O prazer pelo sangue

     Raquel caminhava por entre a neblina sentindo-se mais viva do que antes de morrer, mas também sentia sede. Uma sede por alguma coisa que nem sabia dizer o que, mas tinha a certeza que aplacaria a secura de suas veias e artérias.

     Sangue-sussurrava uma vozinha em sua mente- ...sangue.

     Raquel se perdera em meio a tantas perguntas, afinal tinha o seu próprio sangue a correr por suas veias, e para sanar essas duvidas recorrera a uma poça d’água, mas mesmo tendo conseguido encher a boca com água a sede persistia. Mas então viu-se parada em frente a casa de seus pais e aquela vozinha lhe dizia que era ali que sua sede teria fim.

    As luzes dos lampiões já estavam acessas por vários lugares, mas era o calor do corpo de seus pais que aquecia seu corpo por fora ...e por dentro.

     Raquel abriu os braços, inclinou a cabeça para trás e inspirou profundamente o cheiro da neblina até ter os olhos fechados de prazer ao inalar o cheiro almiscarado do sangue dos pais. Ela enfim havia cedido á sede do morcego e agora não havia mais volta, pois como que por vontade própria seus pés se dirigiam rumo á porta.

    Raquel podia ouvir nitidamente os passos da mãe pela cozinha com muitos cheiros, sua respiração calma e o bater compassado de se coração e até a velocidade de seu sangue por suas veias o que só aumentava a sede que esmagava seus pulmões. De repente um dor forte assolou as gengivas de Raquel que levou o dedo até estas mas não sentira nada ,porém, quando passou a língua pelos dentes os sentira crescendo pontudos e bem afiados como se tivesse duas adagas crescendo á ponto de ferirem sua língua e quando fechara os lábios sentira seus dentes furarem seu lábio inferior e ao provar de seu sangue a loucura invadiu sua mente, isto que ela não via suas íris castanhas escuras adquirirem o formato e cor de um rubi sangue e suas pálpebras se hiperdilatarem e ficarem negras.

–Sangue. Eu preciso de sangue-murmurou confusa ao passar seus dedos

por seus lábios ensanguentados e após cheirá-los sentindo aquele cheiro

inebriante, e só ai viu que suas unhas estavam bem longas, finas e ao toca-las com a outra mão as percebera extremamente duras e cortantes já que as testara em seu pulso, e sorriu quando este instantaneamente fechou o corte.

–No que me transformei?-perguntava-se sem resposta alguma ,mas cheia de sentimentos conflitantes disputando espaço em seu coração.

     Sem esperar a mãe de Raquel surgira á porta com um sorriso no rosto como se alguém lhe tive dito que a filha estava ali, mas ao vê-la, algo que nem a própria o fizera ,seu sorriso sumiu e suas feições passaram de felizes a aterrorizadas.

–Por Deus-murmurou a mãe ao começar a recuar trêmula para dentro de casa a chamar o marido, que logo surgira ás suas costas perguntando o motivo dos gritos, e ele arregalou os olhos quando deparou-se com aquele ser que só parecia a sua filha. Parecia, mas não era.

–Papai? Mamãe?

    Quanto mais Raquel adentrava pela sala mais seus pais recuavam atemorizados pelo corredor–o que foi? Não estão felizes em me ver?

   Com lagrimas nos olhos a mãe perguntara–você já se viu no espelho filha?

   Raquel franziu o cenho.

    O pai então pegara um espelho redondo com moldura de prata da parede e o posicionou em frente á filha e...

–Se olhe e veja no que se transformara- mas então viera outra surpresa e

fiou evidente nas lagrimas que rolaram pelo rosto de Raquel ao

gritar–nada. Eu não me vejo, pai!

Raios e trovões ecoaram lá fora e logo veio uma tempestade violenta como a raiva e a tristeza sufocada pelas lagrimas de Raquel.

–O que fizeram comigo! O que eu sou!

    As lagrimas de Raquel pingavam surdas ao chão enquanto esta caia de joelhos e cobria o rosto transformado.

    Trêmula mas querendo e ,muito, abraçar a filha a mulher reuniu um pouco de coragem e aproximou-se de sua ’criança’ como chamara ,ajoelhou-se á sua frente e trouxe-a para junto do calor de seus braços .E pensou como a filha precisava de seu calor pois parecia um cubo de gelo.

–Filha, esta tão gelada-falou ao começar a esfregar suas costas e braços navã tentativa de aquecê-la.

–Preciso de ajuda, mãe - chorou ao enterrar o rosto na curvatura do pescoço da mãe onde ouvia o correr acelerado do sangue nas veias dela.

    Um cheiro tão bom que a fez inspira-lo.

    O pai cheio de receio observava a cena afastado, mas quando fixou os olhos no rosto da filha viu ela cravar seus dentes um tanto quanto grandes demais no pescoço da mãe, que gritou ao empurra-la pelos ombros, mas esta não se movera um centímetro que fosse. Por instinto correra até elas e tentou tirar Raquel do pescoço de sua mulher que parecia prestes a

desmaiar, quando esta levantou-se com os lábios a escorrer sangue e aqueles olhos estranhos e deu-lhe um empurrão que o arremessou num baque surdo contra uma mesinha no corredor onde caiu desmaiado.

    Com um grito animalesco e chiado Raquel voltara ao pescoço da mãe que parecia estar mais morta do que viva, mas ainda assim tão doce e quente aos lábios daquele ser que tinha a aparência da filha mas a alma de um demônio.

     Raquel se sentia poderosa, feliz e com mais sede do que nunca tanto que secara as veias de sua mãe. Então seu olhar fora atraído para o pai ainda desacordado e a lamber o sangue da ponta de seus dedos ajoelhou-se ao lado do corpo do pai e o abocanhou. Este acordou gritando e implorando pela vida, mas quanto mais ouvia a súplica do pai com mais prazer sorvia seu sangue, e quando este terminara abandonou o corpo e limpou o sangue de seus lábios com o dorso de sua mão. De repente a culpa cobrou seu preço ao gritar o que uma filha teve coragem de fazer com os próprios pais.

–Oh, Deus, o que eu fiz?

    Atordoada correra porta á fora limpando o sangue dos pais em suas roupas no mesmo tempo que enxugava suas lagrimas espalhando sangue onde quer que estas fossem.

   A chuva não dera trégua e ,sem perceber, Raquel gritou no mesmo momento em que se transformou em um morcego e sumiu pelo céu noturno, sem rumo.

Sem sua vida.

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