Mercedes puxa o braço, esfregando-o, enquanto encara Ângelo, chispando de raiva.
— Você não ajudou em nada. Eu fiz tudo sozinha.
— Foi mesmo? Não fosse por mim você jamais teria ido a São Paulo com ele, e nem teria tido uma festa para enredá-lo ainda mais nas suas teias. Sabe que tive uma conversa interessante com a sua mãe? Ela me parece muito bem para quem está com os dias contados.
— O que quer dizer? Ela está melhorando com os medicamentos.
— Você mentiu, garota. E Augusto está desconfiado. Acho que acabei pondo essa ideia em sua cabeça quando comentei, sem querer, sobre a saúde de sua mãe.
— Há maneiras de me livrar dessa dúvida, caso ele me interrogue. Devo ter entendido mal as palavras do doutor. Estava muito nervosa ou, quem sabe, o tratamento foi um sucesso, ou...
— Ou talvez e
A vizinha, assustada, caminha até a casa e presencia a cena que ficaria estampada nas primeiras páginas do jornal por muito tempo. Augusto encontra-se caído de barriga para cima, sobre o tapete felpudo, no meio do velho escritório do pai, com o sangue que vazava do peito manchando a camisa branca. Ao lado da escrivaninha de carvalho, onde outrora o advogado da família lera os termos do testamento do pai, Ângelo encontra-se caído quase na mesma posição de Augusto. Os dois têm os pés bem esticados e paralelos. Seus olhos estão abertos, mas há sangue escorrendo da têmpora, formando uma poça atrás da cabeça. A velha grita e logo vê o rastro vermelho que deixa os dois e segue até o corredor, entre a copa e a cozinha. Lá há uma moça deitada de bruços, cujos cabelos são um emaranhado de fios claros empapados de sangue.A
— E isso é tudo, Marina. — Finalizei o manuscrito de tia Eneida, deixando as folhas de lado, enquanto ela me olhava boquiaberta.— Isso é tudo? Tem certeza de que não há mais nada? Nem fizeram uma investigação decente! Pobre Mercedes! Por que desfigurar seu o rosto? Não entendi. Se ela entrou no fogo cruzado entre irmãos, não faz nenhum sentido seu rosto ter sido desfigurado!— Já me fiz essas perguntas várias vezes. Quer dar uma olhada nas fotos novamente?— Não sei!— Venha. Quem sabe depois de tudo o que lemos, consigamos ver alguma coisa que não vimos na primeira vez?— Isso é uma loucura! Nada faz sentido! Há tantas possibilidades para o ocorrido naquela noite!— Para mim parece mais um crime premeditado do que um assassinato seguido de suicídio. Isso é muito claro.
— Mas você não tem certeza se ele realmente levou dois tiros no coração, não é? Podem ter dito isso para encobrir um erro do departamento daquela época ou, então, talvez Augusto tenha matado o irmão com dois tiros no coração e depois ter se matado.— Também com um tiro no coração? Como alguém tira a própria vida dessa maneira? Ele teria que ter entortado muito o antebraço para conseguir um tiro certeiro. Poderia não ter penetrado no coração e sim no ombro. Tenta fazer o mesmo com sua mão.- É meio difícil, mas não é impossível. Poderia ter usado as duas mãos. Encostaria a arma no peito, seguraria e apertaria o gatilho com o polegar. Mas aí seria um tiro a queima roupa, e nas fotos não parece ter marcas de pólvora e nem de queimado.— Com c
— O que está tentando me dizer?— Por mais que a polícia não tivesse as tecnologias que temos hoje, ainda assim creio que poderiam ter esclarecido. Essa divergência entre a perícia e o médico de plantão não foi sequer questionada. Sabe outra coisa estranha? Nas fotos é visível as marcas de bala na parede, então por que esses projéteis sumiram? Isso significa que alguém os retirou da cena do crime. Mas por quê? E quem fez isso? O próprio assassino? Mas ele teria tempo? Se Ângelo foi realmente o autor dos disparos, então porque matar e desfigurar o rosto da cunhada? Porque ela não atendeu às suas exigências? Pode ser, mas então porque matar o irmão? Ele teria ficado ao seu lado ao saber que Mercedes mentira o tempo todo. Não houve luta naquela casa. Nenhum objeto foi derrubado. Não acredito que &Aci
Durante o jantar com Marina tentei esquecer meus familiares dizimados. Foquei a atenção nela, que se mostrava atrevida e divertida. Acho que percebeu o quanto aquele assunto me angustiava. Rodamos por alguns barzinhos com música ao vivo e bebemos. Deixei o álcool me entorpecer. Não queria mais pensar no passado, tampouco no presente obscuro. Talvez o maior projeto da minha vida não desse em nada, e a chance de me dar bem no amor parecia cada vez mais distante.Ela tocava minha mão em alguns momentos, quando a música se fazia alta demais para ouvir nossas vozes, e se inclinava perto do meu ouvido. O cheiro do seu perfume invadia minhas narinas e tudo que queria era sair dali. Queria andar abraçado com ela pelas ruas, sob a luz do luar, e quem sabe roubar-lhe o tão esperado beijo. De alguma forma sentia que ela não estava pronta. Eu não estava pronto para perder sua amizade caso ela se ofendesse
— O que achou, Marina? — Perguntei à ela, assim que deixamos o local e entramos no carro. Liguei o rádio para aliviar a tensão antes que ela respondesse.— Acho que você vai conseguir o que quer. —Disse por entre dentes.— Nós vamos conseguir, certo? Você também tem parte nisso tudo. Estamos juntos desde o começo.— Se depender daquela vadia, é bem capaz de ela lhe dizer que só continuará te ajudando se eu for descartada do projeto. Maldita a hora que mencionei a coisa toda para ela. Onde eu estava com a cabeça? Nunca pensei que pudesse odiar tanto alguém quanto essa desclassificada, desesperada e devoradora de homens! Acho que é assim que ganha a vida, e toda essa fachada de live pra cá, live pra lá, é pra conseguir ser vista e admirada por idiotas que ficam lambendo
Creio ter se passado duas semanas da entrevista. Marina e eu nos comportávamos como o casal apaixonado que éramos. Risos bobos, vinhos, macarrão na cozinha e muita discussão acerca do encerramento do “nosso” projeto. Então, algo que esperava por muito, muito tempo, surgiu pelas mãos de Verônica. Não posso descrever o que senti ao vê-la em minha porta, estendendo um papel contendo um número de celular.— Entre Verônica. — grunhiu Marina, abrindo a porta para ela — Alberto já vem.— Pelo visto chegou aqui bem cedo, Marina. Por acaso está morando aqui? — Perguntou Verônica, ao vê-la num sábado de manhã em minha casa, bem à vontade.— Ainda não. — respondeu ela, com um sorriso homérico nos lábios — Mas quem sabe dentro em breve?Verônica a olhou com
— Entendo! Mas o que tem a me dizer? Desculpe se estou sendo inconveniente, mas deve entender minha aflição. O que sabe sobre o caso? — Perguntei ansioso.— Você terá que ter um pouco de paciência, Alberto. Eu já vou chegar lá. Primeiro precisa entender uma coisa. O que tenho em mãos nos chegou de forma bastante inusitada e tem estado em nosso cofre há alguns anos. Meu pai ainda advogava quando a carta chegou.— Carta? Que carta? — Perguntou Marina prendendo o fôlego.— Já vou chegar lá, Marina — disse Tobias, sorrindo calmamente, depois de beber da xícara fumegante — Pois bem, essa carta chegou às mãos de meu pai por volta de 1990.— Mas faz quase trinta anos! — exclamou Marina sem se conter — Por que a guardaram por tanto tempo? O que essa carta tem a ver com Alberto?- Quase trint