Durante o jantar com Marina tentei esquecer meus familiares dizimados. Foquei a atenção nela, que se mostrava atrevida e divertida. Acho que percebeu o quanto aquele assunto me angustiava. Rodamos por alguns barzinhos com música ao vivo e bebemos. Deixei o álcool me entorpecer. Não queria mais pensar no passado, tampouco no presente obscuro. Talvez o maior projeto da minha vida não desse em nada, e a chance de me dar bem no amor parecia cada vez mais distante.
Ela tocava minha mão em alguns momentos, quando a música se fazia alta demais para ouvir nossas vozes, e se inclinava perto do meu ouvido. O cheiro do seu perfume invadia minhas narinas e tudo que queria era sair dali. Queria andar abraçado com ela pelas ruas, sob a luz do luar, e quem sabe roubar-lhe o tão esperado beijo. De alguma forma sentia que ela não estava pronta. Eu não estava pronto para perder sua amizade caso ela se ofendesse
— O que achou, Marina? — Perguntei à ela, assim que deixamos o local e entramos no carro. Liguei o rádio para aliviar a tensão antes que ela respondesse.— Acho que você vai conseguir o que quer. —Disse por entre dentes.— Nós vamos conseguir, certo? Você também tem parte nisso tudo. Estamos juntos desde o começo.— Se depender daquela vadia, é bem capaz de ela lhe dizer que só continuará te ajudando se eu for descartada do projeto. Maldita a hora que mencionei a coisa toda para ela. Onde eu estava com a cabeça? Nunca pensei que pudesse odiar tanto alguém quanto essa desclassificada, desesperada e devoradora de homens! Acho que é assim que ganha a vida, e toda essa fachada de live pra cá, live pra lá, é pra conseguir ser vista e admirada por idiotas que ficam lambendo
Creio ter se passado duas semanas da entrevista. Marina e eu nos comportávamos como o casal apaixonado que éramos. Risos bobos, vinhos, macarrão na cozinha e muita discussão acerca do encerramento do “nosso” projeto. Então, algo que esperava por muito, muito tempo, surgiu pelas mãos de Verônica. Não posso descrever o que senti ao vê-la em minha porta, estendendo um papel contendo um número de celular.— Entre Verônica. — grunhiu Marina, abrindo a porta para ela — Alberto já vem.— Pelo visto chegou aqui bem cedo, Marina. Por acaso está morando aqui? — Perguntou Verônica, ao vê-la num sábado de manhã em minha casa, bem à vontade.— Ainda não. — respondeu ela, com um sorriso homérico nos lábios — Mas quem sabe dentro em breve?Verônica a olhou com
— Entendo! Mas o que tem a me dizer? Desculpe se estou sendo inconveniente, mas deve entender minha aflição. O que sabe sobre o caso? — Perguntei ansioso.— Você terá que ter um pouco de paciência, Alberto. Eu já vou chegar lá. Primeiro precisa entender uma coisa. O que tenho em mãos nos chegou de forma bastante inusitada e tem estado em nosso cofre há alguns anos. Meu pai ainda advogava quando a carta chegou.— Carta? Que carta? — Perguntou Marina prendendo o fôlego.— Já vou chegar lá, Marina — disse Tobias, sorrindo calmamente, depois de beber da xícara fumegante — Pois bem, essa carta chegou às mãos de meu pai por volta de 1990.— Mas faz quase trinta anos! — exclamou Marina sem se conter — Por que a guardaram por tanto tempo? O que essa carta tem a ver com Alberto?- Quase trint
— Morreu com noventa anos? Meu Deus! Tudo nesse caso é estranho. — Disse Marina, largando os braços no colo, em rendição.— Vocês saberão a verdade e, por ter visto sua entrevista é que resolvi quebrar o sigilo. A decisão de fazer algo só no centenário da morte dos Corvecchio caberá a você, Alberto. Particularmente, acho que deve continuar seu projeto e acabar logo com isso. Todos os envolvidos merecem descansar em paz.— Você a trouxe? Posso ver?— Sim. — Disse abrindo uma pasta de couro marrom e retirando um envelope grosso, pardo e envelhecido. Minhas mãos tremiam ao segurar o envelope. Nelas havia um segredo guardado há tanto tempo, que mudou a vida de todos os envolvidos, inclusive a minha.— Espero que saiba dar valor a essas páginas, Alberto.— Você as leu? Sabe o que tem aqui?
São Carlos, 31 de maio de 1990.Caro Doutor Alvarenga, o filho do filho, suponho.Você deve estar se perguntando o motivo de eu ter guardado todas essas reportagens. Nem mesmo sei a verdadeira razão disso. Tanto se falou sobre o crime na época. O veredicto foi de assassinato seguido de suicídio. Conversa pra boi dormir. Com o passar dos anos tornei-me uma pessoa cínica. Estou em frente à televisão, vendo o primeiro Presidente do Brasil ser eleito de forma direta. O povo pediu, aclamou, gritou pelas Diretas Já, e agora é isso aí. Tolos! Dizem que a democracia venceu e que um povo democrático é um povo que rege sua própria história.Eu digo: Tolos são os que pensam assim. A Democracia não existe! Do Povo, para o Povo e pelo Povo
É mais difícil do que pensava, colocar no papel as ocorrências que levaram àquela tragédia. Talvez seja a data de hoje, 31 de maio, que me fez ter coragem para falar no assunto, mesmo tendo se passado sessenta anos e eu já estando com meus noventa. Não acredito que tenha durado tanto, depois de ter visto as pessoas de minha convivência morrendo dia a dia. Hoje penso se tudo aquilo poderia ter sido evitado e, quanto mais penso nisso, mais me convenço de que não, tal o grau de desespero em que me encontrava naquele dia. Havia perdido tudo o que me era mais precioso, o que havia conquistado e planejado ao longo da vida, e por culpa deles. Foi preciso me decidir: acabar com a minha própria vida ou acabar com a deles, que me traíram de forma tão mesquinha e vil. Optei por acabar com a deles, mesmo que isso me fizesse cair em desgraça. Sim, isso é uma confissão de assassinato. Eu
Nossa Senhora seria coroada a Rainha dos Anjos e dos Homens, reverenciando o gesto carinhoso da Princesa Isabel, em sua segunda visita à Basílica Velha, quando presenteou a imagem com uma coroa de ouro. Aquela seria a primeira festa depois que o Papa Pio XI decretou a santa como Padroeira do Brasil naquele ano. Era certo de que todos estariam lá. Menos eu, que declarei estar com um súbito mal estar. Sabendo que não haveria ninguém na casa e nem nas ruas, senti-me mais que segura em continuar com meus planos.Tudo corroborava para os acontecimentos daquela noite. Dizem que quando se pensa em suicídio ou assassinato, o diabo toma conta de sua mão e faz acontecer. Não sei quem inventou essa, mas é a pura verdade. Uma tensão tomou conta de meu corpo como se uma energia pulsasse, surgindo do âmago, em direção às mãos. Só havia um pensamento: acabar com os dois e te
— Você mentiu pra mim. Fez-me crer que era minha amiga. Aceitou meus presentes, usou minhas roupas, ou melhor, está usando minhas roupas, e ainda assim preferiu acabar comigo.— Você tem que entender, Mercedes. Ele nunca te amou. Seu pai antecipou as coisas e ele não teve como negar o noivado na presença de todos. Augusto é um homem honrado. A gente se ama. Não há nada que mude isso, nem mesmo sua família.— Ele era meu! — gritei para ela — Meu! Desde criança. Você estragou tudo.— Ele nunca foi seu, Mercedes, e sabe muito bem disso. Seu passado te condenou...— Cale a boca! O que pensa que sabe sobre meu passado? O que aquele cretino do Ângelo te contou? Ele não sabia de nada. — Gritei, apontando a arma para ela.— Eu ouvi quando ele te chantageou. Estava na janela.— Então não ouvi