Este capítulo marca um momento crucial na jornada de Estelle: o reencontro com sua família, o alívio esmagador, mas também a semente da dúvida. Quis trazer a emoção à flor da pele, onde cada abraço carrega o peso da dor e do amor. No entanto, entre as lágrimas, há silêncios que falam mais do que palavras, olhares que escondem verdades não ditas. Marta e Paulo parecem oferecer segurança, mas há algo na maneira como agem que instiga um sutil desconforto. Estelle não apenas luta contra o trauma do que viveu, mas também contra a sensação de que nem tudo está resolvido. O que realmente aconteceu antes de sua volta? Quem está ao seu lado por amor e quem tem segundas intenções? Essas perguntas ainda ecoam, e a resposta pode ser mais sombria do que ela imagina. Afinal, nem todo abraço é proteção — às vezes, é apenas uma prisão disfarçada.
Estelle tentava, dia após dia, se adaptar à nova rotina com os filhos, Marta e Antônio, ao seu lado. Mas, por mais que se esforçasse, um peso silencioso ainda pairava sobre ela, um desconforto que parecia acompanhar cada passo. Quando soube da gravidez de sua irmã, um leve sorriso apareceu em seus lábios. A chegada de mais um membro à família era, de fato, uma boa notícia. Um novo começo, uma razão a mais para continuar. No entanto, mesmo com a felicidade por finalmente estar reunida com os seus, algo dentro dela ainda permanecia imenso e inerte, como uma sombra que não se afastava.Marta, sempre atenta às necessidades de Estelle, agendou uma consulta com uma psiquiatra de renome, recomendada por seu obstetra. Quando Paulo soube, sua reação foi imediata. Queria saber quem era a profissional, insistindo em acompanhá-la nas consultas. Mas Marta e Estelle se mantiveram firmes em sua decisão.— Paulo, essa é uma escolha que diz respeito a mim e à Estelle — Marta afirmou com firmeza, seus o
O aroma doce de chocolate e baunilha tomava conta da cozinha de Estelle naquela tarde de sábado. O som de risadas infantis e o barulho das colheres batendo nas tigelas preenchiam o ambiente. Seus filhos estavam animados, ajudando-a a preparar brownies e bolos de pote.Quando Marta entrou na casa, sentiu-se acolhida por aquele calor familiar. No entanto, antes que pudesse sequer abrir a boca, seus olhos encontraram os de Estelle. A alegria que brilhava ali momentos antes foi rapidamente substituída por uma sombra de preocupação. Marta ficou paralisada por alguns instantes, incapaz de ignorar a súbita apreensão da irmã. Estelle sempre fora perspicaz, e algo dentro dela já intuía que a visita inesperada de Marta não era apenas um gesto casual.As crianças, alheias à tensão no olhar da mãe, correram até Marta e a envolveram em um abraço apertado. Ela sorriu, tentando afastar seus próprios receios, e abraçou os sobrinhos com força, sentindo a ternura que apenas aqueles pequenos braços podia
Estelle já não dependia tanto dos medicamentos. Aos poucos, ela conseguia se reconectar com a rotina, participando mais da vida de seus filhos. O sorriso deles, as risadas que ecoavam pela casa, a simplicidade do dia a dia, mas com uma profundidade que ela nunca tinha percebido antes, começavam a trazer-lhe uma paz que parecia perdida. Contudo, à medida que se aproximava dos filhos, algo estava se afastando: seu marido, Paulo. As conversas entre eles tornaram-se breves, frias. O que antes eram gestos de carinho, agora pareciam distantes, mecânicos. Eles começaram a dormir em quartos separados, e embora não fosse um afastamento definitivo, era uma tentativa de recuperar o controle sobre sua vida, de dar a si mesma o espaço que tanto necessitava.Paulo protestou, sentindo-se rejeitado e ferido, mas Estelle não cedeu. Ela precisava de tempo, de respirar sem a pressão constante de uma relação que já não a fazia sentir-se segura. O peso da culpa a acompanhava, mas ela sabia que não poderia
Estelle acordou com um sobressalto, os olhos se arregalando em pânico. Olhou para os lados, sentindo um peso esmagador, como se algo tentasse emergir das profundezas de sua memória.— Onde... onde estou? O que aconteceu? — Estelle murmurou, tentando processar tudo.Então, ela ouviu a voz suave de Marta, que estava ao seu lado, segurando sua mão com uma ternura que só uma irmã poderia expressar.— Você teve um colapso, Estelle — explicou Marta, com voz baixa. — Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Você está em um hospital. Mas agora é diferente, estou aqui eu e Antônio, não vamos sair do seu lado. Até você ir para casa.O cheiro de hospital, o barulho abafado das máquinas e o som distante de vozes a confundiram por um instante. Ela se moveu e, aliviada, não sentiu dores – apenas uma pressão nas têmporas. Observou as paredes; o verde suave lhe trouxe a certeza de que não estava no mesmo hospital. Estava em um lugar seguro – mas o medo ainda pulsava em suas veias.— Você está segura. Est
O turbilhão de emoções e desespero que levou Estelle até a casa de Murilo a fez cruzar a linha tênue entre a razão e a loucura. Lá fora, o silêncio imperava como um véu pesado, mas dentro das paredes, seus corações martelavam em ritmo de tambores de guerra – cada batida ecoando nas vigas da casa como um segredo proibido. Murilo não a questionou — apenas abriu os braços como um porto seguro, oferecendo palavras que ecoavam promessas antigas: “Você nunca precisou dele. Sempre fui eu.” E ela, frágil como vidro soprado, deixou-se quebrar em seus braços. Foi naquela noite, entre lençóis embebidos de culpa e desejo, que a semente de uma vida começou a crescer dentro dela. Quando o médico confirmou a gravidez semanas depois, o medo se instalou como uma faca no peito.Consumida pela culpa, ela confessou tudo a Paulo. Para sua surpresa, ele a perdoou e garantiu que não importava quem era o verdadeiro pai; criariam a criança como se fosse deles. No entanto, impôs uma condição inegociável: Es
Estelle respirou fundo antes de começar a falar. Com a voz trêmula, mas firme, ela narrou ao delegado cada fragmento de memória que conseguira recuperar. Contou sobre o cativeiro, sobre as manipulações de Murilo e Paulo, sobre os horrores que havia vivido e as mentiras que a fizeram duvidar da própria sanidade. Quando terminou, sentiu-se esgotada, como se tivesse esvaziado a alma.O delegado ouviu tudo atentamente e, sem hesitar, ordenou que uma viatura fosse enviada imediatamente à casa do casal para prendê-lo. No entanto, ao chegarem lá, não encontraram ninguém. A sensação de duplo perigo iminente permaneceu no ar, como um espectro silencioso à espreita.Paulo ligou para Murilo e, minutos depois, os dois estavam no carro de Murilo, estacionados em uma rua tranquila. O silêncio da noite parecia envolver tudo ao redor, tornando o ambiente ainda mais tenso. Paulo sabia que, no fundo, Murilo ainda alimentava uma chama de esperança, uma paixão que poderia ser facilmente manipulada.Aproxi
Dias depois, com a poeira baixada e as investigações encerradas, Estelle sentiu um vazio profundo. O peso das tragédias que marcaram sua vida parecia ainda pairar no ar, como uma nuvem escura que se recusava a dissipar. A morte de Murilo e Paulo, as consequências de escolhas passadas e a dor de tudo o que havia sido perdido a faziam se sentir como se estivesse presa em um ciclo interminável de sofrimento.Foi então que Antônio recebeu a resposta da universidade, informando que, caso ele não aceitasse a vaga no próximo semestre, o departamento de química teria que ser oferecido a outro professor. Sem hesitar, Antônio e Marta tomaram a decisão de retornar à Inglaterra o mais rápido possível, sabendo que o tempo era crucial.Marta, sempre ao seu lado, havia decidido acompanhar o marido, e seu convite para Estelle acompanhá-los foi, de alguma forma, um impulso que ela precisava. Não estava pronta para recomeçar sozinha, mas sabia que, com a ajuda da irmã do cunhado, poderia encontrar uma n
O avião tocou o solo inglês sob um céu acinzentado e uma fina garoa, como se o clima tivesse decidido refletir o estado de espírito de Estelle. Ao seu lado, Betriza bufava entediada, e Marina dormia com a cabeça em seu colo. Pablo, desperto e alerta, observava tudo com olhos curiosos.O aeroporto parecia silencioso demais. Era tudo muito limpo, muito frio, muito longe. Estelle engoliu em seco. Ao longe, um homem de cabelos grisalhos e uma senhora de postura elegante se aproximavam. Eram os pais de Antônio — e sorriam como se aquele momento fosse a chegada da própria primavera.A mãe de Antônio estendeu os braços com delicadeza e abraçou Antônio e Marta ao mesmo tempo, como quem já havia esperado demais por aquele reencontro. Estelle recebeu um abraço caloroso de Thomas Wycliffe e sentiu o impulso de recuar, mas Marina acordou bem nesse instante e, sem entender muito, caiu nos braços do pai de Antônio como se fosse o lugar mais natural do mundo. Betriza permaneceu imóvel, observando de