Esther permaneceu em silêncio, mas seus pensamentos estavam em ebulição. A diferença entre as regiões de Iurani era gritante. No norte, os homens de Faraó haviam arrasado vilarejos inteiros com violência e pilhagem. Aqui, porém, ele era visto como um benfeitor. Essa discrepância a deixava intrigada, como se houvesse algo profundamente oculto por trás das aparências.Ela trocou um olhar significativo com o garoto, que logo entendeu e a seguiu em direção ao centro do quintal, onde a idosa e a menina estavam ajoelhadas, separando ervas medicinais. No chão, diante delas, havia uma pilha de raízes longas e finas que Esther nunca tinha visto antes.— Como se trabalha com isso? — Perguntou Esther, apontando para as ervas.O garoto, sempre atento, traduziu a pergunta imediatamente.A idosa levantou a cabeça ao ouvir a voz, seus olhos avaliando os recém-chegados. Para ela, Esther era apenas uma mulher jovem, talvez com pouco mais de vinte anos, e o garoto, um adolescente franzino.— Corte as ra
As crianças pulavam de alegria ao receberem os presentes. As meninas mais novas ganharam elásticos para o cabelo e presilhas brilhantes. Já os meninos receberam joelheiras, bolas de futebol e até livros escolares. Para as adolescentes, os itens eram diferentes: batons e produtos de cuidado com a pele.Uma das meninas, de olhos castanhos profundos e olhar curioso, pegou o batom com hesitação. Ela o examinava como se fosse um objeto exótico, completamente desconhecido.— Professor Bernardo, o que é isso? — Perguntou, franzindo as sobrancelhas enquanto girava o tubo entre os dedos.O homem sorriu pacientemente, se inclinando ligeiramente para ficar na altura da garota.— Isso é um batom. Ele serve para realçar a cor dos seus lábios. Em outros países, as pessoas usam maquiagem como essa para se sentirem mais bonitas. — Ele apontou para um pequeno frasco na sacola. — E este aqui é uma base líquida. Se você não souber como usar, posso arranjar um vídeo para te ensinar. Assim fica mais fácil
Esther segurava firme o braço do garoto enquanto caminhavam. Ela sabia que todo o vilarejo do jovem havia sido dizimado pelos homens de Faraó, e o professor Bernardo, à sua frente, parecia ter algum tipo de ligação com aquele Faraó. Temia que o garoto não conseguisse controlar o ódio e, sem entender bem a situação, acabasse expondo os dois prematuramente.Sentindo a pressão da mão de Esther, o garoto despertou do turbilhão de pensamentos.— Vamos embora. — Esther quebrou o silêncio.Na percepção de Bernardo, os dois eram claramente forasteiros. Ele os observava atentamente, analisando cada detalhe. Esther também havia notado a forma como os olhos do professor os avaliavam.Ela só queria entender quem era Bernardo, mas acabou sendo notada por ele antes do planejado. Não tinham outra escolha a não ser recuar para planejar melhor os próximos passos.Bernardo sorriu de forma discreta, não respondendo diretamente, mas aceitando a sugestão de Esther. Assim que ela e o garoto se afastaram, el
— Pode deixar, amanhã eu te levo para conhecer o professor Bernardo. — O homem respondeu, sem pensar muito.O que chamou sua atenção foi o fato de Esther ter mencionado ser do País B, assim como Bernardo, que também falava português. A aparência dela, tão semelhante à de Bernardo. Além disso, se Esther soubesse cozinhar algo que agradasse o paladar do professor, seria uma forma de demonstrar gratidão por ele ajudar a comunidade.— Tudo bem, obrigada. — Esther agradeceu com um leve aceno.Apesar de não estar acostumada com a comida local, Esther se forçou a comer metade de uma tigela do purê de batatas que lhe serviram. Estava em um ambiente estranho, e sabia que precisava manter a força física para o que estivesse por vir.Após o jantar, ela retornou ao pequeno quarto onde estava hospedada. Não havia camas disponíveis, mas o homem improvisou, trazendo duas placas de papelão para que eles deitassem.Deitada no chão frio, Esther não conseguia evitar que seus pensamentos voassem para Rita
Um grupo de crianças, ao avistar Bernardo, imediatamente o reconheceu e começou a acenar com empolgação:— Professor Bernardo!Esther, ao ouvir os gritos, se virou para olhar.Bernardo estava usando uma camisa preta naquele dia, com os dois primeiros botões desabotoados e as mangas dobradas até os antebraços. Ele estava parado sob a luz do sol, uma mão no bolso e a outra segurando alguns livros. Sob os óculos de armação dourada, seus olhos escuros transmitiam uma aura difícil de decifrar. Mas no canto de seus lábios, um sorriso tranquilo despontava.No instante seguinte, as crianças ao redor de Esther correram na direção dele como um enxame.— Professor Bernardo, ela falou que aquela palavra não se pronuncia “zhao”!— Professor Bernardo, essa palavra você já nos ensinou antes, não foi? Não é o passo a paaso?— Professor Bernardo, a gente só quer você como professor!— Professor Bernardo, quem é ela? A gente nem conhece ela!...As vozes das crianças eram como um turbilhão, todas faland
No momento seguinte, Bernardo avistou uma pedra grande e se acomodou nela, se sentando ao lado de Esther com naturalidade. Sem pressa, ele estendeu a mão e ofereceu um pedaço de bolo de queijo para ela.— O garoto já me pediu desculpas. — Disse Esther, recusando o bolo.— Ele só pediu desculpas porque eu mandei. Se você não tivesse se esquivado rápido, aquela pedra teria acertado você. — Bernardo manteve o bolo na mesma posição, insistindo. Em seguida, lançou um olhar curioso. — Ainda não sei seu nome.Esther hesitou. Ela sabia que estava sob vigilância e que revelar seu nome poderia ser arriscado. No entanto, se sua identidade pudesse ser usada como uma peça no jogo, talvez valesse o risco. Respirando fundo, ela respondeu hesitante:— Esther.— Como se escreve? — Perguntou Bernardo, com um sorriso suave.Sem desviar o olhar, Esther soletrou seu nome calmamente.Bernardo, com uma expressão de satisfação, colocou o bolo de queijo nas mãos dela sem dar chance para recusa.— E então, Esth
A cena de Nico derrubando o bolo de queijo das mãos de Esther foi discretamente observada por Bernardo à distância. Ele viu tudo, mas sua expressão permaneceu serena, como se aquele episódio não tivesse importância. Calmamente, ele segurava o carregador nas mãos, mas não se apressou em se aproximar.Naquele instante, o celular em seu bolso vibrou. Ao ver o nome no visor, o olhar de Bernardo endureceu ligeiramente. Atendeu com um tom frio:— Alô.Do outro lado da linha, uma voz feminina soou com doçura:— Bernardo, quando você volta?— Por enquanto, não vou voltar. — Respondeu Bernardo, em um tom tão indiferente que parecia vir de outra pessoa, contrastando completamente com a figura amável que havia conversado com as crianças e Esther.Houve um silêncio curto antes que a mulher, com um leve traço de esperança na voz, dissesse:— Então, quando decidir voltar, me avisa, ou manda alguém me avisar...— Certo. Tenho coisas para fazer. Tchau.Sem paciência, Bernardo encerrou a chamada abrupt
Esther curvou os lábios em um sorriso frio.— Está tentando me assustar?Jogar ratos... Que método mais baixo e infantil.A garota, com os braços cruzados, avançou em direção a Esther, o olhar gélido e carregado de fúria.— Não estou te assustando, estou te avisando! Fique longe do professor Bernardo! Não ouse tentar dar em cima dele!A garota falava em português, mas seu sotaque denunciava que sua fluência era apenas um pouco superior à das crianças da aldeia.Esther riu, balançando levemente a cabeça.— Você está avisando a pessoa errada. Não tenho nenhum interesse nele.— Acha que engana quem? — A garota claramente não acreditava, o rosto tingido de desprezo. — Você não é daqui, não pertence ao nosso povo. Apareceu na aldeia com segundas intenções!Sua voz se elevava, transbordando indignação.— E ainda se aproximou do professor Bernardo assim que chegou. Se isso não é tentar dar em cima dele, então o que é?Por dentro, Esther achava tudo aquilo hilário.Mas, aparentemente, o leve s