~ Summer ~
A biblioteca é silenciosa, exceto pelo som suave dos meus dedos deslizando pelos livros. As estantes altas parecem me engolir, protegendo-me do frio que domina a mansão lá fora. As paredes forradas de madeira escura carregam o cheiro de papel antigo e nostalgia, mas nem isso consegue afastar os pensamentos que insistem em me atormentar.Lucca tem sido... gentil. Talvez gentil demais. Seus olhos escuros me seguem com uma intensidade quase palpável, e eu seria uma hipócrita se dissesse que não notei. Alto, com ombros largos e aquela postura autoritária de quem sempre teve o controle, ele parece perigoso. Mas não do tipo que me assusta. Não como ele.Suspiro, passando a ponta dos dedos pela lombada de um livro grosso, tentando focar em qualquer coisa que não sejam os olhos cruéis de Gael. Não adianta. As lembranças são como sombras, sempre à espreita, prontas para me envolver. Não importa o quão longe eu vá, ainda sinto o toque frio das mãos dele,~ Lucca ~Há dois dias para o casamento, o som dos meus passos ecoa pelos corredores silenciosos da mansão, um ritmo constante que mantém meus pensamentos alinhados — ou ao menos tenta. As paredes escuras parecem comprimir o ar, tornando-o pesado. Meus dedos deslizam pelo anel na mão esquerda, um hábito involuntário que desenvolvi nas últimas horas. É como se meu corpo soubesse que tudo mudaria.— Lucca. — A voz suave da minha mãe corta meus pensamentos.Viro-me para encontrá-la ao pé da escada, os olhos claros cintilando com algo que não consigo decifrar. Ela está impecável como sempre, vestida em tons neutros que contrastam com os cabelos loiros presos num coque elegante. Sua postura transmite uma serenidade que eu invejo.— Achei que estivesse descansando, mãe. — Comento, os ombros tensos.Elza sorri de leve, mas seus olhos não acompanham. — Você sabe que não consigo dormir quando as coisas estão... agitadas. — Ela se aproxima, avalian
~ Gael Martinez (Hades) ~A lâmina arranha minha pele, mas não me importo. O espelho devolve meu olhar com frieza, refletindo o que restou de mim. A barba por fazer mancha meu rosto com um ar de desleixo que nunca tolerei antes. Agora, parece irrelevante. Meus olhos estão fundos, vermelhos nas bordas, mas isso também não importa. O que importa é encontrá-la.A navalha treme nos meus dedos, e o metal desliza com mais força do que deveria, deixando um risco fino de sangue na bochecha. Sinto a ardência, mas ignoro, limpando com a toalha ao lado. Até o sangue parece frio agora.— Senhor, temos um problema. — A voz de Ângelo, um dos meus capangas, interrompe meus pensamentos. Ele hesita na porta, os olhos evitando os meus. Ele nunca foi tão cuidadoso com palavras. Não antes.— Outro? — Respondo, a voz rouca de cansaço. — Qual é dessa vez?— Dois carregamentos foram interceptados. E o pessoal de Palermo... eles estão hesitando. Dizem que nossos homens parecem fracos, sem direção.Sem direçã
~ Summer ~ Já se passaram três meses desde que deixei o inferno que era a vida ao lado de Gael. Noventa dias tentando esquecer a sensação das correntes invisíveis ao redor dos meus pulsos, a sombra constante do medo que pesava em meus ombros. Esse tempo foi marcado por treinos intensos, mudanças e redescobertas. Um mês casada com Lucca. Às vezes, ainda me pego olhando para a aliança em meu dedo como se fosse uma miragem. Não pelo que ela simboliza, mas pelo contraste gritante com a liberdade recém-descoberta que agora corre em minhas veias.Olho para mim mesma no espelho e mal reconheço a mulher que fui um dia. Aquela Summer frágil, apavorada e subjugada ficou para trás. No lugar dela, há alguém de olhar firme e postura erguida. As roupas pretas abraçam meu corpo com praticidade, deixando para trás os vestidos delicados que Gael adorava. Aqui, em meio ao caos controlado da máfia, estou aprendendo o que significa ser forte.Lucca tem sido uma pre
~ Summer ~O sol da tarde se derrama preguiçoso sobre os campos, tingindo tudo com tons dourados. A brisa fresca carrega o perfume das flores silvestres, e por um breve instante, esqueço onde estou. Esqueço a bagunça que é minha vida, esqueço Gael, esqueço até o peso do anel em meu dedo esquerdo.- Você tem certeza que sabe montar? - Lucca pergunta, já em cima do cavalo, uma sobrancelha arqueada com diversão evidente e a postura relaxada demais para alguém que vive sob a mira de inimigos.- E você tem certeza que quer saber? - Respondo, apertando a sela com mais força do que o necessário.- Só quero garantir que você não vai cair. - Ele ri, a voz baixa e rouca como um segredo. - Seria um desperdício.Reviro os olhos, mas acabo sorrindo. É irritante o quanto a companhia dele se tornou natural. Quando puxo as rédeas e pressiono os calcanhares, a égua parte em disparada pelo campo. O vento bagunça meu cabelo, e por um momento, sinto a liberdade crua, sem peso, sem passado.- Ei! - Ouço L
~ Summer ~Os últimos meses mudaram tudo. Não apenas a mulher que vejo no espelho, mas também tudo o que sinto. Lucca sempre esteve ali, me apoiando, me desafiando, me mostrando que, mesmo no caos, é possível encontrar segurança. Ele não é como Gael — o jeito de Lucca é leve, mesmo estando imerso em um mundo sombrio. Ele respeita meus limites, mas também me provoca, como se soubesse que há uma chama dentro de mim, esperando só uma faísca para se acender.Mas hoje... algo é diferente. Estou sentada na varanda, observando o céu tingido de laranja pelo pôr do sol, tentando encontrar um pouco de paz. O ar fresco da Hungria acaricia minha pele, mas não traz a calma que tanto preciso. Minha mente, ao contrário, está em um turbilhão.Eu não consigo parar de pensar nele. Nos momentos que compartilhamos, nas risadas que soaram tão naturais entre nós, no jeito como ele me olha — como se enxergasse algo em mim que eu mesma ainda não consigo ver. O mais estranho, e ao mesmo tempo mais aterrador, é
~ Lucca ~Estou no escritório, absorto em um relatório quando ouço os passos leves de Summer no corredor. Ela tenta ser discreta, mas já aprendi a decifrar o som das suas idas e vindas. É curioso como ela parece uma tempestade silenciosa: uma força contida que, quando liberada, pode mudar tudo ao seu redor.Fecho o arquivo e me recosto na cadeira, pensando no quanto ela mudou nesse tempo. A mulher insegura, marcada pelo medo, foi substituída por alguém que está aprendendo a se reconstruir. Mas, mesmo assim, ainda há algo vulnerável em seus olhos quando ela me encara, como se estivesse carregando uma decisão difícil demais para ser verbalizada.Há um
~ Lucca ~A luz da manhã invade o quarto através das cortinas entreabertas, espalhando raios dourados sobre os lençóis bagunçados. Summer dorme ao meu lado, o rosto sereno em contraste absoluto com o caos dentro de mim. Seus cabelos estão espalhados pelo travesseiro, e por um instante, penso em deslizar os dedos por eles, afastar as mechas que cobrem seu rosto. Já faz algumas semanas desde a primeira vez que nos entregamos um ao outro, naquela madrugada tensa no escritório, onde os papéis espalhados e as juras contidas misturaram-se ao desejo reprimido. Desde então, repetimos o erro mais vezes do que posso contar. Mas hoje ela está aqui, em minha cama — e isso muda tudo. Mas não posso. Não devo.Levanto-m
~ Hades ~Sentado em minha poltrona de couro no escritório do bordel, rodeado pelo cheiro amargo de álcool e cigarro, observo os copos vazios na mesa à minha frente. Uma garrafa de uísque quase seca está ao meu lado, mas isso não ajuda a silenciar a raiva que pulsa dentro de mim.— Vocês são um bando de inúteis! — rosno, lançando o copo contra a parede. O som do vidro se estilhaçando ecoa pela sala, mas meus capangas permanecem imóveis, de cabeça baixa, sabendo que qualquer palavra errada pode ser sua última. — Quatro meses! Quatro malditos meses e nada! Nem um rastro, nem uma pista.Meu olhar atravessa os homens como lâminas, e posso