2. Poder e Controle

À distância, as vozes de Victoria e James ecoavam como fantasmas, repetindo o mantra de sempre: que eu era uma vadia ingrata, que eles haviam me dado tudo — uma vida boa, comida e um lar — e que agora eu me recusava a pagá-los. Que ironia cruel: pagar por terem me trazido a um mundo onde sou agredida física e emocionalmente por eles.

— Vá para o seu quarto e só saia de lá arrumada para o jantar com seu noivo e a família dele. — A voz de James cortou o ar como uma lâmina.

Assenti, sentindo o alívio breve de poder sair daquele inferno, mas, assim que toquei a maçaneta, ouvi sua voz novamente, gelando meu sangue:

— Lembre-se, Sophie, não me envergonhe. Seja a filha obediente e a noiva perfeita. Você sabe que as consequências podem ser ainda piores.

Um frio percorreu minha espinha. Não tive coragem de responder. Apenas abaixei a cabeça e saí da sala em silêncio, com passos pesados me levando até as escadas. Cada degrau parecia mais um fardo.

Ao entrar em meu quarto — ou melhor, na minha prisão —, a visão familiar do caos me aguardava. O sangue nos lençóis, vestígios da última punição, foi o que me trouxe de volta à realidade brutal. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas apenas uma escapou, deslizando pela minha face antes que eu pudesse contê-la. Tranquei a porta, sentindo a necessidade desesperada de algum controle, mesmo que mínimo. Despi-me com cuidado, cada movimento doloroso, e me aproximei do espelho.

As marcas nas minhas costas, frescas e vívidas, gritavam a dor do castigo que recebi sem motivo. Ainda me pergunto como consigo ser modelo com todas as cicatrizes, antigas e recentes, mas então lembro da minha assessora. Ela nunca perguntou o motivo de tantas marcas, nem por que elas aumentam sempre, mas me ajuda a escondê-las.

O espelho refletia um corpo que não parecia mais o meu, marcado pela violência, pela dor e pelo desespero. Até quando eu suportaria isso? Até quando minha resistência seria testada e minha alma, consumida? Se Deus realmente existisse, por que Ele não me salvava? Será que Ele também havia desistido de mim, assim como eu havia desistido de lutar? E Mikhail... Será que faria o mesmo que eles? Será que estou fadada a ser torturada, humilhada e espancada por todos ao meu redor?

Respirei fundo, engolindo o choro. Precisava me recompor. Tomei um banho, tentando lavar a dor, a sujeira e o medo, mas a água nunca parecia suficiente. Ao sair, encontrei sobre a cama um vestido vermelho curto, com mangas e um decote em V. Toquei o tecido macio. Ele cobriria bem as costas e valorizaria as curvas do meu corpo. Vesti-o e calcei um par de saltos Christian Louboutin.

Passei uma maquiagem leve, escondendo as marcas da exaustão, e deixei meus longos cabelos loiros soltos. Quando me olhei no espelho, não me reconheci. A pessoa que me encarava era uma estranha, uma versão polida e falsa de mim mesma. Era como se eu estivesse me vendo através de uma lente distorcida: uma personagem que fingia ser a filha perfeita, a mesma que sorria nas fotos, obedecia e nunca questionava.

Do topo da escada, vi meus pais acompanhados por três figuras. Meu coração acelerou, e o pânico cresceu em meu peito. Coloquei um sorriso no rosto, um sorriso que meus pais me haviam ensinado a usar em situações como essa. Desci lentamente, cada passo me lembrando do papel que precisava desempenhar. Quando cheguei ao final da escada, meu pai se aproximou e estendeu a mão. Aceitei-a, o toque frio e indiferente dele me causando um arrepio.

— Esta é minha filha, Sophie. — Meu pai me apresentou, o orgulho falso transbordando em sua voz. — Estes são o senhor e a senhora Volkov, Irina e Roman. E este é Mikhail, o filho mais velho do casal.

Meu olhar foi direto para o homem sério de cabelos escuros. Mikhail Volkov. Ele era... lindo. Mas não de um jeito reconfortante ou caloroso. Sua beleza era fria, quase intimidadora, como uma lâmina afiada. Seus cabelos pretos estavam perfeitamente alinhados, destacando os traços marcantes e bem definidos de seu rosto.A pele clara contrastava com os olhos avelã, a mistura de verde e marrom capturando a luz do salão com um brilho intenso, quase hipnótico. Porém, havia algo nesses olhos que fazia cada célula do meu corpo se arrepiar: uma intensidade sombria, quase predatória.

Ele tinha ombros largos e um corpo imponente, cada detalhe meticulosamente ajustado ao terno preto que vestia. O perfume amadeirado que o envolvia não era apenas agradável; era quase um aviso, como o aroma de uma tempestade prestes a desabar. Mikhail exalava poder, mas era um poder diferente do que eu estava acostumada. Não o poder teatral do meu pai, baseado em gritos e ameaças. O dele era silencioso, frio, perigoso. Ele parecia capaz de dominar qualquer ambiente, não com palavras, mas com a simples presença.

Seu olhar fixou-se em mim, e senti como se uma mão invisível me segurasse pelo pescoço. Era um olhar que me despia de cada camada da máscara que eu usava, vasculhando as profundezas daquilo que eu mais temia mostrar. Mikhail não era apenas bonito; ele era aterrorizante. Um homem como ele não precisava levantar a voz para impor respeito. Cada movimento, cada silêncio, cada olhar carregava um aviso claro: ele era um predador, e eu, inevitavelmente, era a presa.

— Boa noite, senhores e senhora Volkov. — Cumprimentei-os, minha voz baixa, mas firme, embora as mãos escondidas atrás do vestido tremessem. Meu sorriso era tão falso quanto o dos meus pais, mas eu sabia desempenhar o papel bem o suficiente para que ninguém questionasse.

— Sua filha é realmente deslumbrante, James. — O Sr. Roman elogiou, desviando o olhar de mim para Mikhail, que continuava me observando com a mesma intensidade implacável.

Por mais que quisesse desviar o olhar, não consegui. Era como se algo em Mikhail me prendesse ali, me forçasse a encarar a vulnerabilidade que eu tanto tentava esconder. Mas o que mais me assustava era a estranha sensação de que ele sabia. Que ele via cada pedaço quebrado de mim. E, de alguma forma, a ideia de que Mikhail enxergasse o que ninguém mais via era tão aterrorizante quanto... reconfortante.

Naquele momento, uma certeza me atingiu como um soco: Mikhail Volkov não era um homem com quem se brincava. Ele era tanto a personificação do perigo quanto a promessa de algo que eu não conseguia nomear.

— Vamos nos sentar para conversar. Enquanto isso, Sophie pode levar Mikhail para apreciar o jardim, não é, filha? É um lugar belíssimo. — A voz de meu pai cortou o momento, me arrancando de meus pensamentos.

— Claro que sim, papai. Me acompanha, senhor Volkov? — Perguntei com um sorriso impecável, mantendo a pose.

— Será interessante. — Sua voz grave ressoou, carregada de algo que não consegui decifrar. Ele estendeu o braço, e, mesmo surpresa, não demonstrei. Aceitei, deixando que ele me conduzisse.

Enquanto caminhávamos para o jardim, eu sabia que a noite estava longe de acabar. E, de alguma forma, sentia que ela mudaria tudo.

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