Capítulo 6

Segredos Revelados

O silêncio no ateliê de Davi parecia mais denso do que nunca. A revelação da pintura, uma imagem perturbadora e visceral do próprio Davi sendo consumido pelas sombras, ecoava na mente de Camila. Ela sentia o coração bater descompassado enquanto observava os detalhes daquela obra tão íntima, tão cheia de dor e caos.

Davi permaneceu em silêncio ao seu lado, os braços cruzados sobre o peito, o rosto tenso, como se esperasse por um julgamento. Ele parecia preparado para que ela recuasse, fugisse de tudo o que ele acabara de expor.

Mas Camila não se moveu. Ela queria entender. Precisava entender.

— Davi… — ela começou, a voz vacilante. — O que significa essa pintura? Por que você… — Suas palavras morreram quando olhou para ele, vendo nos olhos de Davi uma vulnerabilidade que ele raramente deixava transparecer.

Ele desviou o olhar, andando até a janela, onde a luz da lua iluminava a água do mar ao longe.

— É o que eu sempre fui — ele murmurou, com a voz carregada de algo sombrio. — Desde o momento em que comecei a pintar, sempre houve algo… quebrado dentro de mim. Essas sombras que você vê na tela, Camila, elas não são só metáforas. Elas me perseguem. Me consomem.

Camila franziu o cenho, sem conseguir entender completamente. — O que quer dizer? Está falando de algo… literal?

Ele soltou uma risada amarga, balançando a cabeça. — Não, não é tão simples. São os meus demônios, as coisas que fiz… e as coisas que aconteceram comigo. — Davi fez uma pausa, respirando fundo antes de continuar. — Quando eu era mais jovem, antes de me isolar aqui, houve um acidente. Uma tragédia que mudou tudo. Eu… perdi alguém importante. E foi por minha culpa.

Camila sentiu um aperto no peito ao ouvir aquilo. Ela sabia que Davi carregava algo pesado, mas nunca havia imaginado o quanto.

— Quem? — ela perguntou suavemente, tentando entender o que o atormentava tanto.

Davi permaneceu em silêncio por alguns segundos, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. — Minha irmã. Ela era mais jovem, cheia de vida, de promessas. E eu… Eu estava lá quando aconteceu. — Ele fechou os olhos, como se revivesse o momento em sua mente. — Foi um incêndio. Na casa dos nossos pais. Eu devia ter ajudado, devia tê-la tirado de lá, mas… eu hesitei. E quando finalmente agi, já era tarde demais.

O peso das palavras dele atingiu Camila como uma onda. A dor e a culpa que Davi carregava eram profundas, quase tangíveis. Ela ficou em silêncio, sem saber como responder àquilo.

— Desde então, eu me afastei de tudo. — Ele continuou, a voz rouca. — A arte foi a única coisa que me restou. E, de alguma forma, essas sombras, essa culpa, começaram a aparecer nas minhas pinturas. Elas são o reflexo do que eu sou. Destruído por dentro, consumido por algo que não consigo controlar.

Camila sentiu os olhos se encherem de lágrimas. A dor de Davi, sua luta interna, era algo com que ela podia se identificar, de certa forma. Ela também conhecia a sensação de ser marcada por um passado sombrio, de carregar cicatrizes que nunca desapareciam por completo.

— Davi, eu… — Ela tentou encontrar as palavras certas, mas tudo o que conseguia sentir era o desejo de consolá-lo, de dizer que ele não estava sozinho.

Ele se virou para ela, seus olhos cheios de algo que parecia uma mistura de desespero e resignação. — Agora você entende por que eu fico distante, por que eu me escondo. Eu não quero machucar mais ninguém, Camila. E é por isso que você deve ficar longe de mim.

Camila deu um passo em direção a ele, ignorando o aviso. — Eu não acredito nisso. Eu não acredito que você é essa pessoa que se destrói e destrói os outros. — Ela estendeu a mão, tocando de leve o braço dele. — Todos nós temos nossos demônios, Davi. Eu também tenho os meus. Mas isso não significa que estamos condenados a viver nas sombras para sempre.

Davi fechou os olhos ao sentir o toque dela, como se estivesse tentando absorver aquele gesto de conforto. Por um momento, ele não disse nada, apenas respirou profundamente.

— Você não entende… — ele sussurrou, sua voz quase inaudível. — Eu não sou uma pessoa boa. Eu controlei a minha vida inteira. Controlei meus sentimentos, meus relacionamentos… tudo. E, no fim, isso só me deixou mais vazio.

Camila o encarou, seu olhar firme e decidido. — E talvez seja por isso que você precisa de alguém ao seu lado. Alguém que te mostre que não precisa carregar esse fardo sozinho.

Davi abriu os olhos, encontrando os dela. Havia uma luta interna visível em seu olhar. Ele queria acreditar nela, mas o peso de anos de dor e culpa parecia intransponível.

— Camila… — ele começou, a voz quase falhando. — Eu não sei se consigo.

Ela sorriu suavemente, embora seu coração estivesse acelerado. — Então deixe que eu tente por nós dois.

As palavras pairaram no ar por um longo momento. Davi parecia absorvê-las, e lentamente, muito lentamente, ele deu um passo em direção a Camila. Seus dedos tocaram o rosto dela, suaves, hesitantes, como se ele estivesse com medo de se permitir sentir algo.

— Eu não mereço você — ele murmurou, seu polegar acariciando a pele dela. — Mas, Deus, como eu quero merecer.

Camila sorriu, seu peito se aquecendo com o toque. Ela levantou a mão, segurando a dele contra seu rosto. — Talvez não seja uma questão de merecimento. Talvez seja apenas… destino.

Davi olhou para ela por um longo tempo, e, então, num movimento súbito, a puxou para perto, beijando-a com uma intensidade que a fez perder o fôlego. Era um beijo cheio de desejo, mas também de uma dor que ele não sabia como expressar de outra forma.

Quando finalmente se separaram, ofegantes, Davi a segurou firmemente, como se estivesse com medo de que ela desaparecesse.

— Não vá embora — ele sussurrou, a voz carregada de emoção. — Não me deixe sozinho nas sombras.

Camila o encarou, e sem hesitar, respondeu: — Eu não vou a lugar nenhum, Davi.

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