IV

A caminhonete cinza cabine dupla de Domingos entrou em São João Batista do Glória pela rua principal, coberta de poeira, mostrando a viagem longa que fizera e o trecho de terra percorrido. Era pouco mais de onze horas da manhã; o dia seguia ensolarado e a temperatura amena típica do final de maio. Nessa época, os dias são frescos e secos em sua maioria e as noites frias.

Domingos estacionou na praça procurando um lugar para almoçar. Da rua se avistava a igreja monumental ao fundo. Era a matriz. Igreja grande, debruada de relevos rosados, ostentando duas torres majestosas. Dizem que os construtores das igrejas do período barroco, principalmente no interior de Minas, contratados pelas paróquias, cobravam um sinal e construíam, em primeiro lugar, uma das torres. Caso não recebessem o restante do pagamento, iam embora deixando a obra com apenas uma torre construída. Caso lhes pagassem o devido, construíam a outra. Por isso é que inúmeras cidades possuem igrejas com apenas uma torre.

A matriz de São João Batista do Glória tem duas torres imponentes e encimadas cada uma por uma cruz, símbolo que também se vê no topo da abóbada principal que compõe o domo do edifício. Também não é tão antiga: sua construção foi concluída em 1957.

A praça em frente é bonita, com bancos de cimento acompanhando o desenho dos jardins. A porta de entrada da igreja é um arco e fica protegida por um alpendre também em arco. Duas janelas, no segundo andar, acompanham o estilo da porta de entrada; a partir dali erguem-se as duas torres, plenas de janelinhas, desde baixo até em cima.

As ruas centrais da cidade são pavimentadas com lajotas de concreto sextavadas, conforme se vê em várias cidades interioranas de Minas Gerais, um calçamento bem mais barato, bonito e prático do que os irregulares paralelepípedos que se usavam no passado.

Naquele sábado, as ruas estavam calmas e sem muito movimento. Domingos relanceou a vista à procura de um restaurante. Encontrou um: “Cantina Mineira” ― Comida Típica!

Entrou, sentou-se e almoçou um excelente tutu com torresmo, carne de porco, couve à mineira e farinha de milho torrada. Não estava preocupado com regimes, colesterol ou outras firulas. A sobremesa foi o tradicional “Romeu e Julieta” com um ótimo queijo de meia cura, especialidade da Canastra.

Depois de pagar a conta, perguntou ao garçom:

― Amigo você conhece uma pousada boa, familiar, onde a gente possa ficar tranquilo para descansar?

O garçom respondeu com o sotaque típico da região:

Ocê segue a rua, dispois da igreja ocê entra... aí tem um caminhozim que vai dar numa pousada. Lá também tem uma comidim boa mesmo; nossssa! Ô trem bão, sô! É tudo bem bunitim, bobo! Vai direto que num trapaia de chegá lá não!

Domingos fingiu que entendeu tudo e agradeceu: precisaria fazer um curso intensivo de adaptação ao mineirês! Mas como era, acima de tudo, um publicitário de convicções arraigadas, o jeito meio caipira do povo falar agradou-o muitíssimo. Era um linguajar poético, típico e cheio de maneirismos e trejeitos próprios a toda uma cultura, um verdadeiro ícone ao regionalismo de um povo. Que o diga Guimarães Rosa!

Seguindo as instruções do garçom, Domingos foi bater direto na Pousada do Monjolo. Estacionou a pick-up no telheirinho e subiu devagar os degraus que o levaram à recepção admirando muito o bom gosto do jardinzinho onde as rosas pareciam florir o ano todo.

― Boa tarde ― disse sorridente cumprimentado Eva. ―Tem um quarto vago para um viajante cansado?

― Sim, temos quartos vagos ― respondeu a moça. ― O senhor pretende se demorar? Veio a turismo ou a negócios?

― Nem uma coisa nem outra ― respondeu Domingos. ― Na verdade, vim para descansar, e se gostar da cidade pretendo viver aqui por algum tempo!

Intimamente Domingos deu uma gargalhada: “Viver”, refletiu amargamente no diagnóstico do doutor Túlio. “Gostaria de morrer aqui”, pensou. “E quanto mais cedo melhor.”

Preencheu automaticamente a ficha que Eva lhe estendia. Colocou apenas sua origem sem o endereço. Pegou a chave: Quarto nove.

“Bom número... Pelo menos não é o treze”, ponderou.

Eva chamou um rapazinho fardado de porteiro que lhe ajudava:

― Gumercindo, leve as malas do senhor... Domingos― disse olhando a ficha para confirmar o nome. ― Quarto nove ― e virando-se para Domingos prosseguiu: ― Se o senhor precisar de algo, peça pelo interfone. É só tirar do gancho. Temos banho quente e frigobar. O controle da TV está em cima da mesa de cabeceira e o jantar começa a partir das seis até as nove. Se preferir que seja servido no quarto é só pedir pelo interfone. Também servimos café, chá e torradas, o cardápio está à disposição no quarto. O café da manhã é das seis e meia às nove. Está incluído na diária. Existem algumas excursões com guias que passam por aqui. Os roteiros estão ali ― apontou para uns prospectos em uma cesta ―, as inscrições também são feitas aqui na portaria. Posso ajudá-lo em mais alguma coisa?

― Ufa! Por enquanto não, muito obrigado ― disse Domingos sorrindo ―, a senhora é muito simpática... ― completou olhando admirado a bela jovem.

Eva não se fez de rogada; caprichando no seu melhor sorriso, aquele mais encantador emoldurado pelas lindas covinhas, agradeceu:

― Muito obrigada, senhor Domingos! Espero que sua estada entre nós seja prazerosa e duradoura. Aqui o senhor encontrará muitas coisas bonitas para preencher o seu tempo e seu espírito. Boa Tarde!

Domingos despediu-se e caminhou para o quarto. “Pois bem”, pensou, “não sei se encontrarei algo tão bonito como você, menina! De qualquer forma estou gostando muito desse lugar... um garçom atencioso... uma atendente bonita... salve, salve São João Batista do Glória! Pena que vim aqui para morrer!”.

Ao raciocinar assim, caiu novamente em cismas relembrando a família que perdera no acidente.

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