~ Summer ~Os dias se arrastam, intermináveis, como se o tempo tivesse parado apenas para prolongar meu sofrimento. Meus pensamentos giram em círculos, presos na mesma obsessão: fugir. Mas como? Gael parece estar em todos os lugares ao mesmo tempo. A dor das surras e a confusão de seus toques me destroem pouco a pouco.Hoje, trancada no quarto, os soluços irrompem do meu peito. Olho para o teto, a voz embargada em uma prece desesperada:— Por favor, me envie alguém para me ajudar... ou me leve com você, mãezinha.A noite chega, e a casa mergulha em um silêncio inquietante, interrompido por vozes que não reconheço. Aproximo-me da porta, cautelosa, e escuto Lourdes falar, sua voz hesitante:— Eu ainda acho que ela não está pronta... Mas eu quero ajudá-la.Outra voz responde, grave e resoluta:— Não podemos mais esperar. Se demorarmos, ela pode morrer, mãe. Ele está cada vez mais agressivo.Minha respiração acelera, e abro a porta com cuidado, espiando o corredor. Lourdes me vê primeiro,
~ Gael Martinez (Hades) ~O vazio me engole ao atravessar a porta de casa. A escuridão dentro dela é mais pesada, mais sufocante. Meu corpo tenso reage instintivamente ao cheiro—o cheiro dela, o cheiro de Summer—que ainda flutua no ar. Mas ela não está aqui. Eu percebo antes mesmo de ver, antes de ouvir qualquer palavra. O silêncio é ensurdecedor.A dor é imediata, pura, cortante. Como uma lâmina que rasga a carne. Ela se foi. E com ela, a última coisa que me prendia a essa realidade. Algo em mim quebra. A raiva nasce, poderosa e monstruosa, queimando dentro de mim.— Procurem por ela! — Minha voz explode, fria, cortante, como uma tempestade prestes a se formar. Não tenho espaço para a dúvida. Não posso aceitar. Não vou aceitar. Eu não a deixarei escapar.Os seguranças, homens que se escondem atrás da minha confiança, agora parecem pequenas sombras diante da minha fúria. Eles se entreolham, e vejo o medo nas feições deles. Mas não há mais tempo pa
~ Lucca Gonzales ~A Hungria me recebe com um ar frio e seco, típico dessa época do ano. Mas, para mim, esse frio é um alívio bem-vindo comparado ao inferno que deixei para trás. A mansão está silenciosa, quase como um santuário profano no meio de tanta sujeira.Estamos seguros — por enquanto.Ao entrar na sala de estar, meus olhos encontram Summer. Ela está encolhida em uma das poltronas, os joelhos juntos, os braços ao redor do corpo como se isso pudesse protegê-la. Seu olhar percorre o ambiente com desconfiança, uma fera encurralada. E eu não a culpo. Não depois de tudo o que passou nas mãos daquele desgraçado.Eu paro por um momento, observando-a de longe, tentando medir minhas palavras. Ela já viu de perto o pior tipo de monstro. Preciso deixar claro que não sou como ele.— Você parece perdida. — Minha voz rompe o silêncio, e ela se sobressalta, os olhos arregalados vindo em minha direção.Ela relaxa, mas só um pouco. Não co
~ Summer ~A biblioteca é silenciosa, exceto pelo som suave dos meus dedos deslizando pelos livros. As estantes altas parecem me engolir, protegendo-me do frio que domina a mansão lá fora. As paredes forradas de madeira escura carregam o cheiro de papel antigo e nostalgia, mas nem isso consegue afastar os pensamentos que insistem em me atormentar.Lucca tem sido... gentil. Talvez gentil demais. Seus olhos escuros me seguem com uma intensidade quase palpável, e eu seria uma hipócrita se dissesse que não notei. Alto, com ombros largos e aquela postura autoritária de quem sempre teve o controle, ele parece perigoso. Mas não do tipo que me assusta. Não como ele.Suspiro, passando a ponta dos dedos pela lombada de um livro grosso, tentando focar em qualquer coisa que não sejam os olhos cruéis de Gael. Não adianta. As lembranças são como sombras, sempre à espreita, prontas para me envolver. Não importa o quão longe eu vá, ainda sinto o toque frio das mãos dele,
~ Lucca ~Há dois dias para o casamento, o som dos meus passos ecoa pelos corredores silenciosos da mansão, um ritmo constante que mantém meus pensamentos alinhados — ou ao menos tenta. As paredes escuras parecem comprimir o ar, tornando-o pesado. Meus dedos deslizam pelo anel na mão esquerda, um hábito involuntário que desenvolvi nas últimas horas. É como se meu corpo soubesse que tudo mudaria.— Lucca. — A voz suave da minha mãe corta meus pensamentos.Viro-me para encontrá-la ao pé da escada, os olhos claros cintilando com algo que não consigo decifrar. Ela está impecável como sempre, vestida em tons neutros que contrastam com os cabelos loiros presos num coque elegante. Sua postura transmite uma serenidade que eu invejo.— Achei que estivesse descansando, mãe. — Comento, os ombros tensos.Elza sorri de leve, mas seus olhos não acompanham. — Você sabe que não consigo dormir quando as coisas estão... agitadas. — Ela se aproxima, avalian
~ Gael Martinez (Hades) ~A lâmina arranha minha pele, mas não me importo. O espelho devolve meu olhar com frieza, refletindo o que restou de mim. A barba por fazer mancha meu rosto com um ar de desleixo que nunca tolerei antes. Agora, parece irrelevante. Meus olhos estão fundos, vermelhos nas bordas, mas isso também não importa. O que importa é encontrá-la.A navalha treme nos meus dedos, e o metal desliza com mais força do que deveria, deixando um risco fino de sangue na bochecha. Sinto a ardência, mas ignoro, limpando com a toalha ao lado. Até o sangue parece frio agora.— Senhor, temos um problema. — A voz de Ângelo, um dos meus capangas, interrompe meus pensamentos. Ele hesita na porta, os olhos evitando os meus. Ele nunca foi tão cuidadoso com palavras. Não antes.— Outro? — Respondo, a voz rouca de cansaço. — Qual é dessa vez?— Dois carregamentos foram interceptados. E o pessoal de Palermo... eles estão hesitando. Dizem que nossos homens parecem fracos, sem direção.Sem direçã
~ Summer ~ Já se passaram três meses desde que deixei o inferno que era a vida ao lado de Gael. Noventa dias tentando esquecer a sensação das correntes invisíveis ao redor dos meus pulsos, a sombra constante do medo que pesava em meus ombros. Esse tempo foi marcado por treinos intensos, mudanças e redescobertas. Um mês casada com Lucca. Às vezes, ainda me pego olhando para a aliança em meu dedo como se fosse uma miragem. Não pelo que ela simboliza, mas pelo contraste gritante com a liberdade recém-descoberta que agora corre em minhas veias.Olho para mim mesma no espelho e mal reconheço a mulher que fui um dia. Aquela Summer frágil, apavorada e subjugada ficou para trás. No lugar dela, há alguém de olhar firme e postura erguida. As roupas pretas abraçam meu corpo com praticidade, deixando para trás os vestidos delicados que Gael adorava. Aqui, em meio ao caos controlado da máfia, estou aprendendo o que significa ser forte.Lucca tem sido uma pre
~ Summer ~O sol da tarde se derrama preguiçoso sobre os campos, tingindo tudo com tons dourados. A brisa fresca carrega o perfume das flores silvestres, e por um breve instante, esqueço onde estou. Esqueço a bagunça que é minha vida, esqueço Gael, esqueço até o peso do anel em meu dedo esquerdo.- Você tem certeza que sabe montar? - Lucca pergunta, já em cima do cavalo, uma sobrancelha arqueada com diversão evidente e a postura relaxada demais para alguém que vive sob a mira de inimigos.- E você tem certeza que quer saber? - Respondo, apertando a sela com mais força do que o necessário.- Só quero garantir que você não vai cair. - Ele ri, a voz baixa e rouca como um segredo. - Seria um desperdício.Reviro os olhos, mas acabo sorrindo. É irritante o quanto a companhia dele se tornou natural. Quando puxo as rédeas e pressiono os calcanhares, a égua parte em disparada pelo campo. O vento bagunça meu cabelo, e por um momento, sinto a liberdade crua, sem peso, sem passado.- Ei! - Ouço L