Capítulo 3

O Peso das Sombras

O sol nascente tingia o céu de tons alaranjados enquanto Camila caminhava em direção ao ateliê no dia seguinte. As palavras de Davi ainda ecoavam em sua mente. “Amanhã será um dia difícil.” Ela não fazia ideia do que ele queria dizer, mas sabia que, no fundo, algo estava prestes a mudar. Uma tensão pairava no ar, e ela sentia como se estivesse prestes a atravessar uma barreira invisível.

Quando chegou, a porta estava fechada, e ela hesitou antes de abrir. Dentro do ateliê, tudo parecia igual, mas havia uma presença diferente, como se o próprio espaço estivesse esperando por algo. Camila largou a bolsa em um canto e começou a preparar o material de pintura. Não demorou muito até que ouviu passos firmes se aproximando.

Davi entrou no ateliê, mas algo em sua expressão estava diferente. Seus olhos pareciam mais sombrios, carregados de uma intensidade que a fez estremecer. Ele olhou para Camila por um breve momento, sem dizer uma palavra, antes de caminhar até uma das telas.

— Hoje, você vai me ajudar de uma forma diferente — disse ele, sem tirar os olhos da pintura à sua frente.

— Como assim? — perguntou ela, sem saber o que esperar.

Davi se virou lentamente, seus olhos escuros fixos nela. Havia algo de impenetrável em seu olhar, uma dureza que a fazia sentir que ele estava se protegendo, mas de quê? Ou de quem?

— Preciso que confie em mim, Camila. Hoje, vamos além do trabalho comum. Vou te mostrar algo que nunca mostrei a ninguém — disse ele, aproximando-se devagar, como se testasse sua reação.

O coração de Camila disparou. A curiosidade queimava dentro dela, misturada com um certo medo. O que ele estava prestes a revelar? E por que ela sentia que, depois de hoje, nada mais seria igual entre eles?

Ela assentiu lentamente, mesmo sem entender o que estava acontecendo.

— O que você quer que eu faça? — perguntou, sua voz mais firme do que ela realmente se sentia.

Davi soltou um suspiro profundo, quase aliviado, como se a resposta dela fosse o que ele precisava ouvir. Então, caminhou até uma porta lateral no ateliê que ela nunca havia notado. Era pequena, discreta, mas quando ele a abriu, revelou uma escadaria que descia para um andar abaixo.

— Venha — disse ele, desaparecendo nas sombras.

Camila hesitou por um momento, mas sabia que não conseguiria ignorar aquele chamado. Ela o seguiu, descendo a escadaria estreita. O ar lá embaixo era mais frio, quase gélido, e a única iluminação vinha de pequenas lâmpadas no teto. Ao chegarem ao final, Camila se viu em um espaço completamente diferente do ateliê acima. Era uma sala mais escura, sem janelas, e coberta por pinturas e esculturas que pareciam muito mais pessoais, mais cruas.

Ela ficou parada, absorvendo o ambiente. As obras ali tinham uma intensidade diferente. Eram mais sombrias, mais viscerais. Cada uma parecia carregar uma dor profunda, um sentimento reprimido.

— Essas são minhas verdadeiras criações — disse Davi, a voz baixa, quase um sussurro. — O que você vê lá em cima, no ateliê, é para o mundo. Isso aqui… isso sou eu.

Camila caminhou até uma das pinturas mais próximas. Era uma obra abstrata, mas a angústia irradiava dela de forma quase palpável. Ela se virou para ele, sem saber o que dizer. Davi estava mais vulnerável do que nunca, expondo uma parte de si que claramente mantinha escondida de todos.

— Por que está me mostrando isso? — perguntou, a voz suave, como se temesse quebrar o momento.

Davi a olhou profundamente, seus olhos sombrios e intensos.

— Porque você é a única pessoa que parece enxergar além das aparências, Camila. E porque, de alguma forma, acho que você também carrega suas próprias sombras.

Ela engoliu em seco. Ele estava certo. Havia tanto dela mesma que ela mantinha escondido, tanto que ainda a assombrava. Mas o que ele não sabia era o quanto aquilo a fazia se sentir exposta.

— Todos nós temos nossas sombras — disse ela, olhando para uma escultura que parecia representar uma figura humana distorcida pela dor. — Mas alguns de nós não sabem como lidar com elas.

— E você? — Davi deu um passo à frente, sua voz baixa e carregada de emoção. — Como lida com as suas?

Camila o encarou, sentindo a intensidade do momento crescer entre eles. Estava ali, a um passo de uma verdade que ela temia admitir, não só para ele, mas para si mesma.

— Eu as escondo — respondeu, quase num sussurro. — Sempre escondi. Mas isso não as faz desaparecer.

Davi deu um passo mais próximo, e agora estava tão perto que ela podia sentir o calor de seu corpo, contrastando com o frio da sala.

— Você não precisa se esconder de mim, Camila — disse ele, a voz rouca e suave. — Assim como eu não preciso me esconder de você.

A confissão silenciosa entre eles pairava no ar. O peso das palavras não ditas era tão forte quanto o desejo que ambos começavam a admitir. Era como se as sombras de ambos tivessem encontrado um reflexo mútuo, uma conexão invisível e profunda.

Camila sentiu o coração bater mais rápido, o ar ao redor deles quase elétrico com a tensão. Davi estava tão perto agora que, se ela quisesse, poderia simplesmente estender a mão e tocá-lo. Mas ela não se moveu, não ainda. Havia algo mais a ser dito, algo mais a ser enfrentado.

— Você está me dando muito mais do que um trabalho, Davi — murmurou, os olhos fixos nos dele.

Ele sorriu de leve, um sorriso triste.

— E você está me mostrando algo que eu achei que tinha perdido — disse ele, dando um passo ainda mais próximo. — Confiança.

O silêncio entre eles se tornou quase insuportável, carregado de significado. O mundo ao redor parecia desaparecer, deixando apenas os dois, envoltos em suas próprias sombras, mas agora, pela primeira vez, dispostos a enfrentá-las juntos.

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