À distância, as vozes de Victoria e James ecoavam como fantasmas, repetindo o mantra de sempre: que eu era uma vadia ingrata, que eles haviam me dado tudo — uma vida boa, comida e um lar — e que agora eu me recusava a pagá-los. Que ironia cruel: pagar por terem me trazido a um mundo onde sou agredida física e emocionalmente por eles.
— Vá para o seu quarto e só saia de lá arrumada para o jantar com seu noivo e a família dele. — A voz de James cortou o ar como uma lâmina. Assenti, sentindo o alívio breve de poder sair daquele inferno, mas, assim que toquei a maçaneta, ouvi sua voz novamente, gelando meu sangue: — Lembre-se, Sophie, não me envergonhe. Seja a filha obediente e a noiva perfeita. Você sabe que as consequências podem ser ainda piores. Um frio percorreu minha espinha. Não tive coragem de responder. Apenas abaixei a cabeça e saí da sala em silêncio, com passos pesados me levando até as escadas. Cada degrau parecia mais um fardo. Ao entrar em meu quarto — ou melhor, na minha prisão —, a visão familiar do caos me aguardava. O sangue nos lençóis, vestígios da última punição, foi o que me trouxe de volta à realidade brutal. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas apenas uma escapou, deslizando pela minha face antes que eu pudesse contê-la. Tranquei a porta, sentindo a necessidade desesperada de algum controle, mesmo que mínimo. Despi-me com cuidado, cada movimento doloroso, e me aproximei do espelho. As marcas nas minhas costas, frescas e vívidas, gritavam a dor do castigo que recebi sem motivo. Ainda me pergunto como consigo ser modelo com todas as cicatrizes, antigas e recentes, mas então lembro da minha assessora. Ela nunca perguntou o motivo de tantas marcas, nem por que elas aumentam sempre, mas me ajuda a escondê-las. O espelho refletia um corpo que não parecia mais o meu, marcado pela violência, pela dor e pelo desespero. Até quando eu suportaria isso? Até quando minha resistência seria testada e minha alma, consumida? Se Deus realmente existisse, por que Ele não me salvava? Será que Ele também havia desistido de mim, assim como eu havia desistido de lutar? E Mikhail... Será que faria o mesmo que eles? Será que estou fadada a ser torturada, humilhada e espancada por todos ao meu redor? Respirei fundo, engolindo o choro. Precisava me recompor. Tomei um banho, tentando lavar a dor, a sujeira e o medo, mas a água nunca parecia suficiente. Ao sair, encontrei sobre a cama um vestido vermelho curto, com mangas e um decote em V. Toquei o tecido macio. Ele cobriria bem as costas e valorizaria as curvas do meu corpo. Vesti-o e calcei um par de saltos Christian Louboutin. Passei uma maquiagem leve, escondendo as marcas da exaustão, e deixei meus longos cabelos loiros soltos. Quando me olhei no espelho, não me reconheci. A pessoa que me encarava era uma estranha, uma versão polida e falsa de mim mesma. Era como se eu estivesse me vendo através de uma lente distorcida: uma personagem que fingia ser a filha perfeita, a mesma que sorria nas fotos, obedecia e nunca questionava. Do topo da escada, vi meus pais acompanhados por três figuras. Meu coração acelerou, e o pânico cresceu em meu peito. Coloquei um sorriso no rosto, um sorriso que meus pais me haviam ensinado a usar em situações como essa. Desci lentamente, cada passo me lembrando do papel que precisava desempenhar. Quando cheguei ao final da escada, meu pai se aproximou e estendeu a mão. Aceitei-a, o toque frio e indiferente dele me causando um arrepio. — Esta é minha filha, Sophie. — Meu pai me apresentou, o orgulho falso transbordando em sua voz. — Estes são o senhor e a senhora Volkov, Irina e Roman. E este é Mikhail, o filho mais velho do casal. Meu olhar foi direto para o homem sério de cabelos escuros. Mikhail Volkov. Ele era... lindo. Mas não de um jeito reconfortante ou caloroso. Sua beleza era fria, quase intimidadora, como uma lâmina afiada. Seus cabelos pretos estavam perfeitamente alinhados, destacando os traços marcantes e bem definidos de seu rosto.A pele clara contrastava com os olhos avelã, a mistura de verde e marrom capturando a luz do salão com um brilho intenso, quase hipnótico. Porém, havia algo nesses olhos que fazia cada célula do meu corpo se arrepiar: uma intensidade sombria, quase predatória. Ele tinha ombros largos e um corpo imponente, cada detalhe meticulosamente ajustado ao terno preto que vestia. O perfume amadeirado que o envolvia não era apenas agradável; era quase um aviso, como o aroma de uma tempestade prestes a desabar. Mikhail exalava poder, mas era um poder diferente do que eu estava acostumada. Não o poder teatral do meu pai, baseado em gritos e ameaças. O dele era silencioso, frio, perigoso. Ele parecia capaz de dominar qualquer ambiente, não com palavras, mas com a simples presença. Seu olhar fixou-se em mim, e senti como se uma mão invisível me segurasse pelo pescoço. Era um olhar que me despia de cada camada da máscara que eu usava, vasculhando as profundezas daquilo que eu mais temia mostrar. Mikhail não era apenas bonito; ele era aterrorizante. Um homem como ele não precisava levantar a voz para impor respeito. Cada movimento, cada silêncio, cada olhar carregava um aviso claro: ele era um predador, e eu, inevitavelmente, era a presa. — Boa noite, senhores e senhora Volkov. — Cumprimentei-os, minha voz baixa, mas firme, embora as mãos escondidas atrás do vestido tremessem. Meu sorriso era tão falso quanto o dos meus pais, mas eu sabia desempenhar o papel bem o suficiente para que ninguém questionasse. — Sua filha é realmente deslumbrante, James. — O Sr. Roman elogiou, desviando o olhar de mim para Mikhail, que continuava me observando com a mesma intensidade implacável. Por mais que quisesse desviar o olhar, não consegui. Era como se algo em Mikhail me prendesse ali, me forçasse a encarar a vulnerabilidade que eu tanto tentava esconder. Mas o que mais me assustava era a estranha sensação de que ele sabia. Que ele via cada pedaço quebrado de mim. E, de alguma forma, a ideia de que Mikhail enxergasse o que ninguém mais via era tão aterrorizante quanto... reconfortante. Naquele momento, uma certeza me atingiu como um soco: Mikhail Volkov não era um homem com quem se brincava. Ele era tanto a personificação do perigo quanto a promessa de algo que eu não conseguia nomear. — Vamos nos sentar para conversar. Enquanto isso, Sophie pode levar Mikhail para apreciar o jardim, não é, filha? É um lugar belíssimo. — A voz de meu pai cortou o momento, me arrancando de meus pensamentos. — Claro que sim, papai. Me acompanha, senhor Volkov? — Perguntei com um sorriso impecável, mantendo a pose. — Será interessante. — Sua voz grave ressoou, carregada de algo que não consegui decifrar. Ele estendeu o braço, e, mesmo surpresa, não demonstrei. Aceitei, deixando que ele me conduzisse. Enquanto caminhávamos para o jardim, eu sabia que a noite estava longe de acabar. E, de alguma forma, sentia que ela mudaria tudo.Mikhail Volkov Londres continua tão fria quanto eu lembrava, mas essa frieza é, de certa forma, encantadora. A capital da Inglaterra mantém seu charme inabalável, com suas ruas impecavelmente ordenadas, a educação refinada de seus habitantes e uma sofisticação impossível de ignorar. Negócios prósperos, bons vinhos, mulheres deslumbrantes... e, nesse caso, uma mulher específica. — Você está ansioso para conhecer sua futura esposa, irmão? — Andrei pergunta, com um tom sarcástico que me faz apertar os dentes, lutando contra a vontade de socá-lo. — Andrei, você está testando a minha paciência. Se continuar com essa conversa, vai se arrepender. — Falo com firmeza, sem sequer olhar para ele enquanto caminho em direção ao carro que já nos aguarda. Antes de o carro começar a andar, meu celular vibra no bolso. Atendo imediatamente, sem nem olhar o nome, porque já sei quem é. — Papai? — A voz doce e inocente de Alek enche meus ouvidos, trazendo uma sensação de paz instantânea. — Olá, meu g
Continuo observando o rosto dela enquanto formula uma resposta. — Gosto de lutas. Também gosto de viajar, mas, para mim, voltar para casa é sempre a melhor parte. Com a vida que levo, isso é o mais próximo de normalidade que consigo: viagens, negócios, empresas... e a outra parte, que você provavelmente já conhece. — Digo, sem pressa, sabendo que suas reações vão me dizer mais do que suas palavras. Ela não demonstra surpresa, mas a tensão que emana de seu corpo é palpável. Não é algo que me incomode, já esperava essa reação. — Imagino que ainda esteja se acostumando com essa realidade. — Comento, de forma objetiva. — Sim. — Ela responde, simples, sem querer se aprofundar. — Me chame apenas de Mikhail. — Digo, observando seu olhar se ajustar. Ela assente, sem muita emoção. — Tudo bem, Mikhail. Soube que tem um filho... Achei que fosse conhecê-lo. — Ela menciona com um tom casual, mas com curiosidade à flor da pele. — Alek tem quatro anos. — Dou uma pausa antes de continuar. — El
Sophie WilliamsAo adentrar a sala de jantar da mansão Williams, fui envolvida pelo brilho e pela opulência que pareciam competir para exibir o poder e o status de nossa família. O teto alto, adornado por lustres de cristal, lançava reflexos suaves sobre a mesa longa. Esta, coberta por uma toalha de linho imaculada, exibia porcelanas finas, talheres de prata reluzentes e arranjos florais estrategicamente posicionados. O aroma das flores misturava-se ao leve perfume de cera polida, criando uma atmosfera que parecia dizer: Aqui, tudo está sob controle.Meu pai, James, ocupava a cabeceira da mesa, como ditava a etiqueta, enquanto Victoria, minha mãe, estava ao seu lado, irradiando a postura impecável e a autoridade que sempre a acompanhavam. Eventos como este eram o palco ideal para ela exibir sua visão de "perfeição familiar".— Sophie, querida, sente-se aqui, ao meu lado. — A voz dela era doce, mas o tom cortante carregava uma ordem implícita.Antes que eu pudesse responder, senti o toq
Mikhail VolkovApós o jantar, nos recolhemos ao escritório para discutir negócios. As conversas giravam entre as empresas e, em momentos mais reservados, sobre assuntos da máfia. No entanto, minha atenção frequentemente escapava para a loira que conversava com minha mãe e Victoria, a mulher que seria minha futura sogra.“Sophie Williams”Havia algo fascinante na postura dela, impecavelmente ereta, na forma como suas palavras eram medidas e suas expressões, cuidadosamente montadas. Mas, ao mesmo tempo, eu enxergava o que ela tentava esconder. Toda vez que James ou Victoria se dirigiam a ela, o sorriso que surgia em seus lábios parecia... artificial. Como se ela estivesse cumprindo um papel exigido por um roteiro. Aquilo não escapava aos meus olhos.Por um breve momento, nossos olhares se encontraram. Decidi ir até ela, curioso sobre a reação que isso provocaria. Sua voz logo preencheu o espaço entre nós, suave, mas com uma nota de hesitação. Notei que ela aceitava bem a ideia do casamen
Sophie WilliamsDepois que os convidados foram embora, senti meu peito travar, como se o ar se recusasse a entrar. Meu coração falhou uma batida no instante em que me virei para subir as escadas e uma mão forte segurou meu braço, puxando-me sem aviso. Antes mesmo de processar o que estava acontecendo, uma ardência cortante se espalhou pelo meu rosto.— Quem você pensa que é para escolher alguma coisa? As decisões serão minhas, tudo sairá conforme a MINHA vontade! — Victoria vociferou, suas unhas cravando minha pele.O impacto das palavras doía quase tanto quanto o tapa. Engoli em seco, tentando manter a voz firme.— Desculpe, Sra. Victoria, não foi proposital. Apenas imaginei que agir daquela forma fosse agradar a mãe do meu noivo. — A palavra queimou em minha língua. Noivo. O gosto amargo da realidade se instalou em minha boca. Casar com Mikhail Volkov significava entregar meu destino a um homem que escondia sua verdadeira natureza por trás de um terno impecável.Mídia e sociedade o
Logo após terminar de falar tudo o que queria, e me ameaçar a cada duas frases — James me liberou. Saí do seu covil — digo, escritório — e segui para onde ele informou que Irina e minha mãe estavam. No caminho, ensaiei um sorriso animado, mas sem exageros. Não via necessidade de fingir tanto com Irina. A mulher carregava um carisma raro e, depois de anos convivendo com falsidade, aprendi a reconhecer quando alguém estava sendo genuíno. Ao entrar na sala de estar, vi as duas sentadas à mesa, saboreando o café da manhã impecavelmente servido. Irina, elegante como sempre, vestia um azul-claro sofisticado que realçava seus olhos avelã. Já Victoria, com a postura impecável e expressão meticulosamente controlada, parecia satisfeita. Ou satisfeita comigo, cumprindo meu papel. — Bom dia, Irina. Mamãe. — Cumprimentei, removendo o sobretudo e apoiando-o no encosto da cadeira antes de me sentar. — Bom dia, querida. — O leve sotaque russo de Irina me lembrou Mikhail. — Você está deslumbrante
Mikhail Volkov O clima frio da Itália me envolve assim que desço do jatinho. Um carro me espera, e, sem trocar palavras, Andrei e eu seguimos em silêncio. Sabemos que não seremos bem recebidos. Os Giordano tiveram problemas com a Bratva e a destruíram, assim como todo o legado Petrov, restando apenas Aurora Petrov... ou melhor, Giordano. — Sabe, eu realmente espero que não tenhamos problemas. Não dormi bem e gostaria que pudéssemos resolver esse assunto tranquilamente — resmunga Andrei, sentado ao meu lado, enquanto meu segurança coloca o carro em movimento pelas ruas de Milão. — Impossível resolver tudo com cem por cento de tranquilidade. Matteo odeia os russos no geral. A família dele sofreu um inferno por culpa de Nikolai e Maxim — respiro fundo. Sei que a primeira coisa que ele fará será apontar uma arma para minha cabeça... Ele ou seu fiel escudeiro, Lorenzo Ricci, seu consigliere e cunhado. — Não consigo imaginar como aqueles desgraçados tiveram coragem de sequestrar a irmã e
Quinze segundos. Foi o tempo exato que Matteo encarou Lorenzo antes de se levantar abruptamente da cadeira e lançar seu copo contra a parede. O vidro estilhaçou com um estrondo seco, espalhando cacos pelo chão. — Maledetto, miserabile, traditore, figlio di puttana! — Os xingamentos saíram cuspidos como veneno de seus lábios, carregados de um ódio palpável. O nome de Pavel Vasilievsky era o bastante para incendiar algo incontrolável em seu peito. Agora, Matteo tinha um motivo a mais para querer a queda da Bratva, não era apenas uma questão de poder ou vingança, mas de proteger sua família e destruir o desgraçado que ousou traí-los. Ele passou a mão pelos cabelos, tentando conter a fúria que borbulhava em suas veias. Inútil. — Lorenzo, chame meu pai. Agora. — Sua voz era uma ordem afiada como lâmina. O consigliere não hesitou. Saiu da sala às pressas, deixando um rastro de tensão no ar. Matteo continuava de pé, o peito subindo e descendo em um ritmo descompassado. Do meu lado, And