— Pode deixar, amanhã eu te levo para conhecer o professor Bernardo. — O homem respondeu, sem pensar muito.O que chamou sua atenção foi o fato de Esther ter mencionado ser do País B, assim como Bernardo, que também falava português. A aparência dela, tão semelhante à de Bernardo. Além disso, se Esther soubesse cozinhar algo que agradasse o paladar do professor, seria uma forma de demonstrar gratidão por ele ajudar a comunidade.— Tudo bem, obrigada. — Esther agradeceu com um leve aceno.Apesar de não estar acostumada com a comida local, Esther se forçou a comer metade de uma tigela do purê de batatas que lhe serviram. Estava em um ambiente estranho, e sabia que precisava manter a força física para o que estivesse por vir.Após o jantar, ela retornou ao pequeno quarto onde estava hospedada. Não havia camas disponíveis, mas o homem improvisou, trazendo duas placas de papelão para que eles deitassem.Deitada no chão frio, Esther não conseguia evitar que seus pensamentos voassem para Rita
Um grupo de crianças, ao avistar Bernardo, imediatamente o reconheceu e começou a acenar com empolgação:— Professor Bernardo!Esther, ao ouvir os gritos, se virou para olhar.Bernardo estava usando uma camisa preta naquele dia, com os dois primeiros botões desabotoados e as mangas dobradas até os antebraços. Ele estava parado sob a luz do sol, uma mão no bolso e a outra segurando alguns livros. Sob os óculos de armação dourada, seus olhos escuros transmitiam uma aura difícil de decifrar. Mas no canto de seus lábios, um sorriso tranquilo despontava.No instante seguinte, as crianças ao redor de Esther correram na direção dele como um enxame.— Professor Bernardo, ela falou que aquela palavra não se pronuncia “zhao”!— Professor Bernardo, essa palavra você já nos ensinou antes, não foi? Não é o passo a paaso?— Professor Bernardo, a gente só quer você como professor!— Professor Bernardo, quem é ela? A gente nem conhece ela!...As vozes das crianças eram como um turbilhão, todas faland
No momento seguinte, Bernardo avistou uma pedra grande e se acomodou nela, se sentando ao lado de Esther com naturalidade. Sem pressa, ele estendeu a mão e ofereceu um pedaço de bolo de queijo para ela.— O garoto já me pediu desculpas. — Disse Esther, recusando o bolo.— Ele só pediu desculpas porque eu mandei. Se você não tivesse se esquivado rápido, aquela pedra teria acertado você. — Bernardo manteve o bolo na mesma posição, insistindo. Em seguida, lançou um olhar curioso. — Ainda não sei seu nome.Esther hesitou. Ela sabia que estava sob vigilância e que revelar seu nome poderia ser arriscado. No entanto, se sua identidade pudesse ser usada como uma peça no jogo, talvez valesse o risco. Respirando fundo, ela respondeu hesitante:— Esther.— Como se escreve? — Perguntou Bernardo, com um sorriso suave.Sem desviar o olhar, Esther soletrou seu nome calmamente.Bernardo, com uma expressão de satisfação, colocou o bolo de queijo nas mãos dela sem dar chance para recusa.— E então, Esth
A cena de Nico derrubando o bolo de queijo das mãos de Esther foi discretamente observada por Bernardo à distância. Ele viu tudo, mas sua expressão permaneceu serena, como se aquele episódio não tivesse importância. Calmamente, ele segurava o carregador nas mãos, mas não se apressou em se aproximar.Naquele instante, o celular em seu bolso vibrou. Ao ver o nome no visor, o olhar de Bernardo endureceu ligeiramente. Atendeu com um tom frio:— Alô.Do outro lado da linha, uma voz feminina soou com doçura:— Bernardo, quando você volta?— Por enquanto, não vou voltar. — Respondeu Bernardo, em um tom tão indiferente que parecia vir de outra pessoa, contrastando completamente com a figura amável que havia conversado com as crianças e Esther.Houve um silêncio curto antes que a mulher, com um leve traço de esperança na voz, dissesse:— Então, quando decidir voltar, me avisa, ou manda alguém me avisar...— Certo. Tenho coisas para fazer. Tchau.Sem paciência, Bernardo encerrou a chamada abrupt
Esther curvou os lábios em um sorriso frio.— Está tentando me assustar?Jogar ratos... Que método mais baixo e infantil.A garota, com os braços cruzados, avançou em direção a Esther, o olhar gélido e carregado de fúria.— Não estou te assustando, estou te avisando! Fique longe do professor Bernardo! Não ouse tentar dar em cima dele!A garota falava em português, mas seu sotaque denunciava que sua fluência era apenas um pouco superior à das crianças da aldeia.Esther riu, balançando levemente a cabeça.— Você está avisando a pessoa errada. Não tenho nenhum interesse nele.— Acha que engana quem? — A garota claramente não acreditava, o rosto tingido de desprezo. — Você não é daqui, não pertence ao nosso povo. Apareceu na aldeia com segundas intenções!Sua voz se elevava, transbordando indignação.— E ainda se aproximou do professor Bernardo assim que chegou. Se isso não é tentar dar em cima dele, então o que é?Por dentro, Esther achava tudo aquilo hilário.Mas, aparentemente, o leve s
Luciana ficou sem palavras.Os aldeões, que antes estavam cheios de acusações, começaram a perceber quem realmente estava errado. Um após o outro, se dirigiram a Esther, pedindo desculpas.— Desculpe, a gente não entendeu a situação direito e quase acabou cometendo uma injustiça com você.— Não leve isso pro coração, viu? Pode ficar tranquila, ninguém vai te incomodar mais. Pode continuar aqui o tempo que precisar.— Luciana, quando a gente erra, tem que ter coragem de admitir. Vai lá e peça desculpas pra moça....As vozes se cruzavam, cada um tentando se redimir. Embora falassem no idioma local, Esther, que já estava se acostumando, conseguiu entender boa parte do que diziam.Luciana, por outro lado, estava fervendo por dentro.Gostava tanto do professor Bernardo que nem coragem tinha para confessar seus sentimentos. Agora, com tudo exposto, se sentia humilhada e sem saber como encará-lo depois disso. Além disso, o peso das críticas e repreensões públicas a deixavam ainda mais arrasa
Esther assentiu com a cabeça.— Certo.De volta ao quarto, segurou o celular nas mãos, enquanto diversas lembranças e rostos surgiam em sua mente. O turbilhão de pensamentos a deixava inquieta, os minutos se arrastavam sem que conseguisse relaxar. Tentou dormir, mas a insônia parecia persistente. Sem perceber, acabou adormecendo em meio à confusão de ideias.Quando abriu os olhos novamente, já era manhã.Esther se lembrou do que havia prometido a Bernardo: hoje seria seu primeiro dia como professora substituta para as crianças.A manhã começou simples, mas acolhedora. A mãe do homem havia preparado uma panela de mingau de milho. Esther tomou apenas meia tigela, agradeceu e saiu acompanhada do homem rumo à escola improvisada.No caminho, refletiu sobre a aula que daria. Ela se lembrava de que, na última vez que ouviu as crianças lendo, cometeram muitos erros. Decidiu começar pelo básico: ensinar as vogais e consoantes de forma clara e simples.Ao chegar na sala de aula, Esther observou
Esther destrancou a porta do pequeno quarto usado por Bernardo na escola. O cômodo, embora modesto, estava impecavelmente arrumado, cada objeto no seu lugar. Ela sentiu um leve alívio por encontrar um ambiente organizado em meio à confusão que havia acabado de enfrentar.Seus olhos percorreram a janela, onde avistou um frasco de remédio vermelho, usado para aliviar hematomas. Com cuidado, pegou o frasco e se ajoelhou ao lado da menina machucada.— Vou passar o remédio aqui na escola, mas, depois da aula, você vai levar isso pra casa. Precisa pedir a um adulto que olhe essa marca, tá bom? E, da próxima vez que algo assim acontecer, fale com um professor ou com seus pais. Não pode só chorar ou ficar com medo do Kauan, entendeu? — Disse Esther, com um tom firme, mas acolhedor.A menina olhou para ela e murmurou:— Mas eu tenho medo que o Kauan me bata.Esther suspirou, sentindo um aperto no coração ao ver o rosto assustado da criança. Passou a mão suavemente pelos cabelos dela e respondeu