6*

— Acredito que esteja me confundindo com alguém... — passo por ela, mas então a garota se coloca novamente em minha frente.

— Não venha querer bancar a sonsa para cima de mim não, garota mimada do caralho! — pisco algumas vezes, chocada — Quero saber se essa história que você tá prenha de Daniel é verdade — encarando-a agora, consigo lembrar que vi ela no último baile que fui. Ela estava dançando perto de Daniel.

— Não sabia que minha vida era da sua conta — digo com ironia e isso parece irritá-la.

— Parece que não sabe quem sou — ela se aproxima mais — Você tá ou não tá grávida?

— Por que não pergunta pra ele? — sorrio — Parece que não sou a única a não saber das coisas por aqui — vejo a raiva estampada em seu rosto — Agora se me dá licença, preciso ir descansar — passo por ela, mas a garota puxa meu braço.

— Só vou dizer isso apenas uma vez e espero que enfie isso na tua cabeça! Eu sou a fiel do Dan, e não vai ser você e nem ninguém que vai tirar isso de mim, entendeu? — sorrio com a cena.

— Não vejo com o que se orgulhar disso, mas já que você fica orgulhosa com essa posição, então meus parabéns, fiel de traficante —Ela vem para cima de mime crava as unhas em meu braço.

— Não brinca comigo sua vadia! — diz com desdém, me segurando com firmeza.

— Ana Luíza... Emily? — Duda aparece atrás dela e então a garota me solta. Assim que se aproxima, ele olha para de uma para outra — Tá acontecendo alguma coisa?

— Da próxima vez que você me tocar desse jeito, é você que vai ter um problema! — digo e saio sem explicar nada a Duda.

— Meu recado tá dado! Você não sabe do que sou capaz! — escuto a voz dela.

Nem você sabe do que sou capaz, bonita...

Estou irritada e quero socar a cara de alguém. A marca das unhas daquela vadia ardem em meu braço. Abro a porta sem tocar a campainha graças a tia Glória que me deu uma chave, mas paro ao ouvir vozes.

— Não sei se é o certo a fazer, meu jovem. Acredito que tenha outras formas de resolver isso — reconheço a voz do tio João.

— É a melhor forma sim, não posso deixá-la só com o meu filho — diz Daniel.

— Mas você perguntou a ela o que ela quer? — estou atrás da porta ouvindo tudo com atenção.

— Não — respondeu — Mas entenda tio, eu sou o chefe desse morro, foi a mim que meu pai confiou o comando e desde então estou fazendo o que ele quer. Não vou deixar que uma garota mimada, irresponsável e sem noção coloque fim ao meu legado. Ela fica aqui até a criança nascer, então depois pode ir embora como quiser... — não achei que doeria ouvir isso da boca dele.

Não pensei que sentiria algo parecido ao que senti quando meu pai falou tudo aquilo para mim.

— Então é isso que sou? — quando me dou conta já estou dentro do cômodo — Uma garota mimada, irresponsável e sem noção? — tio João está de pé, mas Daniel apenas me encara.

— Analu, ele não quis... — o homem começa a dizer, mas não quero ouvir nada.

— Desculpa fodão do caralho, se eu perdi tudo! Se eu me perdi depois que soube dessa gravidez — estou chorando mais uma vez, que droga! — Sabe por que é fácil me julgar, Daniel? Porque você não perdeu nada, porque não foi você que escutou o que escutei e nem é você que está tão perdido que não sabe o que fazer... Quer saber, vá tomar no seu cu! — saio sem esperar mais nada.

Eu me odeio por estar chorando, eu me odeio por ter vindo àquela droga de baile ou por ter aceitado o convite de Daniel naquela noite.

Eu quero sumir, quero minha vida de volta. Quero não estar grávida, não ter conhecido Daniel. Ando o mais rápido que consigo, não por achar que ele vem atrás de mim, mas na esperança de conseguir correr dessa situação toda.

Sento em uma calçada alta, estou sem ar e meus pés doem. Não só isso, percebo que ainda estou chorando e então pego o celular e disco o número de emergência. Preciso ouvir sua voz.

Ligação

— Alô — reconheço a voz do meu pai — alô?

— Pai? — ele fica mudo — Pai sou eu, Analu... Pai fala comigo, por favor... Diz alguma coisa — ouço o desespero em minha voz — Eu sinto muito, me perdoa pai, me perdoa... Eu sinto muito! — Ele respira fundo e eu continuo — Não me deixa sozinha aqui! Eu não sei me cuidar só... Pai? — minha voz trava — Pai, eu te amo! — Ele respira fundo novamente.

— Acho que você ligou errado. — Ele desliga e sinto meu coração se quebrando mais uma vez.

Olho fixamente para a rua vazia e de repente paro de chorar. Lágrimas não vão resolver nada disso e nem sei se consigo continuar chorando. Então faço o óbvio, vou para o meu refúgio, minha segunda casa. Bato na porta e Manu atende e me puxa para um longo abraço. Quero me desmanchar em seus braços, mas não faço isso. Subimos juntas para seu quarto e me deito em sua cama.

Fecho os olhos e suspiro. Aqui tem cheiro de lar.

***

Sinto meu corpo sendo erguido e por segundos acredito ser meu pai me levantando da cama depois de ter dormido no sofá novamente. Mas ao abrir os olhos vejo Daniel.

— O que você tá fazendo? — digo sonolenta e ele me olha com desdém.

— Levando você para casa! — Bufo em resposta. Não tenho um pingo de paz!

— Que casa? — ele para em frente à residência de Manu e me encara.

— Você tem uma casa, Ana Luíza. Não importa aonde eu more, você também poderá morar. Você é mãe do meu filho e enquanto não resolver sua vida, eu serei responsável por você. Entendeu?

— Responsável por uma mimada e sem noção como eu?

— Desculpe por mais cedo, eu me estressei. Mas me diga, Analu. Você tirou essa ideia de tirar meu filho?

Ainda está escuro e me pergunto que horas são, provavelmente é madrugada. Estou com frio e por alguns segundos percebo o calor que o corpo de Daniel transmite para o meu próprio

— Para ser honesta essa ideia durou apenas minutos na minha cabeça — decido ser sincera — Acho que a ficha ainda não caiu, não me sinto mãe e por vezes me pego pensando que tudo isso é apenas um pesadelo e que logo vou acordar, mas eu nunca acordo. Acho que estou esperando acordar na minha cama e ver meu pai na cozinha com um sorriso largo — ficamos em silêncio.

Sinto meu corpo exausto por todas as noites mal dormidas, então me permito relaxar em seus braços.

— Dê tempo a ele, ele vai procurar você... — diz por fim — Afinal, ele é seu pai.

"Eu não tenho filha." A voz de meu pai fica repetindo em minha cabeça várias e várias vezes ao decorrer do caminho. Então em um ato de alguém que está cansada e esgotada com a vida, apoio minha cabeça no ombro de Daniel e fecho os olhos.

— Não confunda, ainda odeio você! — falo e ele sorri. Mesmo de olhos fechados posso ver o sorriso dele brotando nos lábios.

— Seu problema é pensar demais, garota — ele me ajeita no colo e me segura mais firme — Só para constar, odeio você também. — Poderia soar ofensivo, mas sinto que não foi e por isso sorrio também.

***

1 mês de gestação

Estou sentada no postinho faz mais ou menos meia hora, me sinto nervosa e ansiosa. Minhas mãos estão suando e minha cabeça doendo.

—Você tá bem mesmo? — Manu pergunta.

— Sim. Não. Não sei! — ela ri e segura minha mão sem se importar com o suor que escorre por entre os dedos.

— Você quer que eu entre com você? — sorrio aliviada com a sugestão;

— Seria uma boa — ela sorri de volta.

Desde ontem me sinto estranha. Quem marcou minha consulta foi tia Glória e me avisou que seria hoje. Não sei o que pensar e nem o que fazer. Me sinto uma criança perdida em um lugar novo e assustador. Uma parte minha espera que a médica diga "Ana, você não está grávida. Foi só um engano."

Ana Luíza.

Sinto meu corpo todo tremer quando chamam meu nome. Eu e Manu levantamos juntas e na porta tem uma moça sorrindo para mim.

— Bom dia, entrem — diz ela seguindo para a mesa e eu me sento, pois, sinto que posso cair. Manu fecha a porta atrás de nós— Sou a doutora Kaline e vou atender... — ela olha para nós duas.

— Eu, eu sou a Ana Luíza — ela sorri para mim.

— Ok, certo! — ela começa a digitar e me olha — Me conte o motivo de estar aqui!

— Bom, há alguns dias descobrir que estou grávida. — Ela assente.

— Fez teste de farmácia ou de sangue?

— Sangue — falo e ela digita a informação — Tem chance de estar errado? — sua atenção se volta para mim.

— Vou ser sincera com você, Ana Luíza. A chance de dar um falso positivo é de 0,5%. Geralmente os que dão mais errados são os de farmácia, mas como não é seu caso eu diria que a chance é quase zero — sinto um peso na garganta — Isso é assustador, né? — confirmo.

— Até demais! — é a única coisa que consigo responder.

Em seguida ela me enche de perguntas sobre quais sintomas estou sentindo. Falo sobre meus enjoos que estão aumentando um pouco e minha falta de apetite. Hoje de manhã quando Daniel passou por mim, senti um desejo enorme de vomitar ao sentir o perfume dele.

Falando nele, ele quis muito me acompanhar, mas surgiu algo que precisou resolver de última hora, e para ser honesta foi melhor assim.

— Mais alguma coisa? — pergunta enquanto continua digitando.

— Estou com prisão de ventre e com os peitos muito sensíveis...

— Tudo que você falou é normal para o primeiro mês. Talvez vá se sentir inchada também e com pequenos desejos. O importante é não deixar de tomar os remédios que vou passar. Eles vão ajudar você nos enjoos e na falta de apetite, ok? — concordo novamente e ela sorri.

— Então tá tudo bem? — Manuela pergunta por mim.

— Sim — diz ela — Vamos continuar a consulta e com cinco semanas você vai poder ouvir melhor os batimentos cardíacos do seu bebê. Nessa fase em que está, o coração ainda está em desenvolvimento, depois da quinta semana conseguirá ouvir melhor.

Ela me passa uma lista de remédios, entre eles vitaminas e também me dá algumas dicas para enjoo. Saio do consultório me sentindo nervosa enquanto Manu fala sem parar sobre algo que não sei o que é.

Ainda não me sinto mãe, mas ouvir da Doutora que a chance é quase zero de estar errado, faz com que a ficha caia finalmente. E continuo sem saber o que sentir.

***

Chego e me sento no sofá, sinto meus pés latejando. Depois que sai do postinho fui lanchar com Manu, mas evitei comentar qualquer coisa sobre como estou me sentindo. Como um ato involuntário alisei minha barriga.

— Tem um bebê aqui — sussurro — Meu filho... Meu... — essa palavra sai meio amarga, mas estranhamente doce vai se tornando doce.

— Você entende isso, Ana Luíza? Você entende que tem um bebê dentro de você? — meu subconsciente diz.

Continuo alisando minha barriga e minha mente voa longe. De repente tudo o que mais quero é ligar para meu pai, só para dizer que estou assustada, mas que também sinto algo crescendo dentro de mim. Falar que preciso sim da ajuda dele e ouvir ele contando como foi a reação da mamãe quando descobriu que estava grávida. Mas não posso, não posso ligar porque sei como vai ser e também sei que não quero mais sentir o que senti naquela noite.

Sinto as lágrimas formando em meu rosto e retiro a mão da minha barriga.

— Analu? — vejo a mãe de Daniel parada no final da escada — Você tá bem minha, querida? — forço um sorriso e me ajeito no sofá.

— Sim. Estou... — ela vem e senta ao meu lado. Seus olhos me avaliam.

— Como foi a consulta? — tento manter o sorriso no rosto diante de sua pergunta, mas não aguento. Ela me olha com preocupação e eu não consigo parar de chorar.

Sinto quando me puxa para um abraço e então paro de lutar. Me entrego de alma e coração. Escuto meus soluços, minha respiração, meu grito silêncio...

— Calma. Estou aqui, tá bom? Eu estou aqui! — diz, alisando meu cabelo.

Por um segundo imagino minha mãe em seu lugar, me abraçando e sussurrando que tudo ficaria bem. Por um segundo me deixo ser tomada por essa fantasia e abraço com força. Seria assim se ela tivesse aqui.

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