Eva trouxe Vicente até a varandinha e, com carinho, instalou-o em uma das poltronas de vime que compunham o mobiliário. Cobriu as pernas do avô com uma manta, pois a manhã estava fria, e colocou algumas revistas em suas mãos. Depois foi à cozinha e voltou de lá com uma xícara fumegante:
― Um caldinho de feijão light para o melhor avô do mundo! ― Vicente gostava desse caldinho quente e reconfortante.
Frederico vinha saindo do salão de refeições. Acabara de tomar o desjejum e vendo o velho amigo na varanda veio sentar-se ao seu lado. O médico abraçou o ancião. Vicente fora o seu grande confidente quando chegara ao Glória e ele amava o velho como se fosse seu próprio pai. Vicente, com um sorrisinho no canto dos lábios, falou:
― Já estava com saudades de você, Fred. Mas que diabo está acontecendo que vo
Eva deu o último retoque na maquiagem pintando umas sardas na maçã do rosto com o lápis de sobrancelhas; ajeitou a gola do vestido e dirigiu-se ao saguão onde Domingos já estava esperando. Ela estava uma graça em seu traje típico! Um vestido no melhor estilo caipira com uma bela estampa vermelha de flores grandes e pequenas entremeadas de branco, cheio de babadinhos de renda rosa; os belos cabelos castanhos com mechas aloiradas estavam presos em duas “marias-chiquinhas” com laçarotes vermelhos; uma botinha curta de vaqueta estilo peão com salto alto carrapeta completava o traje. Uma caipira muito charmosa.Domingos, quando a viu, não pôde deixar de dar um assovio de admiração, o que deixou Eva ruborizada, mas feliz.Ele também não ficava atrás: jeans de uma grife italiana famosa, pulôver de jackard azul marinho e branco, sa
No sábado seguinte após o jantar, Domingos perguntou a Frederico:― Vai visitar seus clientes amanhã? ― Se precisar de companhia...― Oh, sim! Claro! Podemos sair daqui às sete, como sempre...Os dois haviam adquirido o hábito de jantar juntos e, às vezes, sair juntos. Depois das histórias que Eva contara a respeito do médico, o respeito e a admiração de Domingos aumentaram bastante pelo seu novo amigo. Frederico passou a ser, para o publicitário, uma espécie de cavaleiro andante salvando princesas de ogros e dragões.No dia seguinte, saíram cedo da pousada. Em lugar de seguirem para o interior, Frederico pegou a estradinha em direção à balsa e atravessaram o rio aportando em Passos.Ao chegar à cidade, o médico entrou por diversas ruazinhas em bairros afastados do centro, até parar em uma casinha simpát
Eva explicava a Domingos:― Uma festa que está se tornando cada vez mais tradicional no Glória é a Festa do Peão! O povo prefere chamá-la de rodeio; eu também, pois, afinal de contas, é justamente isso que ela é, na realidade; mas ultimamente também tem exibido uma exposição agropecuária muito interessante. É um evento que surgiu, por volta de 1989, numa quadra que existia perto da Escola Estadual. Os primeiros rodeios ― continuou a jovem ―, eram bastante simples: alguns moradores do Glória juntaram-se a boiadeiros de cidades próximas que traziam as montarias para realizar a competição. Depois a festa passou a ser feita ao lado do campo com o apoio da Prefeitura. Havia um terreno grande que o pessoal cercava com folhas de zinco, taboas e latões, e o rodeio passou a ser realizado ali, geralmente no mês de julho. Esse terreno evoluiu para o Parque
Domingos se viu em cima de um chapadão, na beira de um precipício altíssimo. Sabia que podia voar, mas estava preso ao solo, atado por uma corrente que não deixava que ele saísse do chão. Embaixo se descortinava uma vista linda, um vale verdejante por onde corria um regato, cheio de cascatas que espraiavam suas espumas em um belo lago orlado de pedras.Ele queria saltar para aquela paragem bonita, mas o doutor Túlio vinha com uma serra querendo amputar sua perna para livrá-lo da corrente, e ao mesmo tempo exibia uma muleta dizendo: “Ela é melhor do que a prótese final, pois você tem uma cardiopatia grave!”Nesse momento, Mãe Amélia veio voando pelo penhasco e trazia Lúcia e Raquel pelas mãos. Achegando-se a ele, falou com sua voz desdentada: “Você não teve culpa! Sua vida ainda vai melhorar!”Acordou banhado em suor, embora
Domingos passou aquela semana em repouso absoluto. Tomava as medicações e conversava bastante com Frederico. Eva veio visitá-lo algumas vezes e nessas visitas sempre trazia um agrado para o doente, fosse uma fruta, um doce, jornais e revistas... demonstrava um verdadeiro interesse pela saúde do amigo. Nessas visitas, Domingos ficava constrangido, pois assim que “descobriu” seu sentimento pela moça, ruborizava-se com frequência maior do que gostaria; estava sentindo-se tal e qual um adolescente tímido perante a presença do primeiro amor.Frederico conseguiu, após alguma insistência, convencê-lo a escrever para o irmão dando notícias e contando a verdade sobre sua saúde atual. Segundo o médico, que também já tivera experiências com este tipo de comportamento na juventude, não temos o direito de deixar aqueles que nos amam e aos quais n&oac
Eva estava sentada na varanda da Pousada desfrutando de alguns instantes de descanso após o almoço. Mantinha-se relaxada e seu olhar permanecia fixo em algum ponto distante, mas apenas olhando sem ver nada especificamente. Nesses momentos de meditação por contemplação o eu interior e secreto aflora e fica sensível aos apelos do espírito; é o devaneio, o prelúdio do sonho que percebe as intuições d’O Todo.Vera aproximou-se com seu passo curtinho devido à idade arrastando as chinelas; vinha com um trabalho de tricô inacabado e enrolado nas mãos com a intenção de continuá-lo sentadinha ali naquele recanto agradável.Era uma velhinha simpática! Seus olhos de um azul profundo, marca da sua descendência suíça, contrastavam com a alvura do cabelo preso em um coque atrás da nuca. Os óculos sem aro fi
Primavera na Serra!Foi-se julho e veio agosto. Foi-se agosto. Setembro trouxe miríades de flores, amarelas, azuis, vermelhas... Flores que pintam os chapadões, os vales e as grotas. Que enfeitam as margens dos ribeiros. Que enchem o ar de borboletas, colibris e insetos que chegam sôfregos para sorver o néctar de suas corolas.Ah, primavera! Rainha das estações, inspiração dos poetas... na mata ou no cerrado, uma festa de alegria se espalha na natureza!Toda a fauna típica sai das tocas em busca de um instante mágico de amor que lhes garanta a perpetuação da espécie; a onça temível, o guará arredio, o bugio curioso, o gavião atento, o coelho arisco, o roedor medroso... e os pássaros? Que maravilha quando voam exibindo suas vestimentas coloridas para chamar a atenção. Os pica-paus com seus penachos vermelhos, os canário
Quando os dias passaram a ficar mais quentes e mais longos, a afluência turística em São João Batista do Glória aumentou consideravelmente. Com isso, a Pousada do Monjolo estava sempre cheia e a azáfama para atender aos hóspedes que vinham em busca de descanso ou aventuras redobrava.Nessa época Eva não tinha folga, correndo para providenciar compras para o restaurante, elaborar o cardápio, mandar a roupa suja para a lavanderia, atender aos hóspedes... Gumercindo e Valter ajudavam; e muito! Mas ainda assim era para a jovem dona que sobravam os trabalhos mais complicados e de maior responsabilidade.À noite, Eva estava cansadíssima e a única coisa que pedia para si era o descanso momentâneo do corpo que no dia seguinte deveria estar pronto, à primeira hora matinal, para servir o café no salão de refeições.Domingos, que estava