Esther podia sentir o chão tremendo sob seus pés. Instintivamente, ela se apoiou em uma árvore próxima, enquanto seus olhos observavam o céu, que estava completamente tingido de vermelho.De repente, o som de tiros ecoou à distância. Seus reflexos quase automáticos a fizeram virar na direção do barulho, mas o que viu a deixou paralisada.Vários homens trajando uniformes camuflados avançavam pelo vilarejo, empunhando fuzis que disparavam contra qualquer um que estivesse à frente. Onde eles passavam, corpos caíam como folhas secas ao chão, formando poças de sangue que se espalhavam por todo lado.Esther ficou imóvel, incapaz de se mover, com o corpo dominado pelo medo.Ela observou os homens entrarem nas pequenas casas do vilarejo. Quando saíam, traziam em mãos sacos e caixas, parecendo carregar tudo o que podiam saquear. Logo em seguida, os mesmos homens ateavam fogo às casas, transformando o vilarejo em um inferno de chamas.O horror nos olhos de Esther era evidente. Para ela, era inco
Os olhos do garoto carregavam uma melancolia profunda. Esther podia sentir o peso da dor em cada palavra que ele dizia. Aquele era um garoto que havia perdido tudo. O vilarejo que antes pulsava com vida agora estava reduzido a cinzas e corpos espalhados. De todos os moradores, apenas ele havia sobrevivido.Esther pressionou os lábios, em silêncio, antes de dar um passo à frente para ajudá-lo a mover os corpos para um mesmo lugar.— Eu vi tudo o que aconteceu. Esses homens não eram soldados? Será que foi algo que o seu vilarejo fez? — Ela perguntou com cuidado, tentando entender a situação.Os olhos do garoto endureceram, uma centelha de fúria iluminando seu rosto jovem.— Você acha que velhos, mulheres e crianças poderiam fazer algo para provocar isso? — Respondeu ele entre dentes. — Aqueles não são soldados! São homens do Faraó!Esther sentiu seu coração apertar com a intensidade da resposta.O garoto apertou os punhos com força, o maxilar trincado de tanto conter a raiva. Ele continu
Esther se aproximou devagar e falou com suavidade:— Sua mão está bem machucada. Eu não encontrei nenhum remédio eficiente, mas pelo menos vou passar um pouco de antisséptico para limpar o ferimento. Se não cuidarmos disso, pode piorar, e talvez você nem consiga mais usar a mão. Ah, e ficar descontando sua raiva nessa bandeira não adianta nada.O garoto apertava os punhos, o olhar fixo no tecido rasgado da bandeira, como se estivesse enfrentando seus próprios demônios.— Um dia... — Disse ele, com com um tom de ódio. — Eu vou cortar a cabeça do Faraó com as minhas próprias mãos!A sua avó, sua irmãzinha e sua irmão caçula... Todos mortos pelas mãos dos homens do Faraó. Eles levaram o pai dele. Ninguém nunca mais soube dele. Ele odeia aquele maldito do Faraó!Esther ficou em silêncio por um momento, tentando encontrar as palavras certas.— Eu também não gosto dele. — Disse Esther. — Mas, antes de qualquer coisa, você precisa cuidar de si mesmo. Se você não estiver forte, como vai enfren
— Anda logo e tenta me acompanhar. Essa floresta está cheia de cobras venenosas. — Disse o garoto, lançando um olhar de advertência para Esther enquanto acelerava o passo. — Certo! — Respondeu ela, agora ainda mais atenta aos arredores.Eles caminharam por mais de uma hora, enfrentando o calor sufocante e o terreno irregular da floresta, até finalmente alcançarem uma clareira. Assim como o garoto havia mencionado, a saída da mata levava a um pequeno vilarejo.Esther observou com atenção o novo cenário. Diferente do lugar devastado que tinham deixado para trás, ali havia sinais de vida. As casas de barro, embora simples, estavam rodeadas de galinhas e patos que ciscavam tranquilamente. Havia pequenas hortas bem cuidadas. Na entrada do vilarejo, um homem vendia produtos em uma caminhonete.O garoto foi direto até o homem e começou a falar em uma língua que Esther não entendia. Após alguns minutos, o garoto se virou para ela.— Vamos ficar aqui por enquanto. Só tem um problema: eu não te
Esther permaneceu em silêncio, mas seus pensamentos estavam em ebulição. A diferença entre as regiões de Iurani era gritante. No norte, os homens de Faraó haviam arrasado vilarejos inteiros com violência e pilhagem. Aqui, porém, ele era visto como um benfeitor. Essa discrepância a deixava intrigada, como se houvesse algo profundamente oculto por trás das aparências.Ela trocou um olhar significativo com o garoto, que logo entendeu e a seguiu em direção ao centro do quintal, onde a idosa e a menina estavam ajoelhadas, separando ervas medicinais. No chão, diante delas, havia uma pilha de raízes longas e finas que Esther nunca tinha visto antes.— Como se trabalha com isso? — Perguntou Esther, apontando para as ervas.O garoto, sempre atento, traduziu a pergunta imediatamente.A idosa levantou a cabeça ao ouvir a voz, seus olhos avaliando os recém-chegados. Para ela, Esther era apenas uma mulher jovem, talvez com pouco mais de vinte anos, e o garoto, um adolescente franzino.— Corte as ra
As crianças pulavam de alegria ao receberem os presentes. As meninas mais novas ganharam elásticos para o cabelo e presilhas brilhantes. Já os meninos receberam joelheiras, bolas de futebol e até livros escolares. Para as adolescentes, os itens eram diferentes: batons e produtos de cuidado com a pele.Uma das meninas, de olhos castanhos profundos e olhar curioso, pegou o batom com hesitação. Ela o examinava como se fosse um objeto exótico, completamente desconhecido.— Professor Bernardo, o que é isso? — Perguntou, franzindo as sobrancelhas enquanto girava o tubo entre os dedos.O homem sorriu pacientemente, se inclinando ligeiramente para ficar na altura da garota.— Isso é um batom. Ele serve para realçar a cor dos seus lábios. Em outros países, as pessoas usam maquiagem como essa para se sentirem mais bonitas. — Ele apontou para um pequeno frasco na sacola. — E este aqui é uma base líquida. Se você não souber como usar, posso arranjar um vídeo para te ensinar. Assim fica mais fácil
Esther segurava firme o braço do garoto enquanto caminhavam. Ela sabia que todo o vilarejo do jovem havia sido dizimado pelos homens de Faraó, e o professor Bernardo, à sua frente, parecia ter algum tipo de ligação com aquele Faraó. Temia que o garoto não conseguisse controlar o ódio e, sem entender bem a situação, acabasse expondo os dois prematuramente.Sentindo a pressão da mão de Esther, o garoto despertou do turbilhão de pensamentos.— Vamos embora. — Esther quebrou o silêncio.Na percepção de Bernardo, os dois eram claramente forasteiros. Ele os observava atentamente, analisando cada detalhe. Esther também havia notado a forma como os olhos do professor os avaliavam.Ela só queria entender quem era Bernardo, mas acabou sendo notada por ele antes do planejado. Não tinham outra escolha a não ser recuar para planejar melhor os próximos passos.Bernardo sorriu de forma discreta, não respondendo diretamente, mas aceitando a sugestão de Esther. Assim que ela e o garoto se afastaram, el
— Pode deixar, amanhã eu te levo para conhecer o professor Bernardo. — O homem respondeu, sem pensar muito.O que chamou sua atenção foi o fato de Esther ter mencionado ser do País B, assim como Bernardo, que também falava português. A aparência dela, tão semelhante à de Bernardo. Além disso, se Esther soubesse cozinhar algo que agradasse o paladar do professor, seria uma forma de demonstrar gratidão por ele ajudar a comunidade.— Tudo bem, obrigada. — Esther agradeceu com um leve aceno.Apesar de não estar acostumada com a comida local, Esther se forçou a comer metade de uma tigela do purê de batatas que lhe serviram. Estava em um ambiente estranho, e sabia que precisava manter a força física para o que estivesse por vir.Após o jantar, ela retornou ao pequeno quarto onde estava hospedada. Não havia camas disponíveis, mas o homem improvisou, trazendo duas placas de papelão para que eles deitassem.Deitada no chão frio, Esther não conseguia evitar que seus pensamentos voassem para Rita