Logo após terminar de falar tudo o que queria, e me ameaçar a cada duas frases — James me liberou. Saí do seu covil — digo, escritório — e segui para onde ele informou que Irina e minha mãe estavam.
No caminho, ensaiei um sorriso animado, mas sem exageros. Não via necessidade de fingir tanto com Irina. A mulher carregava um carisma raro e, depois de anos convivendo com falsidade, aprendi a reconhecer quando alguém estava sendo genuíno. Ao entrar na sala de estar, vi as duas sentadas à mesa, saboreando o café da manhã impecavelmente servido. Irina, elegante como sempre, vestia um azul-claro sofisticado que realçava seus olhos avelã. Já Victoria, com a postura impecável e expressão meticulosamente controlada, parecia satisfeita. Ou satisfeita comigo, cumprindo meu papel. — Bom dia, Irina. Mamãe. — Cumprimentei, removendo o sobretudo e apoiando-o no encosto da cadeira antes de me sentar. — Bom dia, querida. — O leve sotaque russo de Irina me lembrou Mikhail. — Você está deslumbrante. Sempre admirei seu bom gosto. Uma verdadeira mulher da alta sociedade. — Que bom que decidiu se juntar a nós, filha. — Victoria sorriu, mas seu olhar carregava uma expectativa silenciosa. — Papai disse que estariam aqui, então cancelei minha sessão de fotos que tinha hoje. Os olhos dela brilharam por um instante, satisfeitos. — Ah, minha querida, não precisava se incomodar tanto. — Irina comentou gentilmente, tocando a borda da xícara de porcelana. — Mas, de certa forma, isso nos dá a oportunidade de resolver algumas coisas. — Exatamente. — Victoria endireitou a postura. — Podemos adiantar os preparativos do noivado. Assim teremos tempo para organizar tudo com calma. O que acha, Sophie? — Acho ótimo, mãe. Ela sorriu satisfeita e se virou para Irina. — Seria de bom tom escolhermos um salão para a recepção. O que acha? Irina deslizou os dedos pelo cabo da xícara antes de assentir suavemente. — Posso ver com Mikhail sobre isso. Mas acredito que podemos escolher um lugar muito bonito. — Seria perfeito. — Comentei, mantendo o tom neutro. — Um salão com uma vista ampla de Londres tornaria tudo mais especial. Algo sofisticado, sem exageros, mas que passe a grandiosidade do momento. — Exatamente, filha. — Victoria aprovou com um leve aceno. Irina me analisou por um instante e sorriu de lado, como se captasse algo por trás da minha postura impecável. — Então está decidido. Quando Mikhail voltar de viagem, conversarei com ele. — Ele está viajando? — Sim, teve que resolver alguns assuntos na Itália. Mas voltará a tempo de organizarmos os últimos detalhes. “Que pena. Poderia demorar bastante.” - Pensei. — Bom, vamos terminar nosso café e depois encontraremos a cerimonialista. O café seguiu com conversas triviais. Para minha surpresa, fui incluída nos assuntos. Falamos sobre Mikhail — apenas os aspectos aceitáveis de sua personalidade — e sobre mim, dentro dos limites permitidos. Comentamos sobre minha futura cunhada, que seria responsável pelo meu vestido de noiva. Trabalhar com Elena era algo que eu queria há tempos, mas não nas circunstâncias atuais. A cerimonialista revisava suas anotações quando nos reunimos no local escolhido para a recepção. — Senhorita Sophie, tem alguma preferência de flores para os arranjos? — Gosto de peônias, orquídeas e rosas brancas. Acho que combinam com o estilo da recepção. — Falei depois de pensar em algumas opções. — Ah, mas não deveríamos considerar algo mais clássico? Lírios, talvez. — Victoria sugeriu, lançando-me um olhar significativo. Quase revirei os olhos, mas me contive. — Eu gosto. Acha que pode adicionar lírios? — Claro. Posso montar algumas opções para que possam escolher. Ela digitou algo no tablet e continuou: — Sobre os convites, já têm a lista de convidados? — Sim, enviarei os nomes por e-mail. — Victoria falou e a mulher assentiu. O som de um telefone tocando interrompeu a conversa. Irina pediu licença para atender. — Minha filha acabou de pousar em Londres. Pedi para que meu marido a trouxesse até aqui para conhecê-las. — Será ótimo, querida. — Victoria sorriu, mas seu olhar endureceu por uma fração de segundo. Ela não gostava de surpresas. E os Volkov, ao que parecia, não gostavam de ser controlados. Poucos minutos depois, o eco de saltos chamou nossa atenção para a entrada. Uma mulher de cabelos pretos e postura elegante caminhou na nossa direção. Seu sorriso, belíssimo, transbordava simpatia. — Olá, espero não estar muito atrasada. — Sua voz era doce, e o sorriso aumentou ainda mais quando me viu. Antes que eu pudesse reagir, Elena me envolveu em um abraço apertado. — É um prazer finalmente conhecê-la, Sophie. Hesitei por um segundo, depois retribui. — O prazer é meu. Ela recuou, analisando-me com curiosidade. — Estava ansiosa para chegar logo. Papai me buscou e disse que mamãe estava com você. — Estou ansiosa para começarmos os vestidos, Elena. Ela sorriu, mas suspirou em seguida. — Infelizmente, o vestido do noivado não será feito por mim. Franzi o cenho. — Ah que pena, mas porquê? — O tempo é curto. Eu adoraria poder criar um vestido digno de sua beleza para a festa de noivado, mas temos apenas quatro dias, ficaria muito exaustivo e não gosto de entregar nada menos que perfeição. — Ela explicou e eu assenti, entendendo perfeitamente o que ela sentia, não gosto de ser nada menos que perfeita quando estou nas passarelas, então compreendo ela. — Mas o vestido de noiva... esse eu faço questão de criar e me dedicar a cada mínimo detalhe. — Tenho certeza que ficará perfeito. — Eu falei e sorri para ela que retribuiu. — Vocês terão tempo para discutir isso depois. Agora, precisamos finalizar as escolhas com a cerimonialista. — Irina interveio com um sorriso calmo. A conversa retornou ao planejamento do noivado, mas minha mente vagava. Elena parecia genuinamente feliz em me conhecer, Irina me tratava com respeito e, ainda assim, nada disso fazia diferença. No fim, eu estava exatamente onde Victoria queria que eu estivesse. Sempre foi assim. As flores, os convites, o vestido... nada disso era realmente sobre mim. Eu estava apenas seguindo o roteiro que minha mãe escrevia há anos, como uma peça preciosa que ela movia no tabuleiro conforme sua conveniência. E o pior de tudo? Dessa vez, eu sequer sabia quais eram as regras do jogo.Mikhail Volkov O clima frio da Itália me envolve assim que desço do jatinho. Um carro me espera, e, sem trocar palavras, Andrei e eu seguimos em silêncio. Sabemos que não seremos bem recebidos. Os Giordano tiveram problemas com a Bratva e a destruíram, assim como todo o legado Petrov, restando apenas Aurora Petrov... ou melhor, Giordano. — Sabe, eu realmente espero que não tenhamos problemas. Não dormi bem e gostaria que pudéssemos resolver esse assunto tranquilamente — resmunga Andrei, sentado ao meu lado, enquanto meu segurança coloca o carro em movimento pelas ruas de Milão. — Impossível resolver tudo com cem por cento de tranquilidade. Matteo odeia os russos no geral. A família dele sofreu um inferno por culpa de Nikolai e Maxim — respiro fundo. Sei que a primeira coisa que ele fará será apontar uma arma para minha cabeça... Ele ou seu fiel escudeiro, Lorenzo Ricci, seu consigliere e cunhado. — Não consigo imaginar como aqueles desgraçados tiveram coragem de sequestrar a irmã e
Quinze segundos. Foi o tempo exato que Matteo encarou Lorenzo antes de se levantar abruptamente da cadeira e lançar seu copo contra a parede. O vidro estilhaçou com um estrondo seco, espalhando cacos pelo chão. — Maledetto, miserabile, traditore, figlio di puttana! — Os xingamentos saíram cuspidos como veneno de seus lábios, carregados de um ódio palpável. O nome de Pavel Vasilievsky era o bastante para incendiar algo incontrolável em seu peito. Agora, Matteo tinha um motivo a mais para querer a queda da Bratva, não era apenas uma questão de poder ou vingança, mas de proteger sua família e destruir o desgraçado que ousou traí-los. Ele passou a mão pelos cabelos, tentando conter a fúria que borbulhava em suas veias. Inútil. — Lorenzo, chame meu pai. Agora. — Sua voz era uma ordem afiada como lâmina. O consigliere não hesitou. Saiu da sala às pressas, deixando um rastro de tensão no ar. Matteo continuava de pé, o peito subindo e descendo em um ritmo descompassado. Do meu lado, And
Sophie Williams Os últimos dias foram agitados. Escolhemos tudo que faltava: os últimos detalhes sobre músicas, comidas... e tudo ficou perfeito, digno de um noivado de um Pakhán—como descobri que Mikhail é nomeado. É estranho imaginar que viverei uma realidade diferente, com um mafioso que pode ser igual ou pior que o casal que me colocou no mundo. Elena, minha cunhada, tem me ajudado a organizar os detalhes, mas Victoria sempre tem a última palavra. Até pareço uma criança na frente das outras pessoas, pois preciso perguntar o que ela acha das opções. — Sophie. — Sou tirada dos meus pensamentos quando a porta do quarto se abre. Sei que é hora de sair. Me autorizaram. Respiro fundo e sigo até a porta, sentindo o tecido do vestido deslizar suavemente pelo meu corpo. O azul metálico reflete a luz do lustre, criando um brilho quase hipnotizante. O corte sereia do tecido fino abraça minha silhueta, e a fenda lateral revela a pele em um detalhe equilibrado entre sofisticação e ousadia.
Mikhail Volkov A movimentação ao nosso redor diminui por um instante quando avançamos pelo salão. Os olhos se voltam para Sophie, e os olhares masculinos são impiedosamente óbvios. Alguns tentam ser discretos, avaliando-a com um interesse silencioso, enquanto outros simplesmente se perdem na visão dela. As mulheres, por sua vez, analisam cada detalhe de seu vestido, algumas com admiração, outras tentando encontrar falhas que não existem. Ela está deslumbrante. Uma perfeita princesa da máfia, mesmo sem ter sido criada nos seus costumes. Sua postura exala uma elegância que parece ter nascido com ela, e seus olhos, tão frios, carregam uma sombra de desafio que só uma mulher forte poderia sustentar. Roman ergue a taça, lançando um olhar satisfeito para Sophie, como se estivesse celebrando a vitória de tê-la na família. — É um prazer recebê-la na família, Sophie. — Sua voz soa como uma sentença inevitável, carregada de uma solenidade quase imponente. — Sei que essa transição pode ser d
Sophie Williams Chegou o momento!Estamos no centro do salão, após Irina anunciar que é hora de formalizar o pedido. Ensaiar meu discurso de felicidade foi uma exigência da minha mãe, e passei toda a semana me preparando para isso.Contudo, ao olhar para todas essas pessoas que me observam como se eu fosse uma figura incomum, sinto-me sem palavras. Mikhail acaricia minha mão, e, à primeira vista, isso parece um gesto de carinho. Mas, na realidade, é uma ordem silenciosa para que eu me recomponha e mantenha a compostura que minha posição exige.Fixando meu olhar nas íris avelãs que me observam com desdém, faço um esforço para esboçar um sorriso breve, sinalizando que estou pronta — embora saiba que ele, de fato, não se importe.— Boa noite a todos. Gostaríamos de agradecer imensamente a presença de cada um de vocês neste momento tão significativo para nós. — Mikhail diz, fingindo uma felicidade que, se eu não soubesse da verdade, faria com que eu acreditasse. — Esta noite é especial,
Mikhail VolkovA raiva cresce em mim a cada risada e sorriso trocado entre Andrei e Sophie. Eu vejo claramente o que está acontecendo. Eles estão ali, no centro do salão, dançando como se fossem velhos amigos, trocando murmúrios e sorrisos cúmplices. Isso me tira do sério. Não posso deixar passar em branco.Ouço a voz do meu pai, interrompendo meus pensamentos.— Quer que eu pegue um guardanapo? — Ele pergunta com aquele sorriso de quem sabe exatamente o que está acontecendo. — Você está quase babando de raiva só porque seu irmão está dançando com Sophie.Respiro fundo, tentando controlar a raiva que só cresce.— Ele está brincando com a sorte, pai. Minha paciência não é grande coisa, e ele sabe disso. Mas resolveu testar, claro — resmungo, e meu pai me encara, rindo de forma quase zombeteira.É impossível não me sentir um idiota nessa situação. Meu irmão, lá, dançando e rindo com a minha noiva, e meu pai rindo da minha cara. A sensação de isolamento só aumenta, a irritação crescendo.
Sophie WilliamsMais um degrau.Mais um gemido sufocado.Mais um minuto em que meus olhos ardem, minha pele queima e o couro cabeludo pulsa de dor onde Victoria puxou meu cabelo sem piedade. Nunca está satisfeita. Nunca.Hoje, a razão foi Andrei. Segundo ela, eu o seduzi com sorrisos e gestos. James concordou, como sempre. Deixou que ela descontasse a raiva em mim. E eu, ingênua, achei que não seria tão ruim quanto quando é ele quem o faz. Engano meu.O primeiro tapa veio tão forte que senti o gosto de sangue. Depois fui jogada ao chão, e os chutes começaram. Costelas. Pernas. Braços.Tudo em mim dói.Mas é claro que ela só fez isso porque meu querido noivo não estará aqui pelas próximas duas semanas. Tempo suficiente para eu me recuperar.— Não se esqueça, filhinha — a voz de Victoria ecoa do meio da sala, carregada de desdém e satisfação. Ela está recostada em uma poltrona de veludo, cruzando as pernas com elegância, a taça de vinho equilibrada entre os dedos. Seus olhos azuis, frio
Uma semana se passou desde o noivado, e os hematomas começaram a desaparecer. As marcas roxas estavam quase invisíveis, e as mais teimosas eu escondi com maquiagem – nunca se sabe quando alguém pode aparecer. Aliás, Irina veio me visitar esta manhã. Tomamos café juntas e, pela primeira vez em dias, consegui comer de verdade. Até rir.Ela me contou que Elena precisou voltar para a Rússia com Alek, a pedido de Mikhail. “Não é seguro que o filho de um magnata bilionário e mafioso fique longe de casa por tanto tempo.” Palavras dela.Quando vi minha sogra, algo dentro de mim se remexeu de um jeito estranho. Foi ali, naquele instante, que percebi o quanto a sua presença me fazia falta. Como foi possível, em tão pouco tempo, ela despertar em mim uma felicidade que eu nunca soube existir em 23 anos?Minha idade acabou entrando na conversa, e descobri que Mikhail tem 33 anos. Dez a mais que eu. Por um momento, achei que isso me incomodaria, mas não. Ele não me parece velho – nem em idade, nem