Despertando das sombras

Parece até mentira, mas depois de longas semanas, Augusto sorria pleno e aliviado por estar encarando os lindos olhos negros de Soraia como se fosse a primeira vez que os visse.

Lentamente Soraia levantou sua mão fraca e a estendera a Augusto que a pegou com carinho

e a posou em seu rosto quente, ansiando pelo toque de Soraia embora fosse frio.

–Seu rosto é tão quente – murmurou fracamente .

–Eu posso te aquecer, meu amor – dissera ele ao soltar sua mão, e assim ampara-la e erguê-la

por detrás de suas costas e, assim ambos experimentaram o toque íntimo e o esplendoroso beijo.

Sem pressa, abraçados ,línguas dançando devagar e apaixonadamente enquanto mãos apertavam costas e cintura com adoração.

Uma tossidela discreta se fez presente – e necessária – e quando ambos se descolaram,

havia uma plateia lhes observando e sorrindo.

Katrina fora a primeira que viera correndo, emocionada, abraçar e beijar a filha e palavras

foram dispensadas e tão pouco conseguiriam ser pronunciadas em meio ao choro maternal.

A fila se seguiu com Adam, André e Valéria esses dois haviam chegado ontem á noite. Após

viera Raína que estava há dias por ali, alguns com o marido Ivan que no momento estava na

cidade.

Sheila sorria, mas obrigou-se a chamar o filho que ficou chateado por ter de sair do lado de

Soraia, para um canto.

–O que foi mãe?

Sheila lhe estendeu uma xícara de porcelana – depois da sessão de beijos – sorriu – dê isso a

Soraia – Augusto assentiu pegando a xícara – o conteúdo é hortelã para aquecer o sangue.

Augusto pode sentir um aroma diferente naquela fumaça fumegante do chá.

– Mãe, o que há nessa xícara junto ao chá?

Sheila suspirou.

– Você sabe que Soraia precisa bem mais do que um chá de hortelã.

Em outras palavras: havia sangue misturado ao chá.

Augusto já ia dando ás costas para a mãe, quando está lhe dissera– Augusto – esse se

virou – você sabe que mais cedo ou mais tarde, Soraia vai perguntar pelo filho – ele chegou a

mover os lábios, mas não encontrara palavra alguma – eu quero que você prometa que vai contar toda a verdade – suplicou.

Augusto desviou os olhos.

– Augusto, por favor, não minta para ela.

Ele suspirou.

– A senhora já pensou na raiva que Soraia vai sentir de mim.

– Raiva? Por quê?

Sheila chegou a abrir a boca, mas a voz de Soraia congelou a ambos.

– O que vocês estão escondendo de mim? – levantou-se trôpega pela fraqueza que dominava seu corpo e dera alguns passos a frente e, quando sua mãe tentou lhe ajudar , ela a empurrara de leve – e o mais importante,

o que aconteceu com o meu bebê?

Muitos olhares se encontraram e se desviaram, o que só aumentou a desconfiança de Soraia

cujo os olhos piscaram e se transformaram no da vampira, que já percebia que fosse lá o que

não lhe diziam era somente ela a não sabedora do fato.

COMO SEMPRE, NÉ?

Sheila deu um passo a frente e retirara a xícara das mãos do filho paralisado pelo temor

daquela conversa , - antes de tudo, menina, tome isso – e a estendeu a Soraia que a pegara um pouco desconfiada do que poderia ter naquele líquido de cor estranha.

Imagine você: lhe entregam um ‘chá’ de hortelã- de tom verdinho – e esse é misturado

com sangue – vermelho rubro – que cor não haverá de ser, não é mesmo?

– O chá vai esquentar o seu corpo e aliviar a sede de seu ser – então Soraia dera os

primeiros goles, mas não desviava os olhos do olhar dolorido e temeroso de Augusto.

Soraia começava a ficar com raiva, seu sangue começava a ferver – sem trocadilhos- afinal,

sempre detestara que lhe escondessem coisas, mas respirou profundamente – sem

necessidade obviamente- e assim seu olhar voltara a ser negro. Enquanto as forças físicas,

mentais e espirituais lhe eram renovadas.

Augusto não estava suportando aquele olhar dirigido a si por Soraia, então apelou no olhar

para a mãe.

– Mãe, eu...

Infelizmente, há coisas que as mães, não por não quererem, mas por não poderem, não

podem fazer pelos filhos.

– Eu vou aliviar o peso para você, meu filho, mas ainda assim boa parte da carga vai recair sobre seus ombros.

– O que vocês estão escondendo de mim, afinal?!

IRRITADA...

Sheila suspirou ao depositar a xícara já vazia que Soraia lhe devolvera, sobre uma mesinha

ao seu lado.

– Uma verdade que vai te machucar muito.

Soraia passeou os olhos pelos ali presentes, e todos desviaram o olhar, o que lhe deu a

certeza.

– E pelo visto, só eu não sei.

– Mas vai saber – afirmou Sheila, a única ali disposta a revelar a verdade - por favor, saiam

todos, quero ficar a sós com Soraia.

Ninguém ousou recusar a demanda de Sheila, nem mesmo Katrina que bem sabia o quanto

Soraia iria sofrer.

Augusto sentiu o alívio, mas ele sabia que quando a mãe dissera – boa parte da carga vai

recair em seus ombros- ela se referia ao pós tudo contado.

Acomodadas sobre um tapete redondo e felpudo, Sheila começou a contar a história escondida a partir do dia em que Augusto sonhara com Soraia. Conforme Sheila ia contando, Soraia sentia um punhal ir se enterrando pouco a pouco mais profundamente em seu coração. Então veio a punhalada final, aquela que chegou a sua alma.

– ... então, eu disse a Augusto que sua vida estava nas mãos dele. Ele teve de escolher

entre te salvar ou salvar seu filho .

Soraia não aguentou mais, não havia mais lágrimas, nem sentimentos, então rasgou sua dor num grito que cortou o tempo e o espaço.

O dia lá fora, antes lindo, carregou-se de nuvens negras com raios e trovões rasgando-as.

Uma chuva violenta e repentina desceu como agulhas sobre todos forçando-os a buscarem

abrigo.

Augusto não se movera, merecia o açoite, mas o peso das lágrimas o fizeram tombar de

joelhos na terra que enterrou-se em seus joelhos. Mas tudo ele aguentou, mas o pior ainda estava por vir.

Como irei suportar o olhar de Soraia.

Katrina agarrou-se ao marido e chorou, sentindo a dor da filha em seu coração, junto ás

lágrimas e chuva.

De repente Soraia saiu em disparada da tenda e sumiu na floresta deixando para trás vozes a lhe chamarem.

– Eu vou atrás de Soraia – informou Augusto levantando-se de supetão, mas sua mãe o

impediu no ato.

– Não, não vai – disse ao sair da tenda;

Augusto a encarou com olhos nublados por lágrimas – você é uma das últimas pessoas que

ela vai querer ver agora.

– Então, eu irei atrás dela – anunciou uma voz familiar que assim como Soraia estivera

ausente.

– Miranda! – exclamou Thiago indo antes de todos ao dela encontro e abraça-la.

– Eu já estava estranhando o fato de Soraia ter acordado e você não – declarou Sheila lhe

sorrindo como uma mãe.

– Soraia está com raiva, Miranda – adiantou

Thiago lhe segurando as mãos, mas olhando para a clareira por onde Soraia sumira.

– Não é raiva que Soraia sente – disse – o único sentimento dela é uma profunda tristeza – e

olhou direto para dentro dos olhos de Augusto – e dentre todos aqui – passeou os olhos pelos

demais – sou a única que já sentira o mesmo.

A chuva diminui de intensidade, mas não parara, afinal uma dor pode diminuir mais jamais sumira.

Amy estava no pátio do castelo que lhe parecia ter sido feito sob encomenda direto de um conto de fadas ao lado de Matteo e Marcus. Eles conversavam quando, do nada, Amy resfolegou ao sentir um aperto no peito que a fez sentar-se com a mão sob seu coração,

mas teve de se levantar tão ou mais rapidamente pois parecia que se peito ia se abrir.

– Amy, o que foi?

– Menina, o que está acontecendo?

Em outros tempos e sob outras condições Amy teria adorado ser acudida por dois homens, isso

inclui Matteo, que apesar de ser ‘velho’ continuava ‘bonitão’ e conservado. Este pegara

as mãos dela entre as suas e as apertou de leve e, Marcus pode sentir um toque mágico ali e

que funcionou bem, afinal Amy começava a se acalmar.

– Matteo, o que você fez?

Ele sorriu.

– Dei paz a um coração em guerra.

Amy respirou em paz.

– Obrigado.

– Agora, nos conte o que seu coração está sentindo – pediu. – Dor e tristeza. De Soraia.

– A Rainha Kaxal dos vampiros.

Ela assentiu.

– Sinto que preciso ir até ela, mas também sinto que agora não é o momento.

– Sábia é aquela que escuta o que sente e não o que lhe é dito.

– O que você sente é a prova de que Soraia está viva – afirmou Marcus segurando com carinho

o queixo de Amy a si.

– Mas a que preço? – olhou de volta a Matteo – eu estou preocupada e me aflige o fato dela

estar infeliz, e eu estar longe dela. Afinal sempre cuidamos uma da outra.

– Hei – Marcus a chamou – não sei se serve de consolo, mas eu estou aqui.

Não há dúvidas quanto a isso – pensou Matteo se retirando devagarinho enquanto o casal se

abraçava.

Algum tempo depois Amy andava de um lado a outro no quarto em frente a Marcus, sentado

na cama após conversarem com Katrina e Augusto.

– Amy, você vai acabar furando o chão – brincou Marcus, mas o nervosismo dela saiu da

linha de barreira, legal.

– E você com isso! Por acaso será você que vai concertar o chão?!

Marcus fechou sua expressão em mágoa, mas Amy ficara tão desgostosa quanto ele com suas

palavras.

– Desculpa – fora até seu encontro – sei que fui grosseira – deu um leve e rápido beijo nos

lábios – é que falei sem pensar.

– Tudo bem – dissera ele ao levantar-se e

envolvê-la em seus braços – eu vou continuar por perto. Sempre.

E olha que o sempre para um vampiro dura milênios. 

O dia ia passando. Ânimos á flor da pele por todos os lados, em todos os lugares, e pelos

mesmos motivos: vampiros e lobisomens.

Algumas horas atrás Malvina e Sergio já haviam discutido e terminado com cada um indo para

um lado mais bravos ainda. E agora cá estão de novo, frene a frente, com os olhos em chispa.

– Sejamos sinceros – Sergio assentiu com os braços cruzados – o que você, delegado, tem

contra minha sobrinha? – questionara Malvina ao apoiar as mãos espalmadas sobre sua

escrivaninha, inclinando-se a frente e fuzilando o delegado com os seus olhos.

– Quer queira, quer não – soltara os braços e inclinou-se a ela em mesma posição – sua sobrinha é uma vampira. E como se não bastasse, é a rainha deles.

– E dai?!

- E dai?

Sergio riu o que fez o sangue da investigadora borbulhar em suas veias.

– E se, por acaso, sua sobrinha m****r os ‘escravos’ dela – fez aspa no ar com os dedos –

matarem todos os humanos.

Agora fora a vez de Malvina gargalhar e, com vontade, diante da insanidade nas palavras de

Sergio.

– Sergio, eu lhe pedi para ser sincero não louco.

Sergio suspirou ao passar a mão por seu cabelo num gesto bem sexy aos olhos de Malvina.

– Tente me compreender, Investigadora – esta se escorou a mesa e cruzou os braços – só o

fato de Soraia ser a rainha dos vampiros já me deixa preocupado, mas ainda temos o tal do

Macho Alfa que é o companheiro dela. Como você acha que as pessoas se sentem com relação a isso?

– Você se esquece, Sergio, que eu também sou vampira. E tia de Soraia. Deus, que mulher teimosa – suspirou pensando para si, mas o pior – ela fica muito sexy assim.

– E só para constar, delegado, minha sobrinha não é a assassina que você insinua. Ok?

Mas quem disse que Malvina tinha acabado.

Nãna nina não, ela só estava ‘esquentando’.

– Eu espero que as pessoas entendam que existem outros piores, tanto vampiros quanto

lobos. E que existem muitos que lutam pelo bem assim como existem aqueles que lutam

pelo mal.

– O que você está insinuando afinal?! – exaltou-se Sergio gesticulando bem nervoso.

– Que Deus não te castigue fazendo sua filha se apaixonar por um lobo ou vampiro – e dito isso

Malvina saiu da sala não dando tempo de Sergio lhe responder de volta.

Talvez Sofia não se apaixonasse por um lobo ou por um vampiro, pois por enquanto se coração

estava batendo fortemente por um cara alto, musculoso e de belos olhos castanhos tão

claros quanto o mel mais puro e cabelos negros e um nome de anjo: Gabriel. E para deixar um

pai de cabelos em pé, - eis um piloto de stock car .

Sofia sorriu travessa pensando nisso a janela para a rua onde seu anjo acabava de partir.

Gabriel também pensava nela – sua delícia de olhos verdes claros – sorrindo ao fazer a curva

da avenida. Um grito agonizado ecoou no ar. Miranda o sentiu na alma, assim como um dia

também gritara.

Raios raivosos cortaram o céu – sinal de que um vampiro superior está com muita raiva ou

muita tristeza a percorrer suas veias.

Soraia estava prostrada no chão de folhas secas, chorando, enquanto as folhas das copas

das árvores acima de sua cabeça caiam a seu redor como os pingos de chuva.

Miranda sentiu o peso da tristeza em seus poros e como um cão o seguiu pelo ar até encontrar Soraia.

Caminhando lentamente com uma mão a esmagar seu coração, Miranda aproximou-se

de Soraia, ombros caídos, cabeça abaixada e pingos de seu rosto a perfurarem a terra e as

folhas onde seus joelhos repousavam. Abaixou-se a seu lado então, nada falaram apenas se

olharam e se abraçaram. Se confortaram.

Augusto andava de um lado para o outro impaciente ora suas mãos esfregavam o rosto

ora puxavam o cabelo. Seus olhos fixos no chão, lágrimas presas e o coração em pedaços

enquanto sua alma sangrava.

CULPA.

O acampamento estava em silêncio fúnebre com olhares de soslaio a seu Alfa sofredor. Mas

quando sua mãe o chamou todos os olhares se voltaram dela a ele.

Augusto fora tomado de uma raiva sem precedentes, rosnou e transformou-se no lobo

negro aterrorizante e correu uivando floresta á dentro, deixando sua mãe a lhe suplicar- não

faça isso, meu filho, fique aqui.

Katrina como mãe sabia bem o que Sheila estava sentindo e também sabia que nessas

horas gestos funcionam melhor do que palavras. Então fora até ela e a abraçou como uma mãe faz com o filho.

Depois de algum tempo e muitas lágrimas, Soraia e Miranda conversavam como duas pessoas que tivessem vivido a mesma experiência e os mesmos traumas poderiam se falar.

– ... e então me tornei o animal de estimação de Julio Cesar. Ele se aproveitou do fato de eu

não ter nada e nem ninguém a quem me ancorar – ambas se encaravam e se viam no passado uma da outra como si mesmas – e a partir daí, minha vida se resumiu num poço sem fundo de tristeza, raiva e sede em todos os sentidos.

– Eu... – Soraia hesitou em suas palavras enquanto gesticulava á procura dessas – eu me

sinto como uma sombra que se desprendeu do corpo - suspirou – não há nada aqui – apontou

para o seu peito.

VAZIO.

Miranda pôs suas mãos sobre as de Soraia que a encarou e ambas disseram:

– Mais solitárias do que o sol e a lua antes do eclipse.

Um uivo á distância, carregado de dor e remorso trazido pelo vento perpetuou ao seu redor e acabou por cortar anda mais a alma já faiada de Soraia que murmurou – Augusto – a olhar para os diversos caminhos da floresta.

– Não o culpe por te amar demais – dissera Miranda apertando a mão de Soraia que começou a gelar consideravelmente e a repeliu bruscamente ao rebater com ódio:

– Ele matou meu filho.

– Você também ia fazê-lo – lembrou- a Miranda.

– Sim – admitiu – mas eu ia junto com ele.

– Não – disse com uma voz austera – não ia e você sabe disso. Ou vai tentar enganar a si mesma?

Soraia franziu o cenho numa careta de ódio e revolta.

– Eu tinha matado todo e qualquer resquício de ser imunológico e biológico dentro de mim!

Miranda levantou-se abruptamente e com raiva. E com razão.

– Soraia não te passou pela cabeça que o seu filho poderia sobreviver mesmo com você já

morta?!

Agora fora Soraia a se levantar e ‘quase’ rosnar para Miranda ao dizer – O que você está

insinuando?!

A resposta de Miranda fez o sangue de Soraia entrar em ebulição e a fez fazer algo inédito até então.

– Que seu filho era um monstro tal qual o pai e...

Sem pensar ou hesitar Soraia desferiu um tapa carregado de sentimentos no rosto de Miranda

e fora tão forte que o sangue escorreu em filete por seu queixo.

O vento e a fúria reverberava ao redor delas. Cenhos franzidos. Olhos de vampiras estreitados e hostis. Cabelos dançando ao seu redor e chicoteando seus rostos.

– Pode me bater, me insultar, fazer o que quiser, mas nada poderá negar quê o que falei é a nua e crua verdade. Seu filho seria o anticristo esse mundo, bem como o avô fora de

1431 a 1476 e o pai de lá aos dias de hoje.

Lágrimas rolavam em abundância pela face de ambas. As de Miranda tristes e as de Soraia

apesar de revoltadas concordavam e machucavam ainda mais seu coração.

– Seu bebê estava destinado a seguir o legado de sangue da família Dracúlea quer queira

aceitar ou não.

Outro fato inesperado aconteceu a Soraia, quisesse ou não, transformou-se em um morcego e voou céu á fora. Para longe dali. Para longe de sua dor.

– Mais dia o menos dia, você vai ter de admitir Soraia que só eu posso te compreender como

ninguém mais!

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