Capítulo 01

༺ Scarlett Winslow ༻

Quatro anos. Quatro longos anos desde que herdei quase tudo do meu pai, e, ironicamente, nunca sequer vi o rosto do meu “marido”. Ele parecia fazer questão de manter uma distância inquebrável, como se a simples ideia de ter contato comigo fosse insuportável. Sempre que precisava comunicar algo, enviava seu advogado — um homem formal e frio que sempre vinha com um semblante sério e um envelope cheio de instruções.

O último recado que recebi dele ainda ecoava na minha mente, uma afronta disfarçada de formalidade:

“Ele não quer contato com uma pirralha como você. Fez apenas um favor ao seu pai, e está focado em fazer a empresa crescer.”

Na época, fiquei irritada. O “meu” marido não tinha o direito de me tratar daquela forma. Quem ele pensava ser? Mas, com o tempo, entendi que talvez fosse constrangedor para ele também. Afinal, ele tinha trinta e três anos quando esse contrato de casamento absurdo foi assinado, e eu… bem, eu mal havia saído da adolescência.

Agora, com vinte e dois anos, assumo as responsabilidades que me foram deixadas. A empresa prosperou nas mãos dele, não posso negar. O mercado só fala da ascensão da minha empresa, a WinsTech, como uma das mais promissoras no setor de tecnologia. O trabalho dele é impecável. Ele é um ótimo administrador. Mas isso não significa que eu precise gostar dele.

Na verdade, nunca consegui entendê-lo. Por que concordou com essa situação estranha? Por que aceitou um casamento sem sentido, sem nunca ter feito o mínimo esforço para me conhecer?

Ao longo dos anos, criei várias teorias, mas nenhuma fazia sentido. Talvez ele só tenha aceitado por dinheiro ou para honrar uma promessa ao meu pai. Ou quem sabe ele só quis se aproveitar do controle da empresa para elevar seu próprio status. Não importava. Tudo era apenas um acordo, uma obrigação imposta.

De qualquer forma, nosso contrato estava próximo do fim. Em um ano, assumiria finalmente a presidência. E ele, meu “marido”, teria que ceder o cargo.

Mas, até lá, precisava manter o foco, não deixar que essas questões me desviasse. Hoje, ao menos, só queria um pouco de paz.

Estou perdida em meus pensamentos quando ouvi batidas na porta. Levantei-me do sofá e abri, encontrando o advogado dele, como sempre.

— Senhorita Scarlett — ele cumprimentou, com um aceno leve, colocando a pasta sobre a mesa. — O senhor Fonseca mandou mais uma atualização sobre a empresa e pediu que você tomasse conhecimento.

Revirei os olhos, sem conseguir disfarçar minha irritação.

— Você não cansa de ser o porta-voz dele? Não tem recado nenhum que ele poderia me dar pessoalmente? — soltei, tentando esconder a frustração.

O advogado esboçou um sorriso contido, como se já estivesse acostumado com minha impaciência.

— Ele é um homem ocupado, senhorita.

— Ah, claro! Ocupado demais para dar um simples “olá” à própria esposa. Que conveniente — respondi, meu tom carregado de sarcasmo.

Ele ignorou minha provocação e continuou, ajustando os óculos e abrindo a pasta.

— Há um último detalhe que o senhor Fonseca pediu para que entregasse a você diretamente, caso estivesse presente.

Olhei para ele, cruzando os braços.

— E o que é?

Ele retirou um envelope lacrado da pasta, e notei que tinha o selo da WinsTech. Dentro, um pequeno bilhete, com letras firmes e elegantes:

“Em breve, nossa parceria chegará ao fim. Espero que o tempo com a empresa tenha sido proveitoso para você. — G. Fonseca.”

Senti um nó na garganta. Era só isso? Quatro anos de um casamento invisível, e ele me deixa com uma mensagem fria como essa?

Revirei os olhos, suspirando.

— Parece que estou casada com um fantasma mesmo — comentei, colocando o bilhete de lado.

O advogado me lançou um olhar compreensivo.

— Senhorita Scarlett, posso garantir que o senhor Fonseca sempre honrou o compromisso dele com seu pai. Talvez ele acredite que a senhora continua muito jovem para… certos compromissos.

Engoli em seco, não deixando que ele visse o quanto aquilo me irritava e me afetava. O ódio que sentia de Grayson Fonseca, e interminável por ser trata como uma merda.

— Diga a ele que, quando eu assumir finalmente a presidência, ele vai ver do que uma “pirralha” é capaz.

Ele acenou, pegando suas coisas.

— Tenha uma boa tarde, senhorita.

Assim que ele saiu, me joguei no sofá, tentando me acalmar. Mas, por mais que tentasse, não conseguia deixar de pensar que, em breve, meu “marido” misterioso teria que deixar o trono que ele mesmo ergueu na empresa. E quando esse dia chegasse não teria advogado no mundo capaz de me afastar da liderança que tanto esperava.

Naquela sexta-feira à noite, após dias cansativos e noites solitárias, decidi que precisava de uma pausa. Não aguentava mais a rotina, a ausência sufocante do meu “marido” e a sensação de estar presa numa vida cheia de responsabilidades, mas vazia de emoção.

Peguei o celular e mandei uma mensagem para Linda, minha amiga, que certamente saberia como tornar essa noite interessante.

“Linda, está ocupada?” — Escrevi, acompanhando com um emoji curioso.

Não demorou nem um segundo para o celular vibrar na minha mão. Linda não perdia tempo.

“Scarlett! O que aconteceu? Você nunca me manda mensagem numa sexta-feira! Está sempre enfiada nos livros, né?”

Sorri, já prevendo a sua reação. Respondi rápido, com um tom despreocupado que quase me surpreendeu:

“Hoje é diferente. Decidi que quero sair. Parece que uma boate nova inaugurará aqui em Washington. O que acha da ideia?”

O grito de entusiasmo que veio do outro lado da linha foi tão alto que quase pude ouvi-lo em alto e bom som.

“FINALMENTE! Até que enfim você acordou para vida! Sabia que esse dia ia chegar! Aquele seu marido fantasma que vá para o inferno. Hoje é dia de diversão, e você sairá comigo, SIM!”

Ri, sentindo a empolgação dela crescer do outro lado da ligação. Linda sempre fora uma força da natureza — decidida, confiante, e, acima de tudo, leal. Ela sabe mais sobre meu casamento por contrato do que qualquer outra pessoa, e por isso nunca perderia a chance de me empurrar um pouco na direção de uma vida normal. Algo que, segundo ela, eu merecia desde o início.

“Eu só estava esperando o momento certo,” respondi, tentando parecer casual, mas me sentindo tão nervosa quanto animada. “Mas sim, penso que já passou da hora de começar a viver a minha vida, com ou sem marido.”

Linda deu uma gargalhada respondendo.

“Amiga, esse homem é uma ilusão! Ele está com a sua empresa, mas você tem algo que ele nunca terá: liberdade. Então vamos lá, aproveite o que você tem de melhor! Se vista para matar, hoje Washington não esquecerá de nós tão cedo.”

Com a adrenalina crescendo, fui direto para o guarda-roupa e escolhi um vestido preto, elegante e ousado, que ainda não havia usado. Linda estava certa: eu precisava de uma noite para me lembrar de que existia algo mais além de papéis e advogados, algo que talvez meu pai jamais tivesse planejado para mim. Mas essa noite, ela seria minha.

Quando cheguei à boate. Linda já estava na entrada, vestida num conjunto vermelho que atraía todos os olhares. Ela me avistou de longe e acenou com um sorriso enorme, puxando-me para um abraço apertado assim que cheguei perto.

— Finalmente livre, hein? — ela comentou, piscando para mim enquanto nos dirigíamos para a entrada. — Você não tem ideia de como esperei por esse momento.

Soltei uma risada, sentindo uma liberdade que há muito não experimentava.

— Sabe, é até estranho — confessei, ajeitando o cabelo enquanto passávamos pelo saguão luxuoso e iluminado por tons de roxo e prata. — Parece que só agora estou começando a ser… eu mesma.

Linda assentiu, pegando minha mão e me arrastando até o bar.

— E é exatamente por isso que estamos aqui. Vamos brindar a essa sua nova fase — declarou, fazendo sinal para o bartender. — Dois martínis, por favor!

Quando as bebidas chegaram. Linda ergueu o copo, me encarando com o brilho de quem sabia muito bem que essa noite seria inesquecível.

— À liberdade, Scarlett! Que ela nunca mais precise esperar por um fantasma.

Brindamos e bebemos, sentindo o gosto doce e forte do martíni descer pela garganta. A música estava alta, a pista de dança lotada e o ambiente vibrante. Me permiti mergulhar naquela atmosfera sem pensar nas responsabilidades que esperavam por mim.

Hoje, ao menos por hoje, eu era apenas Scarlett, uma garota de vinte e dois anos, pronta para viver o que a vida me oferecesse.

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