— Mas o Fernando também é humano, ele também se cansa. Muitas vezes eu o vi levantar no meio da noite para fumar um cigarro escondido. Sempre que isso acontecia, eu ficava com o coração apertado, me sentindo culpada por estar sendo um peso para ele. — Lídia balançou levemente a cabeça.— Eu quis me separar dele, e não foi por mim, não foi porque eu o rejeitava. Foi porque eu o amava. Não queria vê-lo se desgastando assim por minha causa. — A confissão de Lídia parecia mudar completamente a percepção que eu tinha dela.— Agora ele não está mais cansado. Nunca mais vai se cansar. — Murmurei, quase como um sussurro.Lídia percebeu o tom de ironia no que eu disse. Sua voz foi ganhando força, quase um grito:— Carolina, você nunca viveu um dia da minha vida! Você não entende o que é isso!Ela me encarou com firmeza, mas, depois de alguns segundos, a raiva em seus olhos começou a se dissipar. Sua voz saiu baixa, um pouco trêmula:— Carolina, sobre a morte do Fernando… Eu juro, eu nunca quis
Querer apenas a pessoa dele? Ela realmente tinha coragem de desejar isso.Olhei para o rosto dela, aquele semblante que parecia atrair pena de qualquer um. Minha voz saiu mais fria: — Lídia, você está enganada. Não é o Sebastião em si que você quer. Você quer o que ele representa, o status, a fortuna que vem junto com ele.Lídia apertou os lábios, hesitante. — Eu não nego... Mas... — Ela pausou, como se as palavras fossem flechas preparadas para atingir o alvo mais profundo. — Mas, com o tempo, Sebastião me tratou tão bem quanto Fernando. Talvez até mais. E eu acabei me apaixonando de verdade por ele. Quero estar com ele para o resto da vida.Ela não parecia estar só declarando sua decisão de lutar por Sebastião, mas também me lembrando, quase com orgulho, do cuidado que ele já teve por ela. Como se eu ainda fosse uma rival no coração dele.E mesmo agora, enquanto implorava minha ajuda, fazia questão de cravar uma faca no meu peito. Essa mulher achava que eu era mesmo tão fácil de ma
Sebastião não respondeu. Lídia já estava com o rosto banhado em lágrimas, a voz embargada. — Tião, eu não consigo viver sem você! Sem você, eu nem sei mais o que fazer da minha vida...Mas Sebastião continuava em silêncio. Lídia pensou que ele havia desligado.— Tião? Tião, você ainda tá aí? — Perguntou ela, olhando para a tela do meu celular, que ainda mostrava a ligação ativa. — Tião...— Lídia, quem te mandou ir na minha casa? Quantas vezes eu te avisei? Você já esqueceu? — Respondeu Sebastião, finalmente.A mão de Lídia, que segurava o celular, começou a tremer.— Tião, eu não tinha outra escolha... Eu só queria proteger essa criança. Você mesmo disse que ela não podia se machucar... — Lídia justificou-se, com a voz cheia de desespero.Eu não pude evitar um sorriso irônico. Mal fazia dois dias, Lídia queria se livrar da criança na frente dos pais de Fernando. Agora, fazia discurso de proteção.— Lídia, essa é a última vez. — Respondeu Sebastião, em um tom frio como gelo.— Tião...
Aborto? Essa Lídia não cansava de bancar a dramática... Mas, quer saber? Que fizesse o que quisesse. Minha vida já estava um caos completo, eu não tinha energia para me preocupar com os problemas dos outros.— Deixa ela! — Falei para Luana, com indiferença.— Ué? Você não vai bancar a santa dessa vez? — Ironizou Luana, deixando claro o quanto eu me metia nos assuntos alheios antes.Soltei um riso sarcástico.— A santa se cansou. Virou vilã.— Hahaha! — Riu Luana, divertida. — Assim que eu gosto.Ela desligou o telefone, e eu segui para o escritório de demolição para entregar os últimos documentos e assinar as papeladas. O funcionário que me atendeu me entregou uma notificação: eu tinha três dias para esvaziar o apartamento e sair.Eu já sabia que aquilo ia acontecer. Tinha recebido o aviso semanas antes e até começado a empacotar algumas coisas. Mas agora, com o prazo final em mãos, a realidade me atingiu em cheio: minha casa, o lugar onde cresci, seria demolida. E eu não podia fazer
Então tudo não passava de uma ilusão. Até mesmo a voz do meu pai, que eu tinha certeza de ter ouvido, era apenas fruto da minha imaginação.Eles já tinham me deixado. Fazia dez anos. Como eu poderia ter ouvido suas vozes?Fiquei ali, parada, perdida nos meus pensamentos, enquanto a última luz do dia sumia pela janela. O apartamento foi tomado pela escuridão, e a dor de saber que nunca mais veria meus pais tomou conta de mim. Finalmente, as lágrimas vieram, e eu chorei como não fazia há muito tempo.Naquela noite, dormi mal. Meus sonhos foram tomados por imagens dos meus pais, como se eles ainda estivessem aqui. Quando acordei, meu corpo todo parecia pesado, como se eu tivesse feito um trabalho físico exaustivo durante a noite.Tentei levantar, mas não consegui. Foi então que percebi: eu estava doente. Levei a mão à testa e senti o calor. Estava febril.— Carina, você já acordou? — Ouvi a voz de George do lado de fora da porta.Abri a boca para responder, mas minha voz saiu rouca, quase
— Quero duas porções de macarrão. Uma sem molho de tomate, com molho de pimenta-do-reino, um suco de manga, uma água sem gás e, para a sobremesa, um mousse de mirtilo com pouca cobertura de creme. — Pediu Gilberto com elegância.Era óbvio que ele estava pedindo para duas pessoas. Uma das porções era exatamente do jeito que Luana gostava, especialmente o detalhe do molho de pimenta-do-reino. Só alguém que conhecesse bem ou prestasse muita atenção saberia disso, porque, em público, Luana nunca fazia questão de mostrar suas preferências. Ela simplesmente não tocava em pratos com molho de tomate, mas nunca dizia nada.Gilberto e Luana tinham passado anos distantes, e só recentemente assumiram o relacionamento. Ainda assim, ele já sabia todos os gostos dela, como se tivesse estudado cada detalhe. Isso deixava claro o quanto ele estava investindo na relação.Eu tinha tirado sarro deles antes, dizendo que era um "romance de baixo QI". Agora, vendo o esforço dele, precisei admitir que estava e
Assim que abri o Line, vi um pedido de amizade. Eu nunca adiciono estranhos, a menos que seja alguém que me procurou pelo número de telefone.Por impulso, abri o pedido. Era de alguém com o nome de usuário “Justiça no Coração” e a mensagem de apresentação dizia: “Sou o policial Pablo.” Um título tão imponente não parecia algo que uma pessoa comum usaria. Esforcei-me para lembrar de onde poderia conhecer aquele homem e, finalmente, me veio à mente o policial que, no dia anterior, tinha providenciado o atestado de óbito para mim. Embora eu não tivesse perguntado o sobrenome dele, ele era o único policial com quem eu havia interagido recentemente. Além disso, ele tinha insistido para que eu deixasse meu número de telefone. Aceitei o pedido. O aplicativo mostrou que agora éramos amigos e podíamos trocar mensagens, mas eu não enviei nada. Era ele quem tinha me adicionado; se precisasse de algo, entraria em contato primeiro. Enviei uma mensagem para a Luana: [Quando estiver namor
George foi rápido e segurou o copo de suco antes que ele caísse. Antes que eu pudesse me virar, uma voz mais do que familiar soou ao meu lado: — Carol, você tá ficando boa nisso, hein? Depois me ensina umas técnicas. Luana, finalmente, tinha visto a mensagem que eu mandei. Dei um tapa leve nela: — Não sabe que assustar as pessoas pode matá-las de susto? — Matar você eu não pago, né, George? — Retrucou Luana, rindo e envolvendo George na brincadeira. Essa mulher, na frente do Gilberto, era uma ovelhinha dócil, mas com os outros se tornava uma verdadeira força da natureza, sempre segura e cheia de atitude. Como ela conseguiria se segurar na frente do Gilberto? — E o seu namorado? — Perguntei, olhando para o lugar onde Gilberto estava antes. Ele já não estava mais lá. — Foi embora. — Respondeu Luana, sentando-se ao meu lado. Depois, virou-se para George e soltou. — George, você come duas porções sozinho, enquanto a Carol não come nada? Assim você não cuida bem da sua namor