Estava tão absorta em meus pensamentos que nem vi minha gorduchinha sentar ao meu lado.
– Mamãe, está chorando de novo? O que foi? – ela diz preocupada, secando uma lágrima minha.
– Ah, minha pequena Luz... não tenho nada, meu amor. É só a mamãe lembrando algumas coisas da vida.
– Coisas ruins? – ela fica realmente preocupada quando me vê chorando.
– Já passou, minha gatinha – digo fungando. – Estava lembrando o dia em que você nasceu.
– Conta mamãe, conta mamãe. – Ela adora ouvir a história de seu nascimento, ainda mais que conto como se fosse um conto de fadas.
– A mamãe conta só se você prometer que depois vai tomar banho para eu te levar para a tia Jô e ir trabalhar. Promete, espoletinha?
– Sim, mamãe, eu prometo. – Ela jura com dedinho, então sorrio e começo a contar:
– “Era uma vez, uma garota muito bonita chamada Cindy, ela era a princesa mais feliz do reino inteiro. Um belo dia, a princesa conhece o plebeu David e se apaixona por ele e ele por ela. Os pais da princesa não queriam permitir que eles namorassem, só que a princesa amava muito o plebeu e mesmo contra gosto dos pais, ficou com ele. Passou-se vários anos e a princesa descobriu que estava esperando um pontinho de luz, que era fruto do amor dela pelo plebeu.”
– E o que mais mamãe? O que mais? – ela fica muito empolgada quando ouve essa história.
– Se você interromper a história não vai dar para continuar. – Ela faz sinal de silêncio, eu sorrio e continuo:
– “Depois que a princesa descobriu que estava grávida do seu pontinho de luz, ela correu para contar ao seu amor o que descobrira, porém, o amado não reagiu muito bem à notícia e foi para uma longa viagem. Ela muito triste, contou para os reis sobre o pontinho e como seus pais queriam que ela fizesse uma coisa muito feia e como ela não quis fazer essa coisa feia, fugiu do seu castelo, já que queriam fazer mal ao seu pontinho.”
Nesse momento, acaricio seu rosto e continuo:
– “Então ela foi parar em um vilarejo muito distante de seu reino, conseguiu comprar uma casinha e com ajuda de quatro anjos conseguiu montar o quarto mais lindo para a sua pequena. A princesa deixou de se chamar Cindy e virou Cinderela e trabalhou muito até que no dia sete de Dezembro, enquanto estava no trabalho, sentiu uma dor muito forte e foi para o hospital, onde às 18:00h, seu pontinho, que agora tinha o nome de Luz, veio ao mundo com 3Kg e 850gm. Depois que Luz veio ao mundo, Cinderela nunca mais se sentiu sozinha. Cindy agradece todos os dias ao universo por ter sido presenteada com o maior tesouro de sua vida.”
Assim que termino a história, Luz fica me encarando por alguns minutos e sei que lá vem pergunta, só espero que seja fácil.
– Mamãe, na história da Cinderela que vi na televisão, ela esquece o sapatinho de vidro na escada e o príncipe encontra ela depois. Será que o papai já achou o seu sapatinho e está te procurando para me conhecer? – toda a vez que conto a história do seu nascimento ela me pergunta a mesma coisa.
Um nó se forma em minha garganta e preciso disfarçar, pois minha pequena é muito esperta, vou confessar que esse é o momento mais difícil. A cada dia que passa, Luz pergunta mais e mais pelo seu pai e não posso lhe contar a verdade, ela é muito pequena, não quero vê-la sofrer a dor da rejeição como eu, acho que nunca contarei a verdade e espero que um dia ela possa conhecer David.
Sei que ela sente falta e sonha com o pai que nunca conheceu porque não a quis e isso me deixa profundamente triste. Respiro fundo e tento responder a minha baixinha.
– Filha, a mamãe deixou o sapatinho para trás porque não cabia mais no pé dela.
– Por que mamãe? Seu pé ficou grandão? – ela pergunta e olha para os meus pés e acabo soltando uma gargalhada e agora vou tentar explicar melhor para que ela entenda.
– Não, meu bebê, muitas vezes o sapato é do nosso tamanho, mas de alguma forma não cabe mais. Um dia você vai ficar mocinha e vai entender melhor, o que a mamãe está dizendo é uma frase no sentido figurado.
– E o que a gente faz quando o sapatinho de vidro não dá mais? E o que é sentido figurado? – cada dia que passa está mais difícil explicar as coisas a essa criança. Penso por um instante e respondo.
– Às vezes, para seguirmos adiante, precisamos deixar algo ou alguém que não pode nos acompanhar, para trás. Para te explicar a situação, a mamãe usou a palavra sapatinho no sentido figurado. – Ela ainda me olha meio sem entender, mas tenho outra explicação melhor. – Agora chega de perguntas, dona curiosa. Toco seu nariz com o indicador e ela começa a rir.
– Mamãe, mamãe, eu tenho avós? Um dia vou conhecer eles? – muitas perguntas difíceis de responder em um único dia.
– Todas as pessoas têm avós meu amor, e quem sabe um dia os conheça, Luz. Agora a senhorita vai já para o chuveiro tomar um banho.
– Tá bom, mamãe! Eu acho que o papai vai pegar o seu sapatinho e vai te achar e vai ser igual o desenho. E quando ele te achar vai poder me conhecer e vamos ser felizes para sempre que nem na historinha.
– Quem sabe, meu amor! Mas agora é hora de voltar à realidade, minha princesa.
Dou banho em Luz e observo o quanto ela se parece com David. Os cabelos castanhos, os olhos cor de mel esverdeado, a pintinha no pescoço e muitas outras características. Como pode a mãe carregar nove meses e a menina nasce a cópia fiel do pai?
Quando eu estava grávida, sentia muito enjoo e azia, tinha dias que eu nem conseguia dormir e conforme a gestação ia avançado, as dores iam se intensificando. Vou confessar que mesmo tendo a ajuda de todos os meus novos amigos, eu me sentia sozinha e confesso que muitas vezes quando as dores estavam insuportáveis, eu me transportava para o passado, quando era feliz e quando me sentia segura nos braços de David. Para os momentos que ele dizia me amar incondicionalmente e que dizia que lutaríamos contra tudo e todos e por alguns segundos aqueles momentos eram o meu consolo, mas logo voltava para a realidade e estava sozinha tentando sobreviver.
Todos os dias olho no espelho e digo a mim mesma que não o amo. A quem quero enganar! Esse sentimento ainda está vivo dentro de mim como uma chama que nunca se apaga. Já tentei tocar a vida pra frente e namorar outro rapaz, mas infelizmente não deu certo. Carlos era um doce, não tinha como não amá-lo, mas infelizmente eu não consegui me desprender de David. Às vezes, eu queria saber como ele está, mas tenho medo de saber que ele refez a vida enquanto a tonta aqui parou no tempo.
Deixei Luz brincar um pouco na água enquanto fico remoendo o passado. Desligo o chuveiro, arrumo minha pequena e a deixo com Jô, dou-lhe um beijo e sigo para meu trabalho.
Chegando ao bar, ponho meu avental e começo a trabalhar. Dona Guta surge da cozinha e me olha preocupada.– Aconteceu alguma coisa, menina? – ela analisava meu rosto enquanto esperava a minha resposta.– Nada demais, dona Guta. Só os problemas de sempre, sabe? A Luz anda mais curiosa que o normal e já não tenho mais ideias de como responder às suas perguntas.– Tente conversar com ela, conte a verdade e oculte as partes dolorosas. – Olho para ela por alguns instantes e por fim lhe digo.– Dona Guta, se eu for contar a história real para ela, só tem as partes tristes, entende? Como vou contar para a criança que o pai não a quis, que a mãe sofreu na gestação sozinha?– Mas você também pode contar que a mãe não desistiu dela e mesmo sabendo que enfrentaria tudo sozinha, a quis. – Uma lágr
Hoje é minha folga. Acordei bem cedo pois queria passar o dia com minha princesa, mas a nossa casa estava pedindo socorro e como Luz tem problemas respiratórios, pedi para Jô ficar com ela por alguns instantes enquanto dava um jeito na bagunça. Assim que vejo que consegui limpar tudo, pego minha princesa e fazemos um dia das garotas, onde eu faço hidratação em nossos cabelos, nossas unhas e assistimos filmes que sempre são da Barbie ou da Frozen e comemos um monte de besteira que a deixa super feliz. Sei que trabalho muito e não posso dar a ela toda atenção devida. O bom é que Luz, apesar da pouca idade, é muito compreensiva e sabe que não faço isso sem motivo, afinal, ser mãe e pai é trabalho em dobro, mas vale a pena ver o sorriso que ela me dirige nos momentos em que estamos sozinhas. Olho para ela e tenho uma ideia.– Princesa, que tal você e eu colhermos laranja? – os olhinhos dela se iluminam.– Podemos fazer um bolo mamãe?– Claro, meu amor.– Vamos fa
Chegamos a casa de Jô e assim que ela nos vê abre o portão.– Oi, tia Jô. Eu e minha mãe fizemos bolo pra todo mundo e ela guardou um grandão pra você.– Que bom, Chapeuzinho Vermelho. Tem uma lobinha vendo televisão que vai adorar te ver. – Minha amiga nem precisa terminar e minha pimenta já sai correndo para ver a amiga, me pergunto se elas não se cansam de passar tanto tempo juntas.– E aí amiga, como você está? Vejo que deu um jeito em você... gosto de te ver assim, sabia?– Obrigada, amiga. Hoje foi um dia perfeito, tirando a parte do que aconteceu no sítio do falecido seu Toninho. – Rapidamente sua curiosidade se aguça e sei que ela vai querer saber de tudo.– Deixa eu passar um café e aí você me conta tudo. – Ela corre para a cozinha para fazer café e eu vou para a sala ficar com as meninas, dar um beijinho na Bia e agradecer a ela por ter defendido minha filha.Jô aparece co
Estávamos conversando sobre a minha tarde louca quando avistamos dois pequenos furacões chamadas Bia e Luz entrando quase derrubando Rick no chão.– Luz, você vai machucar o seu tio. – Advirto minha pequena e ela pede desculpa muito envergonhada.– Para de ser chata Cindy, a menina está brincando com o dindo dela. Não é, minhas pequenas?Luz abre um sorriso e abraça o tio. Depois Bia se joga nos braços do pai e Luz fica observando a interação de pai e filha e sei muito bem no que ela está pensando. Nesse momento, uma lágrima escorre e eu tento limpar antes que ela perceba. Sei que ela gostaria de ter seu pai por perto e sei como isso é impossível, afinal, David deve estar casado e não vou procurá-lo. Ele nos rejeitou uma vez, nada impede ele de renegar a paternidade de Luz.– Amiga, tá tudo bem? –
Já se passaram dez dias desde que assumi o bar enquanto os donos estão em outro estado e hoje estou em uma correria sem tamanho, ainda mais que acrescentei café da manhã e lanches variados ao bar e a freguesia aumentou ao ponto de ter que por mesas para o lado de fora do bar.Ontem Logan veio aqui e tomou café, elogiou muito a comida e me deixou uma gorjeta bem generosa. Ele ficou me olhando e eu me senti estranha e logo fui me ocupar de servir os outros clientes, mas a sensação de ser observada por ele continuou. Talvez eu esteja louca.Estava atendendo uns clientes quando ouço gritinhos animados que logo me deixa feliz.– Mamãe, mamãe, olha!! O meu dente caiu!! – vejo minha filhinha banguelinha mostrando o dentinho em uma toalhinha.– Desculpa Cindy, mas Luz não parou quieta até eu trazê-la aqui para te mostrar o dentinho. – Dou um sorriso p
Já se passou um mês e meio e nada de dona Guta e seu Zé voltarem, só não fico tão preocupada porque eles me ligam quase todos os dias. Hoje eles me disseram que iriam estender as férias mais um pouco. Logan apareceu novamente. Na verdade, tem se tornado um hábito tê-lo aqui todos os dias, pelo menos duas vezes ao dia.Às vezes ele não come nada, apenas pede um café e fica conversando comigo, depois vai embora e deixa uma boa gorjeta. Já falei com ele sobre isso, mas ele diz que faz em qualquer lugar.Dona Branca chega e faz um pedido grande.– Hoje a senhora vai querer cinco marmitas?– Minha filha, meu netinhos vieram me visitar sem avisar e estou na correria, nunca vi um bando de crianças comerem tanto. E meu outro filho chegou também e não têm nada preparado e eles estão reclamando de fome.– Nossa, d
Fecho o bar e vou à casa de Rogéria, mãe de Viviane. Chamo no portão e logo a menina aparece.– Oi, tia.– Oi, meu amor, sua mãe está em casa?– Tá, sim. Pera que vou chamar ela. Mãe!! A tia Cindy tá aqui.Não demora muito Rogéria aparece com aquele sorriso falso de sempre.– Oi, meu bem, como você está? – tenho vontade de revirar os olhos, mas não os faço.– Vou muito bem, Rogéria. Preciso conversar com você.– Tem que ser bem rapidinho, estou com a manicure me esperando.– O que me traz aqui é o comportamento da Viviane. Ela tem dito coisas nada agradáveis para Luz e isso a tem magoado muito. Gostaria que conversasse com ela.– Mas o que ela disse? Minha filha é sempre muito verdadeira.– Há verdades que
(Anos antes na casa dos Campellos).A mãe de Cindy arruma a casa e prepara a comida para a chegada do esposo, que está no trabalho. No trabalho, o esposo pensa o quanto gostaria de dar uma vida melhor para a esposa e a filha que irá nascer em breve.Ele chega em casa cansado e vê a sua humilde casa muito bem arrumada, a comida pronta e perfumando o pequeno lugar e se sente abençoado por ter aquilo. A esposa, muito feliz por sua chegada, o beija apaixonadamente e ele por sua vez, a abraça e diz que a ama. Se agacha e, pondo a mão na ventre protuberante da esposa, fala com sua filha que, assim que ouve a voz do pai, começa a dar piruetas de alegrias.– Meu amor, eu gostaria de dar uma vida melhor para vocês duas, uma casa maior onde nossa filha pudesse ter seu próprio quarto.– Não esquenta com isso, Sérgio. A nossa f