— Então, onde estamos indo? — Logan perguntou quando atravessaram a porta em direção à rua.
Já passavam das dez e Enn olhava para todos os lados à procura de outras pessoas. Ela sabia bem o que acontecia quando elas se aproximavam.
— A única pista que eu tenho para encontrar o antídoto é o fato de que temos que procurar em algum local onde muita gente já tenha morrido. Nesses lugares geralmente existe uma pressão espiritual maior que nos faz arrepiar ou temer. — Ela disse andando ao seu lado.
Logan pensou nos lugares onde provavelmente aquilo poderia ter acontecido. Numa cidade como aquela não eram raros casos assim acontecerem. Mas um acidente em especial o fez dizer:
— Eu já sei!
Enn o encarou em plena expectativa:
— Onde? É aqui perto?
— Há três anos um hospital foi incendiado por um homem maluco que dizia ser o edifício um monstro gigante o qual ele precisava combater. Essa notícia ficou na história, não é raro ouvir os vizinhos falando disso, meio que foi um marco, sabe? — Ele lhe explicou, agora andando mais rápido até virar à direita — Muitos dizem que quem chegar ao último andar encontrará um fantasma maldito chamado Dom Queimadas.
Enn encolheu os ombros pensando em como seria esse tal fantasma. O pensamento foi rapidamente dissipado quando avistou uma figura se aproximando do lado oposto da calçada. Ela segurou a blusa de Logan fazendo-o olhar para trás:
— O que foi? Cansou de andar?
— Um homem está vindo, Logan... — Enn apontou para frente — Temos que nos esconder antes que ele se aproxime e...
Ele arregalou os olhos só então percebendo exatamente o que ela estava falando.
Antes que ele se aproxime e morra.
Logan sem pensar nem duas vezes segurou a mão dela e correu por entre um beco estreito impedindo de darem de encontro com o homem. Por sorte, naquela região, beco era o que não faltava.
Enn parou estacando no chão, abraçando-se. Sentia ânsia de si mesma. Até quando ela fugiria?
— Enn? — Logan a chamou, foi a primeira vez que a chamou pelo seu apelido.
— Você percebeu, não? — Ela perguntou — Se essas pessoas se aproximarem de mim eu com certeza vou... Matá-las. E eu não quero que isso aconteça. — Os olhos dela ganharam um tom de determinação — Precisamos acabar com isso de uma vez por todas.
Logan assentiu e apontou para o outro lado da rua:
— Esse é o lugar.
O edifício estava totalmente abandonado e ninguém passava pela rua. Era um lugar para ser realmente evitado. Na fachada lia-se “Hospital Comunitário”, as letras estavam rodeadas por lodo, o mesmo escorria por elas formando linhas pretas pela parede. Tudo estava quebrado e algumas partes carbonizadas devido à ação do tempo.
Eles entraram ouvindo os próprios passos fazerem eco. Ratos andavam por entre o balcão sujo e as cadeiras quebradas. O cenário era horrível, se não tivesse passado por muita coisa na vida e soubesse que o pior ainda estava por vir, Enn jamais teria tido coragem para entrar ali. Mas agora, sabendo que podia machucar pessoas como um dia machucou as quais mais amou, ela se sentia mais do que nunca motivada a seguir adiante.
Logan pelo contrário, pareceu nem ligar para o aspecto do lugar. Até mesmo fuçou no balcão e nas suas gavetas procurando por sabe-se lá o quê.
— O que foi? — Ele perguntou lhe lançando um olhar ofensivo — Pode haver dinheiro por aqui.
Ela não respondeu. Em vez disso, sentiu algo da direção oposta. Era uma porta grande e preta, não parecia ser grande coisa, se não fosse pelo fato de tratar-se de um elevador.
— É por aqui, posso sentir — Ela seguiu adiante.
As portas estranhamente se abriram.
— Okay, não era para isso acontecer, Huntly. Esse lugar não funciona há anos, como que as portas estão funcionando? — Logan aproximou-se dela e pensou em como seria estranho se aquele elevador realmente os levasse para cima.
Os dois entraram, ele quietamente com os braços cruzados diante do peito demonstrando segurança, como se soubesse exatamente o que deveria fazer e ela cabisbaixa olhando para os próprios tênis All Stars.
O elevador demorou alguns segundos para fechar as portas e começar a subir. Logan não conseguia entender ao certo como aquilo estava subindo, era impossível, ilógico e doentio.
— Último andar, ein? — Ele perguntou debochando.
— Não precisa fingir — Ela soltou, ao passo que ouvia as engrenagens rangerem, um roído fino e agudo como se quisesse danificar seus tímpanos — Até mesmo os mais arrogantes sentem medo.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Esses são os elogios que recebo por te ajudar? — Fez careta de ofendido — Como você é má. Deveria ter esperado lá embaixo.
Ela não respondeu, mas tinha certeza absoluta que não queria que ele tivesse esperado lá embaixo. Estava assustada demais, assim como ele, só que diferentemente dele, ela admitia.
O elevador então parou num solavanco, fazendo as engrenagens pararem de ranger. Antes das portas se abrirem, ela olhou uma última vez para ele.
— Haja o que houver, não ouse morrer — Disse, dando então o primeiro passo para dentro da escuridão.
Tudo o que Logan conseguiu pensar naquele momento, foi em como a escuridão e o frio formavam sempre uma bela combinação apavorante. Primeiro, pensou estar dentro de um quarto mofado que não continha janelas e levou os dedos adiante apalpando o ar procurando Enn. Podia ouvir os passos dela, mas não a via e os seus dedos apesar de longos, não puderam encontrá-la.
Ótimo, estou tateando o nada esperando encontrar alguma coisa melequenta como sangue ou uma entidade encapuzada.
Estava prestes a se pronunciar quando a luz invadiu seus olhos. Não foi aos poucos para que se acostumasse, mas sim com tudo, ela veio de todos os lados enchendo seus olhos, deixando-os doloridos. Fechou-os por alguns segundos até sentir que estava tudo bem e novamente os abriu.
Ele definitivamente não esperava por aquilo. Não estava num quarto. As flores amarelas dançavam no campo conforme o vento mudava de direção, o céu era azul límpido e seus pulmões sentiam o ar puro entrar em grandes lufadas, diferente do ar de NY ácido e impuro.
Enn andava pelo campo, encontrou sua figura pequena atravessando-o até o outro lado. Onde terminava as flores amarelas, que Logan acreditava se tratarem de cravos, se erguia uma pequena casa de paredes cor bege. Enn de repente parou de andar e começou a correr para ela.
— Hey, me espere Huntly! Huntly! — Ele correu atrás dela, os pés pisando na grama fofa.
Não foi tão difícil alcançá-la já que suas pernas eram maiores do que as dela. Enn estava parada diante da porta azul, encarando-a como se estivesse vendo um fantasma.
— É aqui... — Ela disse sem tirar os olhos da porta.
Algo dizia a ele que nada de bom aconteceria assim que abrissem a porta azul.
— Esse lugar, você o conhece? — Perguntou.
Ela fez que sim com a cabeça.
— Essa é... A minha casa, Logan. Eu cresci aqui. — Seus olhos estão dilatados e o corpo treme, quando ela agarra a blusa de Logan implorando: — Me tire daqui, me tire daqui agora!
— Enn, o que tá acontecendo porr... A porta azul abriu-se sozinha fazendo Logan fechar a boca suja. Ele esperou que Enn entrasse ou fizesse algo, mas ela parecia estar desesperada. Por que ele tinha topado aquilo? Agora ele tinha que morrer graças a sua ganância. Dando passos para dentro arrastou Enn atrás de si encarando bem o lugar. Era uma sala pequena, porém aconchegante, as paredes ainda eram da mesma cor bege de antes e os móveis eram feitos de madeira, típicos de uma pequena fazenda. Os sofás estavam cobertos por capas velhas e vermelhas de crochê, como que feitas por uma mãe muito caprichosa há muito tempo. E o quadro na parede... O quadro na parede emoldurava o sorriso de um homem de barba rala por fazer e uma mulher de cabelos escuros, e lindos olhos cinza brilhantes tão parecidos com os de... Com os de Enn. Como que ouvindo seus pensamentos, a garota deu um passo à frente tocando no quadro com o polegar direito o sorriso do pai. A cena mudou, o ret
“Amar não te faz imortal”. — Você tem certeza absoluta do que está fazendo? — Enn perguntou quando Logan a arrastou para muito perto do metrô — Não posso chegar perto das pessoas e esse é definitivamente um dos lugares onde mais existem pessoas aglomeradas. Logan, isso não parece ser uma boa ideia! — Ela agarra a manga do moletom dele. A atenção dele estava voltada para as escadas, procurando por pessoas. Se ele fosse rápido o suficiente conseguiria usar a passagem secreta que havia por trás da estação, sabia dela porque a utilizava para fugir quando estava sendo perseguido ou arranjava encrenca, o mundo das apostas podia ser selvagem quando queria. Quando ninguém mais estava subindo pelas escadas, ele segurou a mão de Enn com força entre seus dedos longos e a puxou do beco para o metrô. — Vem, eu tenho um plano! — Ele desceu as escadas correndo e antes que um homem, a dois metros de distância, distraído com seu celular fosse m
Ele estava confuso. Durante o trajeto que fizeram ao sair do vagão e perambular a procura de uma entrada para o esgoto, Logan observava o modo como Enn parecia estar inquieta, parecia estar mal. Logan andou pelo beco enquanto Enn agachava e puxava a tampa de esgoto de ferro redonda, indicando a ele que poderiam descer. Ele torceu o nariz ao passar por ela e entrar, no que parecia ser uma escuridão absoluta. Quando pisou em algo grudendo, não olhou para baixo a fim de saber o que era, sabia que se fizesse isso não encontraria uma resposta agradável. O cheiro era forte e ele achou que vomitaria, não tinha um estômago fraco, mas aquilo era demais até mesmo para ele. — Então, o que achou? Agradável, não é? — Enn perguntou de forma sarcástica ligando a lanterna de Logan. — Ao que tudo indica nós devemos ir por aqui — Apontou para a esquerda. Durante o trajeto, Logan não disse nada, apenas sentiu que algo estava o incomodando, algo que não era exatamente o esgoto q
Sabendo que precisavam de algum lugar para descansar, Logan levou Enn para o segundo andar e, ao que parecia, não havia sangue e destruição, apenas quartos com camas velhas abandonadas. Ele a levou nas costas, não sabia exatamente se ela tinha apagado de exaustão ou desmaiado devido aos ferimentos, mas algo no modo como Enn não se mexia estava deixando-o preocupado. Sentou no sofá por alguns breves segundos, com a cabeça entre as mãos. Sua mente se encontrava repleta de perguntas, para as quais não havia respostas. A única coisa da qual ele tinha certeza era a de que queria de algum modo fazê-la sofrer, fazer Mors de alguma forma morrer. Sabia que ela é uma entidade e que matar a morte é uma coisa impossível, mas agora, ali naquele quarto, sentia necessidade de vingar-se. — Logan... Ele encarou Enn deitada na cama. Ela estava deitada de lado, sem as cobertas empoeiradas, encarando-o. Seu cabelo estava esparramado na cama cobrindo metade da maçã do rosto, os b
Vá até onde você os deixa. Esta era a última pista. Ela encarou Logan como se ele pudesse saber sobre o quê o bilhete estava falando, mas quando retribuiu o olhar, soube que ele estava tão perdido quanto ela. O que aquelas palavras poderiam significar? O que diabos ela tinha deixado? — Nós temos que pensar como ela — Ele tamborilou os dedos no sofá olhando para além dela — O que a morte mais quer fazer você sentir? Algo que aconteceu nas duas últimas charadas... — Seus dedos tamborilavam mais rápidos. — Culpada? Eu estava carregando todo aquele fardo achando que fosse meu, em meus pensamentos a culpa de cada morte era minha e de mais ninguém. — Ela andou até ele e esperou as engrenagens em sua cabeça de algum modo fazer sentido. — Se este for o caso... — Logan se levantou indo até a outra ponta do quarto, seu semblante fixo em algo além das vidraças velhas e agora quebradas — Pode ser que as pessoas mortas teoricamente, por você, esteja
“Só existe uma única certeza solene a de que nada é para sempre”. Então vamos nos chamar de “nada” e talvez nos tornemos eternos. Enn respirou fundo, seus olhos encheram-se de lágrimas e ela então correu até sua mãe. Queria abraça-la propriamente, mas não o podia fazer devido à forma a qual ela se encontrava, então apenas a encarou por um longo tempo percebendo como eram semelhantes. Os olhos dela eram iguais aos seus e o nariz pequeno também, muito diferente do de seu pai, longo e fino. — E-eu... Quero dizer, eu não acredito que estou te vendo mamãe... Por tanto tempo eu pensei que nunca teria essa chance... — Enn estava em lágrimas agora, tentando se segurar e aproveitar ao máximo esse momento. — Mamãe, eu tenho que fazer algo, algo provavelmente ruim... — Eu sei querida. Por isso eu te esperei, para poder te dar o meu consentimento. — Ambas sentaram-se à cama, sua mãe segurou suas mãos entre as delas, apesar
Ao acordar, Logan estava confuso e não sabia como tinha apagado. Ele estava sentado no chão, encostado na parede, com as pernas abertas. Ao mexer-se, sentiu sua nuca doer e o barulho de metal contra o chão. Abrindo os olhos, notou angustiado que seu quarto estava cheio de moedas brilhantes e joias preciosas espalhadas pelo chão. A verdade de tudo o que tinha acontecido aterrorizava-o solenemente, quando Enn lhe contou sobre uma recompensa, Logan pensara que viria de Enn por conseguirem derrotar a morte e não que a morte lhe daria a recompensa. Ele levantou-se serrando as mãos ao lado do corpo, encarou o criado mudo e a xícara, então abriu a carta sob ela. A janela projetava luz solar, atravessando as cortinas, enquanto Logan continuava em pé no centro do quarto, lendo o que Enn escrevera. Logan, quando ler esta carta, provavelmente não estarei mais aqui. Ele andou até sua bolsa, depositando o resto do dinheiro que tinha do cassino, sem mexer no
Tudo o que pôde ouvir foram vozes alteradas. Alguém estava gritando em seu ouvido, ou pelo menos pareceu ser em seu ouvido. Novamente aquela sensação de desconforto assolou-o e ele soube rapidamente que não podia sentir mais nada. — Como se atreve! Levante-se homem mundano! Logan tentou ficar em pé deparando-se com os olhos escuros e penetrantes de Hades encarando-o fixamente. — Como ousa entrar em meus domínios por meio das leis antigas dessa maneira?! — O óbolo é o objeto utilizado para se chegar até o submundo quando as pessoas morrem, está na lei, eu não fiz nada de errado — Logan contra argumentou percebendo seus pés, de certa forma, levitar do chão. — Não foi uma morte honrosa, meu jovem.