— Ainda não. Ela marcou a cirurgia de aborto, vou verificar o horário. — Luana fez uma pausa e, depois de alguns segundos, me informou. — Onze horas.Olhei para o relógio. Eram dez horas.— Ela não disse o motivo? — Perguntei novamente.— Não, só disse que não queria mais o bebê. Assinou os papéis sozinha. O feto já tem mais de três meses, então será necessário fazer uma curetagem. — Luana me explicou detalhadamente.Mesmo nunca tendo sido mãe, aquelas palavras fizeram meu coração apertar.— Segura a situação por enquanto. Vou avisar o Sebastião. — Falei com firmeza.— Você tem certeza de que vai se meter nisso? — Luana perguntou, cautelosa.Hesitei por um momento.— Ontem mesmo eu encontrei com ela, e agora ela vai fazer o aborto. Se eu não avisar o Sebastião, ele vai ficar sem saber o que pensar. Além disso... — Suspirei. Aquele era o único laço de sangue que Fernando deixara no mundo.Desliguei a ligação com Luana e imediatamente liguei para Sebastião. Ele não atendeu. Considerando
Depois disso, não ouvi mais nada do que Sebastião disse. Aquela revelação já era mais do que suficiente para me deixar em choque.Todas as minhas dúvidas de antes agora faziam sentido, mas a verdade era mais amarga do que eu podia imaginar.Eu conhecia Fernando. Ele era um homem magro, mas cheio de vida, com uma energia leve e agradável. Nunca imaginei que sua morte tivesse sido causada por não suportar ver sua esposa envolvida com seu melhor amigo.Agora tudo se explicava: a razão pela qual Sebastião ficou tão devastado após a morte de Fernando. Ele era o verdadeiro culpado.E também não era de se estranhar que os pais de Fernando tratassem Lídia com tanto desprezo, nem sequer reconhecendo o bebê que ela carregava. Talvez eles nunca tivessem acreditado que a criança fosse realmente de Fernando.O fato de Sebastião ter me traído nunca me causou tanto ódio quanto agora, ao perceber o quanto ele era culpado. Ele não só destruiu uma vida, mas a de seu melhor amigo.Luana percebeu que eu n
O sorriso no rosto de Pedro congelou com a minha pergunta. Ele hesitou por um momento antes de me perguntar, com um tom cauteloso:— Por que você quer saber disso?— Quero visitá-lo. — Falei com firmeza.Pedro me olhou de um jeito estranho, como se estivesse tentando entender o que se passava na minha cabeça.Não ofereci mais explicações. Não mencionei que a morte de Fernando tinha relação com Sebastião. Eu tinha certeza de que Pedro desconhecia esse fato, caso contrário, ele já teria rompido a amizade com Sebastião.— Aconteceu alguma coisa? — Pedro perguntou, preocupado, mas sem me dar a resposta que eu queria.— Só me leva até lá. — Respondi, sem entrar em mais detalhes.Ele percebeu minha insistência e, talvez por se preocupar, decidiu me acompanhar. Assim, seguimos para o cemitério onde Fernando estava enterrado.Quando chegamos, demos de cara com os pais de Fernando, Marcos e Ivana. À distância, podíamos ouvir o choro de Ivana, misturado com palavras de raiva.Embora eu não conse
Era o George.Ele estava abrindo a porta, segurando uma sacola de compras na outra mão, cheia de verduras. O barulho que fiz ao abrir a porta pareceu pegá-lo de surpresa. Ele se virou e me olhou, com os olhos ligeiramente estreitados.Eu o observei como se estivesse fora de mim, sem dizer uma palavra, apenas encarando-o. Só voltei a mim quando ele perguntou:— Aconteceu alguma coisa?Balancei a cabeça, negando.— Você está doente? — George perguntou, enquanto colocava a sacola no chão e se aproximava de mim.Ainda meio grogue, minha boca parecia não funcionar. Apenas balancei a cabeça novamente.De repente, senti sua mão fria tocar minha testa, e sua voz soou mais grave:— Você está com febre?Eu ainda estava tão perdida no meu estado de sonolência que nem percebi que ele estava falando de mim.George parecia entender meu estado. Num instante, ele entrou no apartamento e, com um movimento rápido, me pegou no colo.Meu corpo já estava leve, mas no instante em que ele me ergueu, me senti
Desde que meus pais se foram, eu nunca mais reclamei do gosto amargo dos remédios, porque não tinha mais ninguém para me dar um doce depois.— É bem doce. — George insistiu, encostando o doce nos meus lábios, como se estivesse me tentando.Acabei cedendo e abri a boca, mas assim que o doce tocou minha língua, as lágrimas brotaram nos meus olhos e, de repente, começaram a correr pelo meu rosto.— Por que está chorando agora? — Ele perguntou, suavemente, enquanto sua mão tocava meu rosto, limpando minhas lágrimas.Quanto mais ele falava, mais difícil era segurar o choro. Aquelas palavras tocavam fundo, e eu não conseguia parar as lágrimas que escorriam sem controle.George tentava acompanhar o fluxo incessante, mas logo desistiu. Tirou o copo das minhas mãos e apertou meus dedos levemente.— Se o remédio for tão ruim, não vamos tomá-lo, então. — Disse ele, antes de se levantar.Fiquei ali, com o rosto enterrado nas mãos, e chorei até me sentir aliviada. Foi quando o termômetro debaixo do
Ao me dar conta do que havia acabado de dizer, meu coração apertou. Abri a boca para me desculpar, mas George, que estava ajoelhado ao lado do sofá, levantou-se antes que eu pudesse falar.— A comida está pronta. Venha comer um pouco. — Disse ele, enquanto puxava sua mão da minha.Foi aí que percebi o quanto eu o estava segurando. No sonho, pensei que estava segurando as mãos dos meus pais, mas, na verdade, era George. E eu ainda o xinguei.Soltei sua mão rapidamente, e, ao fazer isso, notei as marcas profundas que minhas unhas haviam deixado no dorso de sua mão.George se virou e saiu da sala. Eu me levantei devagar e percebi que estava suada, provavelmente a febre havia baixado.— Aqui, coloque isso sobre os ombros. Não quero que você fique doente de novo. — George apareceu com uma manta e me entregou.Estendi a mão para pegar, mas meus braços ainda estavam fracos por causa da febre, e acabei deixando a manta cair. George, sem dizer nada, a colocou sobre meus ombros e depois me troux
Depois de terminar de falar, lembrei daquilo que queria perguntar para ele desde ontem:— Ontem, aqueles caras não voltaram a te incomodar, né?Ao dizer isso, olhei automaticamente para as mãos e o rosto dele, aliviada ao ver que não havia machucados.— Não. — George pareceu perceber minha preocupação. — Mesmo que tivessem voltado, eles não são páreo pra mim.Tomei o último gole do caldo verde e perguntei:— E o acidente de carro do seu pai, você descobriu alguma coisa? Encontrou alguém envolvido a ponto de quererem te ameaçar assim?George me encarou e respondeu:— Eles têm medo de que eu descubra a verdade sobre a morte do chefe do meu pai.Ele falava em partes, me obrigando a continuar perguntando:— O chefe do seu pai era algum figurão? A morte dele impactou os interesses de alguém?— Ele morreu há mais de dez anos, então hoje já não existe nenhum interesse direto. Eles têm medo de que o filho do chefe ainda guarde rancor. — A resposta de George fez um aperto surgir em minha gargan
Isso era doença grave de quem falava antes de pensar. Assim que as palavras saíram, percebi o quanto foram inadequadas e fiquei pensando em como contornar a situação. Para minha surpresa, George respondeu simplesmente:— Claro.Ele concordou? Não fez nenhuma cerimônia? Nem uma tentativa de recusar para manter a pose de machão?Mesmo que ele não rejeitasse a ideia de se “entregar” como garantia, pelo menos recusaria o empréstimo, certo? Mas dessa vez, George não fez isso.Pelo visto, ele precisava mesmo do dinheiro. E queria realmente ajudar a irmã. Esse pensamento me fez sentir uma pontada de compaixão por ele, um homem tão forte e orgulhoso.Essa sensação me pegou desprevenida, e logo tentei disfarçar com uma tosse leve.— Sua irmã já foi a um médico? Se tiver os exames, me mande uma cópia. Talvez eu possa encontrar alguém para ajudar a analisar o caso.— Pode deixar. — Ele concordou, sem hesitar.Sem mais o que dizer, me levantei.— Obrigada por hoje. Eu vou indo.Ele me encarou.—