— Leve isso para se proteger. — Disse Rita, que percebia que Esther hesitava, não deu tempo para protestos e forçou o objeto em suas mãos.O toque frio e pesado do metal preto a fez estremecer. Era algo que Esther já tinha visto antes, geralmente na televisão. Mas ela também se lembrava da vez em que Diego a sequestrou, junto com Sofia. A memória daquele dia ainda era vívida. Fora isso, Marcelo sempre mantinha André e Durval afastados dela quando tinham algo assim por perto.— Eu não sei usar isso. — Esther sentiu o peso do objeto em suas mãos, quase como se fosse uma tonelada. Pensar na possibilidade de um acidente ou de machucar alguém fazia sua mente correr em espiral.Rita, conhecendo bem os receios de Esther, respondeu em um tom rouco:— Não importa se você não sabe usar, Esther. O importante é ter. Aqui não é como no nosso país. Sem algo para se proteger, estamos vulneráveis a qualquer um. Os locais ou até mesmo grupos violentos não pensam duas vezes antes de atacar. — A pausa de
Essas crianças não estavam ali por acaso. Elas claramente se posicionavam estrategicamente para abordar turistas estrangeiros, explorando sua compaixão, pedindo comida, dinheiro ou qualquer coisa que pudessem conseguir. Mas não era só isso: Esther sabia, pelos relatos e pesquisas que havia feito antes de viajar, que alguns refugiados agiam de forma ainda mais cruel. Eles atraíam turistas para locais isolados, onde as vítimas eram drogadas e tinham órgãos como rins e corações retirados para serem vendidos.Esther tinha lido sobre a realidade de Iurani e os países ao redor. A região era marcada por pobreza extrema e conflitos constantes, o que gerava um número alarmante de refugiados e moradores em situações degradantes. Ela sabia que isso fazia parte do cenário, mas nunca havia se deparado com algo tão direto e cruel como naquele momento.— Eu sei que nossa comida e roupas são limitadas. — Esther mordeu o lábio, com os olhos fixos nas crianças, e lançou um olhar significativo para Rita.
No instante em que a mulher avistou o veículo militar, todos os seus movimentos cessaram como se um comando invisível a tivesse paralisado.Esther, por sua vez, sentiu o ar pesar ao seu redor. Seu coração deu um salto, e sua mente, por reflexo, foi inundada pela imagem de Marcelo. Por um momento, ela teve a esperança de que ele estivesse naquela caminhonete e que finalmente se reencontrariam. Mas a realidade foi outra.Os homens que desceram do veículo eram completos desconhecidos, suas peles tinham o brilho metálico de bronzeado extremo, e suas expressões eram severas. Eram soldados estrangeiros.A mulher, que agora parecia encontrar neles um tipo de refúgio, correu na direção deles, carregando o filho nos braços e gesticulando descontroladamente. As palavras que saíam de sua boca eram incompreensíveis para Esther, mas a acusação em seu dedo apontado era clara: ela culpava Esther.Sem hesitar, os soldados começaram a caminhar em direção a Esther. Os passos pesados, combinados com suas
No meio do tumulto, a mulher ainda estava falando algo em meio a lágrimas e desespero.Esther observava tudo, imóvel, mas não conseguia se desligar completamente da cena. Ela mesma já tinha passado pela experiência de carregar uma vida em seu ventre por dez meses. Apesar de ter sido mãe por tão pouco tempo, aquele elo de sangue e a ligação profunda entre mãe e filho eram algo que ela entendia perfeitamente.A mulher não passava de uma mãe lutando pelo bem de seu filho. Todo o ódio e agressividade que demonstrava pareciam ter raízes nesse amor desesperado.Por mais que quisesse se manter indiferente, Esther não conseguia ignorar o choro da criança e o desespero daquela mãe. Com um movimento rápido e firme, ela tomou a criança nos braços e começou a realizar a manobra de Heimlich.A princípio, o corpo pequeno e frágil do menino não mostrava qualquer reação. Mas logo ele começou a tossir violentamente até que, enfim, a fatia de pão que estava obstruindo sua garganta foi expelida.A mulher
O veículo que se aproximava não era um carro militar como o anterior, mas sim um robusto jipe. Estava coberto por uma camada espessa de poeira e lama, como se tivesse percorrido terrenos difíceis. A parte frontal do carro exibia um grande amassado, evidência de uma colisão recente.A porta do carro se abriu com um rangido. Durval foi o primeiro a descer. Ele deu a volta no veículo, abrindo a porta traseira enquanto dizia:— Capitão Marcelo, chegamos ao País K. Encontrei um hotel próximo. Vamos nos instalar. Em breve enviarei o endereço para que eles possam se encontrar conosco aqui.— Certo. — Respondeu Marcelo, com a voz rouca e baixa.Ele tentou sair do carro, mas a expressão de dor em seu rosto era inconfundível. Suas sobrancelhas estavam franzidas.Durval percebeu o esforço do capitão e rapidamente o segurou pelo braço, o ajudando a descer.Sob a luz forte do sol, o rosto de Marcelo parecia ainda mais pálido, revelando até mesmo as linhas de suas veias.André, que estacionava o car
Assim que terminou a ligação, Marcelo desligou o telefone com firmeza. Ele permaneceu segurando o aparelho, indeciso. Após alguns segundos de hesitação, decidiu tentar ligar para Esther.Do outro lado, entretanto, Esther estava em movimento, e o veículo onde ela estava percorria uma área sem sinal algum. Assim que Marcelo tentou, a mensagem automática ecoou:[O número que você está tentando chamar está fora de área. Por favor, tente novamente mais tarde...]Marcelo apertou o celular com força. Ele sabia que aquele território era uma zona de guerra, caótica e perigosa, onde a linha entre a vida e a morte era tênue. Como ela teve coragem de ir até lá?— Capitão Marcelo, tente não se preocupar. Vou emitir uma ordem para que usem todos os recursos disponíveis para localizar a senhora. Assim que soubermos de algo, aviso imediatamente. Agora o senhor precisa descansar. Sem isso, não teremos como concluir nossa missão ou nos comunicar com as outras equipes. — Disse Durval, que estava ao lado
O deserto onde Esther e sua equipe estavam era vasto e sem fim, se estendendo em todas as direções como um oceano de areia. O motorista, após verificar o motor do veículo, anunciou sua decisão de sair em busca de ajuda. O problema era que, no meio daquele cenário inóspito, a ida e a volta poderiam levar horas.Esther olhou ao redor, avaliando as possibilidades. O silêncio a fazia pensar, mas antes que pudesse expressar qualquer ideia, a mulher ao lado começou a acenar e gritar em uma língua que Esther não entendia. A criança ao lado dela repetiu o gesto, como se imitasse a mãe.— Ela está chamando aquelas pessoas. — Traduziu July, enquanto observava o grupo que se aproximava, montado em camelos.Esther ficou em silêncio.Em poucos minutos, os homens chegaram. A mulher gesticulou intensamente e apontou para Esther, que percebeu os olhares daquelas pessoas mudarem. Primeiro, eram apenas curiosos; depois, passaram a carregar uma mistura de desconfiança e julgamento.A troca de palavras en
Rita pegou a garrafa com o líquido escuro e, com firmeza, segurou o rosto de Esther, abrindo levemente suas bochechas para fazer o líquido descer.Esther começou a tossir de forma violenta. O sabor era terrivelmente amargo e o cheiro, forte e penetrante, parecia invadir cada célula do seu corpo. Ainda assim, o desconforto lhe trouxe uma clareza momentânea, como se tivesse levado um choque que a despertasse. Apesar disso, seu corpo estava tão fraco que ela não conseguia se manter ereta. Apenas se inclinou sobre a corcova do camelo, respirando com dificuldade.Rita observava Esther com preocupação. Tentou chamar por ela:— Esther, você está me ouvindo? Está bem?— Estou... — A resposta de Esther foi quase um sussurro, baixa e arrastada. Ela parecia completamente exausta, como um peixe fora d'água, lutando para respirar.Preocupada que Esther pudesse cair, Rita passou o braço ao redor de sua cintura, a segurando firmemente. No entanto, a jornada estava sendo cruel para todos. Depois de ho