Gabrielle Murilo era um acessório importante, que me permitiria alcançar meu objetivo com maior facilidade. Mas, em momentos como aquele, eu me perguntava se era justo vê-lo apenas como uma peça no meu tabuleiro. Por mais que não conseguisse amar como ele merecia, havia algo em seu abraço que me fazia desejar, pelo menos por alguns instantes, que eu pudesse ser diferente. Que talvez, se eu me esforçasse, Murilo pudesse ser mais do que uma ferramenta, e sim alguém em quem eu pudesse confiar de verdade. Eu não poderia perdê-lo tão facilmente, apenas porque Jullian não o queria por perto. Estar com ele não exigia nenhum esforço. Apenas deixei meus instintos tomarem conta por alguns minutos, afinal, eu estava tão cansada de me conter, exausta de ter que calcular todas as minhas expressões e reações, e estar ali com Murilo não me exigia nada disso. Pela primeira vez, depois de anos de contato físico, me permiti tê-lo por mais do que poucos minutos. Não o afastei, como costu
Gabrielle Quando voltei para casa, a tempo para o jantar, me surpreendi ao encontrá-los me esperando. Nunca me esperavam para o jantar. Na verdade, desde que John havia partido, não seguia uma dieta saudável; eu comia apenas quando sentia fome. Mas abriria uma exceção para os ilustres convidados. Leslie estava sentada ao lado de Dave, e frente a eles estavam Lucas e Jullian. Passei por eles, encarando-os, antes de me sentar na ponta da mesa — o lugar que costumava ser ocupado por meu pai, e que eu jamais permitiria que outra pessoa tomasse. A entrada já havia sido servida, e ninguém tinha dito uma palavra. O ambiente estava ficando monótono. Jullian tamborilava os dedos nervosamente sobre a mesa, enquanto Leslie mantinha um olhar fixo e severo, como se calculasse cada movimento à sua volta. Dave parecia desconfortável, mexendo na borda do guardanapo. Apenas Lucas mantinha uma postura calma, com os olhos fixos em mim, estudando cada reação. Jullian ameaçava iniciar
Gabrielle Dave era um homem de meia-idade, muito bonito. Sua origem coreana sempre me fascinou. Seus olhos eram pequenos, assim como seu nariz. O sorriso, aberto e acolhedor, exibia covinhas que lembravam muito as de Lucas. Ver aquele sorriso me transportava diretamente para a infância. Eu sempre gostara de Dave, desde que aprendi a falar, ele sempre foi o adulto que mais me deu atenção, além de Julls. Ele era meu verdadeiro padrinho, o melhor amigo de John e uma presença constante em nossa rotina familiar. Dave tirou o celular do bolso e nos mostrou um vídeo curto, de apenas trinta segundos. Mas isso foi o suficiente para convencer a todos. No vídeo, John estava ao lado de Leslie, e me segurava em seus braços enquanto soprava uma vela de um pequeno bolo. Era o meu primeiro aniversário. Dave também aparecia no vídeo, segurando Lucas no colo, que tentava, a todo custo, esticar-se para pegar o bolo. Entre as risadas de meus pais e os gritos animados de Lucas, ouvi a voz de Jul
Lucas Park Dentre todas as coisas que aprendi durante minha longa estadia no meu país natal, desenvolver uma alta tolerância ao álcool foi uma delas. Aqueles caras se encarregaram disso. Quando penso em como eles me ensinaram e até certo ponto moldaram minha tolerância, não só ao álcool, mas a vários aspectos da vida adulta, não sei dizer se me sinto ressentido ou grato. Excluindo o fato de terem se aproximado de mim apenas para extrair informações privilegiadas sobre o conglomerado Gold, foram bons amigos... ou pelo menos, fingiram ser. Lembro-me da primeira e única vez que voltei bêbado para casa, apenas três meses depois de ter recebido alta do hospital. Nunca vi meu pai tão furioso em toda a minha vida. Dave me lançou uma série de palavrões em uma única frase, como se tivesse ensaiado, e me ensinou uma lição valiosa naquela noite: nunca volte para casa se não estiver minimamente apresentável. E, para garantir que não repetisse o erro, aprendi ali também qual er
Lucas Park Ele me olhou profundamente, com a mesma calma firme de sempre. ― Nem tudo na vida é tão simples como certo ou errado, preto ou branco ― respondeu, sua voz cheia de sabedoria. ― Você precisa aprender a relaxar, Lucas. Não se culpe por coisas que estão além do seu controle. A maneira espontânea como ele falou me pegou de surpresa. Ficou claro que ele sabia mais sobre o assunto do que eu havia contado a Jullian. O que significava que meu pai sempre esteve a par de tudo o que acontecia ao meu redor, assim como sabia exatamente quem eram aquelas pessoas. ― Você sabe quem eles são ― afirmei, sem esconder minha frustração. Ele manteve a expressão calma e respondeu com uma serenidade desconcertante: ― Quem eles são não é tão importante quanto o que eles querem. ― Querem o conglomerado Gold. Meu pai soltou uma risada irônica. Ele sabia muito mais do que estava deixando transparecer, e essa falta de transparência me incomodava profundamente. Aq
Lucas Park Era inevitável: eu precisava adotar uma postura mais firme. Teria que agir de forma estratégica, provocando-a na medida certa, desarmando suas barreiras uma por uma. Eu conhecia Gabrielle o suficiente para saber o que poderia balançá-la. Mas isso não significava apenas seduzi-la; eu queria conquistar seu coração de verdade. E, para isso, teria que me conter muito mais do que achava possível. Mas seria capaz de estabelecer um limite entre nós? Mesmo que ela tentasse ultrapassar, eu teria a força necessária para contê-la? Mais importante ainda, conseguiria conter a mim mesmo? Eu precisaria ser forte, pois o nosso futuro dependia diretamente da minha capacidade de resistir à tentação de me entregar completamente à sua presença. O caminho até o coração dela nunca seria fácil. Eu soube disso no momento exato em que ela virou as costas naquela manhã, me deixando sozinho, com os biscoitos que eu havia feito. Desde então, a cada dia, ela erguia novos obstáculos. Se e
Lucas Park — O que está fazendo? — perguntei, retirando sua mão da minha testa. — Estou verificando sua temperatura — respondeu ela, aparentemente confusa. — Você não parece bem, seu rosto está todo vermelho... Como ela podia pensar que meu estado febril era por causa de alguma doença? Ela era a única coisa que me deixava nesse estado. Seu gesto de preocupação fez meu coração apertar por um segundo, mas o que era aquela pequena brisa de ternura em comparação ao furacão que eu estava enfrentando por dentro? — Pelo amor de Deus, Gabrielle — a interrompi, minha voz falhando miseravelmente. — Não me toque assim, tão de repente. Eu esperava que ela não percebesse o quanto eu estava lutando para manter o controle. Meu desespero estava escancarado em cada palavra, e ela não tinha a mínima ideia do efeito que causava em mim. Seus olhos, cansados e cheios de perguntas, me encaravam sem entender nada, e isso só tornava tudo mais insuportável. Como Leslie pôde sugerir qu
Gabrielle A situação não estava favorável. O que mais me irritava não era o alívio de não ter que retornar à empresa para mais uma rodada de humilhação, mas sim o fato de Leslie ter observado todos os meus passos, silenciosa e paciente, aguardando o momento perfeito para me desarmar. Ela sabia. Sempre soube. E esperou o instante certo para me confrontar, como se tudo fosse parte de um jogo que eu nunca tive chance de vencer. Jullian recusava minhas ligações, nem ao menos respondia às minhas mensagens. Era óbvio que ele estava se escondendo de mim. Talvez porque soubesse que, se me encarasse, não seria capaz de mentir. Ele me contaria o que Leslie estava tramando, sem dúvida. E essa fuga dele doía mais do que eu gostaria de admitir. Murilo, por outro lado, simplesmente desapareceu. Não houve mais encontros, nem mensagens, nada além de silêncio após aquela longa conversa. Dave, por algum motivo, insistia em estar presente em cada refeição. Sua constante presença, que ante