Capítulo 2

Ecos do Passado

O som das ondas quebrando na praia ecoava na cabeça de Camila, enquanto ela caminhava pela estrada de pedras que levava ao ateliê. O sol da manhã mal havia surgido, mas ela já se sentia tomada por uma ansiedade crescente. O que estava fazendo ali? Ela havia fugido de sua antiga vida em busca de paz, mas encontrou algo bem diferente. Davi. O homem que, com tão poucas palavras, parecia saber exatamente como desestabilizá-la.

Ao se aproximar do ateliê, a porta de vidro estava fechada desta vez. Ela hesitou por um momento antes de bater de leve. Nenhuma resposta. Camila apertou a maçaneta, percebendo que estava destrancada, e entrou com cuidado.

— Davi? — chamou ela, a voz reverberando pelo ambiente silencioso.

Nenhuma resposta novamente. O espaço estava envolto em uma luz tênue, filtrada pelas grandes janelas. As telas e esculturas que preenchiam o ateliê pareciam observar sua presença. Camila suspirou e caminhou até a mesa onde deixava suas coisas. Algo sobre o local a fazia sentir-se constantemente vigiada.

Ela começou a organizar os pincéis e preparar o espaço para o trabalho do dia, mas não conseguia tirar Davi da cabeça. Seu jeito reservado, suas palavras enigmáticas na noite anterior. A atração que sentia por ele crescia a cada dia, e isso a assustava. Ele era um homem envolto em mistérios, mas o que a atraía ainda mais era o fato de que ele parecia ver algo nela que ninguém mais via.

Quando já estava imersa em suas tarefas, ouviu passos vindo da escada. Davi apareceu, os olhos escuros como sempre, mas havia algo diferente em sua expressão. Ele parecia… perturbado.

— Bom dia — disse ele, com a voz mais suave do que o habitual.

— Bom dia — respondeu Camila, sem saber como interpretar o humor dele. — Está tudo bem?

Davi parou por um momento, como se estivesse pesando suas palavras. Então, com um suspiro, passou a mão pelos cabelos desarrumados.

— Sonhos ruins — disse ele simplesmente, como se isso fosse suficiente para explicar o peso em sua voz.

— Todos temos nossos fantasmas — disse ela, tentando soar compreensiva, mas sem saber ao certo o que ele queria dizer.

Davi a olhou, seus olhos fixos nela por um longo momento. Parecia que ele estava prestes a dizer algo mais, mas mudou de ideia. Aproximou-se da tela em que havia trabalhado no dia anterior e pegou um pincel.

— Vamos começar — disse, e assim o assunto foi encerrado.

O dia seguiu de maneira tranquila, quase silenciosa, mas a atmosfera no ateliê era densa. Cada movimento de Davi, cada pincelada, parecia carregar um peso emocional, algo que ele tentava desesperadamente esconder. Camila se via cada vez mais atraída por esse mistério, como se precisasse entender o que o afligia.

A certa altura, ela decidiu perguntar.

— O que você quer dizer quando fala sobre fantasmas?

Davi parou, o pincel suspenso no ar. Ele não a olhou de imediato, mas sua respiração parecia ter ficado um pouco mais pesada.

— Não são os fantasmas que importam, Camila. É o que fazemos com eles — disse, finalmente virando-se para encará-la. — Eu não deveria estar te contando isso, mas… eu tive uma vida antes daqui. Uma vida cheia de erros. Algumas pessoas fogem de seus fantasmas, outras os enfrentam. Eu escolhi me esconder.

Camila sentiu um aperto no peito. Algo em suas palavras ressoava com suas próprias cicatrizes. Ela havia fugido, assim como ele, mas sabia que fugir não era o suficiente para apagar o que viveu.

— Às vezes, não podemos fugir para sempre — sussurrou, sem saber se falava dele ou de si mesma.

Davi deu um leve sorriso, mas era um sorriso triste, quase amargo.

— Não, não podemos — concordou ele, voltando sua atenção para a pintura. — Mas isso não significa que estamos prontos para encarar o que nos assombra.

Camila se aproximou, sem conseguir se conter.

— Você se esconde aqui, rodeado por arte, mas o que realmente está escondendo? — perguntou, sua voz baixa, mas carregada de curiosidade e algo mais.

Ele a olhou intensamente, e por um momento ela pensou que ele fosse se abrir. Mas então, em vez de responder, Davi simplesmente colocou o pincel de lado e caminhou em direção à porta.

— Está ficando tarde. Vá para casa, Camila. Amanhã será um dia difícil.

Ela ficou parada, assistindo enquanto ele saía sem mais explicações. O que ele queria dizer com “dia difícil”? Por que nunca dava respostas diretas?

Assim que Davi desapareceu, Camila sentiu o peso do silêncio preencher o espaço ao seu redor. O mistério que ele carregava era como uma teia que a envolvia cada vez mais, e ela sabia que não conseguiria ignorar aquilo por muito tempo. Parte dela queria fugir, evitar o envolvimento. Mas outra parte estava desesperada para descobrir o que havia nas sombras do passado de Davi.

Naquela noite, de volta à sua pequena casa alugada no vilarejo, Camila tentou se distrair, mas era impossível. A imagem de Davi, o som de sua voz e o mistério que ele carregava continuavam a ecoar em sua mente. Ela sabia que estava prestes a se envolver em algo muito maior do que imaginava.

Enquanto olhava pela janela, observando a lua refletida no mar, Camila fez uma promessa a si mesma. Não importa o que fosse, ela descobriria o que Davi escondia. Mesmo que isso significasse enfrentar seus próprios demônios no processo.

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