do pequeno banheiro. No decorrer da noite, teve a gélida sensação de que estav
Aceitar a oferta de uma estranha que era perseguida pela morte não estava nos planos de Logan. Ele não falava com estranhos, sua vida dependia unicamente dos jogos e nada mais. Agora, andando lado a lado com a garota, perguntou a si mesmo como era possível o mundo mudar as coisas em tão pouco tempo. Ele costumava não acreditar no mundo e no que ele dizia, principalmente quando se tratava das propagandas e comercias, porque na maior parte do tempo, diziam que se comprasse determinado produto tudo, exatamente tudo mudaria. E isso era mentira. Nada traria sua mãe de volta. Nada compraria um pai que fosse presente e nenhuma propaganda falava sobre como sobreviver a miséria sozinho. Tudo o que diziam era merda. — Então, onde estamos indo? — Enn perguntou quebrando a sequência de pensamentos negativos de Logan. Ela tinha andado silenciosamente até então, vendo as caretas que ele fazia sem questioná-lo, mas agora tinha se cansado de só observar. — Antes de s
— Então, onde estamos indo? — Logan perguntou quando atravessaram a porta em direção à rua. Já passavam das dez e Enn olhava para todos os lados à procura de outras pessoas. Ela sabia bem o que acontecia quando elas se aproximavam. — A única pista que eu tenho para encontrar o antídoto é o fato de que temos que procurar em algum local onde muita gente já tenha morrido. Nesses lugares geralmente existe uma pressão espiritual maior que nos faz arrepiar ou temer. — Ela disse andando ao seu lado. Logan pensou nos lugares onde provavelmente aquilo poderia ter acontecido. Numa cidade como aquela não eram raros casos assim acontecerem. Mas um acidente em especial o fez dizer: — Eu já sei! Enn o encarou em plena expectativa: — Onde? É aqui perto? — Há três anos um hospital foi incendiado por um homem maluco que dizia ser o edifício um monstro gigante o qual ele precisava combater. Essa notícia ficou na história, não é raro ouvir
— Enn, o que tá acontecendo porr... A porta azul abriu-se sozinha fazendo Logan fechar a boca suja. Ele esperou que Enn entrasse ou fizesse algo, mas ela parecia estar desesperada. Por que ele tinha topado aquilo? Agora ele tinha que morrer graças a sua ganância. Dando passos para dentro arrastou Enn atrás de si encarando bem o lugar. Era uma sala pequena, porém aconchegante, as paredes ainda eram da mesma cor bege de antes e os móveis eram feitos de madeira, típicos de uma pequena fazenda. Os sofás estavam cobertos por capas velhas e vermelhas de crochê, como que feitas por uma mãe muito caprichosa há muito tempo. E o quadro na parede... O quadro na parede emoldurava o sorriso de um homem de barba rala por fazer e uma mulher de cabelos escuros, e lindos olhos cinza brilhantes tão parecidos com os de... Com os de Enn. Como que ouvindo seus pensamentos, a garota deu um passo à frente tocando no quadro com o polegar direito o sorriso do pai. A cena mudou, o ret
“Amar não te faz imortal”. — Você tem certeza absoluta do que está fazendo? — Enn perguntou quando Logan a arrastou para muito perto do metrô — Não posso chegar perto das pessoas e esse é definitivamente um dos lugares onde mais existem pessoas aglomeradas. Logan, isso não parece ser uma boa ideia! — Ela agarra a manga do moletom dele. A atenção dele estava voltada para as escadas, procurando por pessoas. Se ele fosse rápido o suficiente conseguiria usar a passagem secreta que havia por trás da estação, sabia dela porque a utilizava para fugir quando estava sendo perseguido ou arranjava encrenca, o mundo das apostas podia ser selvagem quando queria. Quando ninguém mais estava subindo pelas escadas, ele segurou a mão de Enn com força entre seus dedos longos e a puxou do beco para o metrô. — Vem, eu tenho um plano! — Ele desceu as escadas correndo e antes que um homem, a dois metros de distância, distraído com seu celular fosse m
Ele estava confuso. Durante o trajeto que fizeram ao sair do vagão e perambular a procura de uma entrada para o esgoto, Logan observava o modo como Enn parecia estar inquieta, parecia estar mal. Logan andou pelo beco enquanto Enn agachava e puxava a tampa de esgoto de ferro redonda, indicando a ele que poderiam descer. Ele torceu o nariz ao passar por ela e entrar, no que parecia ser uma escuridão absoluta. Quando pisou em algo grudendo, não olhou para baixo a fim de saber o que era, sabia que se fizesse isso não encontraria uma resposta agradável. O cheiro era forte e ele achou que vomitaria, não tinha um estômago fraco, mas aquilo era demais até mesmo para ele. — Então, o que achou? Agradável, não é? — Enn perguntou de forma sarcástica ligando a lanterna de Logan. — Ao que tudo indica nós devemos ir por aqui — Apontou para a esquerda. Durante o trajeto, Logan não disse nada, apenas sentiu que algo estava o incomodando, algo que não era exatamente o esgoto q
Sabendo que precisavam de algum lugar para descansar, Logan levou Enn para o segundo andar e, ao que parecia, não havia sangue e destruição, apenas quartos com camas velhas abandonadas. Ele a levou nas costas, não sabia exatamente se ela tinha apagado de exaustão ou desmaiado devido aos ferimentos, mas algo no modo como Enn não se mexia estava deixando-o preocupado. Sentou no sofá por alguns breves segundos, com a cabeça entre as mãos. Sua mente se encontrava repleta de perguntas, para as quais não havia respostas. A única coisa da qual ele tinha certeza era a de que queria de algum modo fazê-la sofrer, fazer Mors de alguma forma morrer. Sabia que ela é uma entidade e que matar a morte é uma coisa impossível, mas agora, ali naquele quarto, sentia necessidade de vingar-se. — Logan... Ele encarou Enn deitada na cama. Ela estava deitada de lado, sem as cobertas empoeiradas, encarando-o. Seu cabelo estava esparramado na cama cobrindo metade da maçã do rosto, os b