Este capítulo marca um ponto crucial na jornada de Estelle. Mais do que a fuga física, trata-se da libertação emocional e psicológica de um ciclo de manipulação e incertezas. A tensão crescente entre ela e Murilo atinge seu ápice, revelando não apenas o desespero dele, mas também a força dela ao reivindicar sua própria verdade. Quis explorar a fragilidade da memória e como nossas percepções podem ser distorcidas pelo medo e pela influência alheia. O anel que Murilo lhe entrega simboliza não apenas o passado nebuloso, mas também as peças do quebra-cabeça que ela ainda precisa montar. Além disso, a fuga dele sugere que essa história está longe de acabar. Murilo ainda está lá fora, e o aviso de Eduardo reforça essa ameaça latente. Estelle venceu uma batalha, mas a guerra contra seu passado e seus próprios fantasmas continua.
Estelle desceu da ambulância com a ajuda do enfermeiro. Suas pernas vacilaram – não por fraqueza, mas pelo alívio esmagador que lhe roubava o fôlego.Ela se apoiou no enfermeiro antes que desabasse no chão e, num gesto feroz, envolveu as filhas nos braços. Beijou-lhes os rostos, os cabelos, sentiu a textura das roupas, aspirou o cheiro familiar – como se precisasse de cada detalhe para ter certeza de que eram reais. — Pablo... — murmurou, a voz embargada, estendendo os braços para o filho mais novo. Mas seus músculos tremeram, recusando-se a sustentá-lo.Antes que ela pudesse fraquejar ainda mais, um homem – um vizinho? Um parente? – interveio, pegando Pablo com delicadeza.— Vamos te ajudar a entrar — sussurrou Marta.Estelle hesitou por um instante, como se seus pés tivessem criado raízes ali, naquele momento de reencontro. Então, virou-se para Marta e, sem precisar de palavras, jogou-se em seus braços. As duas se abraçaram forte, e as lágrimas vieram como uma enxurrada, sem controle
Estelle tentava, dia após dia, se adaptar à nova rotina com os filhos, Marta e Antônio, ao seu lado. Mas, por mais que se esforçasse, um peso silencioso ainda pairava sobre ela, um desconforto que parecia acompanhar cada passo. Quando soube da gravidez de sua irmã, um leve sorriso apareceu em seus lábios. A chegada de mais um membro à família era, de fato, uma boa notícia. Um novo começo, uma razão a mais para continuar. No entanto, mesmo com a felicidade por finalmente estar reunida com os seus, algo dentro dela ainda permanecia imenso e inerte, como uma sombra que não se afastava.Marta, sempre atenta às necessidades de Estelle, agendou uma consulta com uma psiquiatra de renome, recomendada por seu obstetra. Quando Paulo soube, sua reação foi imediata. Queria saber quem era a profissional, insistindo em acompanhá-la nas consultas. Mas Marta e Estelle se mantiveram firmes em sua decisão.— Paulo, essa é uma escolha que diz respeito a mim e à Estelle — Marta afirmou com firmeza, seus o
O aroma doce de chocolate e baunilha tomava conta da cozinha de Estelle naquela tarde de sábado. O som de risadas infantis e o barulho das colheres batendo nas tigelas preenchiam o ambiente. Seus filhos estavam animados, ajudando-a a preparar brownies e bolos de pote.Quando Marta entrou na casa, sentiu-se acolhida por aquele calor familiar. No entanto, antes que pudesse sequer abrir a boca, seus olhos encontraram os de Estelle. A alegria que brilhava ali momentos antes foi rapidamente substituída por uma sombra de preocupação. Marta ficou paralisada por alguns instantes, incapaz de ignorar a súbita apreensão da irmã. Estelle sempre fora perspicaz, e algo dentro dela já intuía que a visita inesperada de Marta não era apenas um gesto casual.As crianças, alheias à tensão no olhar da mãe, correram até Marta e a envolveram em um abraço apertado. Ela sorriu, tentando afastar seus próprios receios, e abraçou os sobrinhos com força, sentindo a ternura que apenas aqueles pequenos braços podia
Estelle já não dependia tanto dos medicamentos. Aos poucos, ela conseguia se reconectar com a rotina, participando mais da vida de seus filhos. O sorriso deles, as risadas que ecoavam pela casa, a simplicidade do dia a dia, mas com uma profundidade que ela nunca tinha percebido antes, começavam a trazer-lhe uma paz que parecia perdida. Contudo, à medida que se aproximava dos filhos, algo estava se afastando: seu marido, Paulo. As conversas entre eles tornaram-se breves, frias. O que antes eram gestos de carinho, agora pareciam distantes, mecânicos. Eles começaram a dormir em quartos separados, e embora não fosse um afastamento definitivo, era uma tentativa de recuperar o controle sobre sua vida, de dar a si mesma o espaço que tanto necessitava.Paulo protestou, sentindo-se rejeitado e ferido, mas Estelle não cedeu. Ela precisava de tempo, de respirar sem a pressão constante de uma relação que já não a fazia sentir-se segura. O peso da culpa a acompanhava, mas ela sabia que não poderia
Estelle acordou com um sobressalto, os olhos se arregalando em pânico. Olhou para os lados, sentindo um peso esmagador, como se algo tentasse emergir das profundezas de sua memória.— Onde... onde estou? O que aconteceu? — Estelle murmurou, tentando processar tudo.Então, ela ouviu a voz suave de Marta, que estava ao seu lado, segurando sua mão com uma ternura que só uma irmã poderia expressar.— Você teve um colapso, Estelle — explicou Marta, com voz baixa. — Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Você está em um hospital. Mas agora é diferente, estou aqui eu e Antônio, não vamos sair do seu lado. Até você ir para casa.O cheiro de hospital, o barulho abafado das máquinas e o som distante de vozes a confundiram por um instante. Ela se moveu e, aliviada, não sentiu dores – apenas uma pressão nas têmporas. Observou as paredes; o verde suave lhe trouxe a certeza de que não estava no mesmo hospital. Estava em um lugar seguro – mas o medo ainda pulsava em suas veias.— Você está segura. Est
O turbilhão de emoções e desespero que levou Estelle até a casa de Murilo a fez cruzar a linha tênue entre a razão e a loucura. Lá fora, o silêncio imperava como um véu pesado, mas dentro das paredes, seus corações martelavam em ritmo de tambores de guerra – cada batida ecoando nas vigas da casa como um segredo proibido. Murilo não a questionou — apenas abriu os braços como um porto seguro, oferecendo palavras que ecoavam promessas antigas: “Você nunca precisou dele. Sempre fui eu.” E ela, frágil como vidro soprado, deixou-se quebrar em seus braços. Foi naquela noite, entre lençóis embebidos de culpa e desejo, que a semente de uma vida começou a crescer dentro dela. Quando o médico confirmou a gravidez semanas depois, o medo se instalou como uma faca no peito.Consumida pela culpa, ela confessou tudo a Paulo. Para sua surpresa, ele a perdoou e garantiu que não importava quem era o verdadeiro pai; criariam a criança como se fosse deles. No entanto, impôs uma condição inegociável: Es
Estelle respirou fundo antes de começar a falar. Com a voz trêmula, mas firme, ela narrou ao delegado cada fragmento de memória que conseguira recuperar. Contou sobre o cativeiro, sobre as manipulações de Murilo e Paulo, sobre os horrores que havia vivido e as mentiras que a fizeram duvidar da própria sanidade. Quando terminou, sentiu-se esgotada, como se tivesse esvaziado a alma.O delegado ouviu tudo atentamente e, sem hesitar, ordenou que uma viatura fosse enviada imediatamente à casa do casal para prendê-lo. No entanto, ao chegarem lá, não encontraram ninguém. A sensação de duplo perigo iminente permaneceu no ar, como um espectro silencioso à espreita.Paulo ligou para Murilo e, minutos depois, os dois estavam no carro de Murilo, estacionados em uma rua tranquila. O silêncio da noite parecia envolver tudo ao redor, tornando o ambiente ainda mais tenso. Paulo sabia que, no fundo, Murilo ainda alimentava uma chama de esperança, uma paixão que poderia ser facilmente manipulada.Aproxi
Dias depois, com a poeira baixada e as investigações encerradas, Estelle sentiu um vazio profundo. O peso das tragédias que marcaram sua vida parecia ainda pairar no ar, como uma nuvem escura que se recusava a dissipar. A morte de Murilo e Paulo, as consequências de escolhas passadas e a dor de tudo o que havia sido perdido a faziam se sentir como se estivesse presa em um ciclo interminável de sofrimento.Foi então que Antônio recebeu a resposta da universidade, informando que, caso ele não aceitasse a vaga no próximo semestre, o departamento de química teria que ser oferecido a outro professor. Sem hesitar, Antônio e Marta tomaram a decisão de retornar à Inglaterra o mais rápido possível, sabendo que o tempo era crucial.Marta, sempre ao seu lado, havia decidido acompanhar o marido, e seu convite para Estelle acompanhá-los foi, de alguma forma, um impulso que ela precisava. Não estava pronta para recomeçar sozinha, mas sabia que, com a ajuda da irmã do cunhado, poderia encontrar uma n