Murilo estava sentado no canto mais escuro do cativeiro, onde a luz fraca mal alcançava seu corpo. Seus olhos fixos em Estelle, que dormia profundamente, estudavam cada detalhe dela com uma intensidade perturbadora. Observava a respiração calma, o leve tremor dos lábios e os movimentos sutis enquanto ela permanecia impassível. Estava fascinado, quase hipnotizado, como se tentasse decifrar os segredos que ela guardava mesmo em seu estado inconsciente. Mas não podia ignorar os curativos na cabeça, as escoriações no rosto que marcavam o acidente. Cada ferimento era um lembrete doloroso de que Paulo não conseguira protegê-la. Como pudera deixar isso acontecer? Como permitira que ela chegasse a esse estado? A raiva crescia dentro dele, não apenas por Paulo, mas por si mesmo. Que se deixou enganar pelas mentiras do irmão.— Paulo sempre foi o culpado — murmurou, com os olhos fixos no rosto sereno dela. — Tudo o que está acontecendo agora é por causa dele. Ele fez você acreditar que eram uma
Antônio estacionou o carro nos fundos do pátio do hospital, longe dos holofotes dos repórteres que se aglomeravam na entrada principal. Cada flash de câmera parecia uma ameaça, uma lembrança de que o desaparecimento de Estelle não era mais um segredo. Ele olhou para Marta, cujo rosto pálido refletia a exaustão de dias sem respostas. Um frio cortante percorreu seu estômago ao pensar na cunhada desaparecida. Quase três dias haviam se passado, e as autoridades ainda não tinham nenhuma pista sobre seu paradeiro. A cada dia decorrido, a angústia aumentava.Do outro lado do estacionamento, Rudney observava Antônio ajudar Marta a descer do carro. Seus olhos fixaram-se nela por um momento. Ela havia se tornado uma mulher incrivelmente bela, mas era mais do que isso. Havia uma força e uma determinação em seus olhos que ele sempre admirara. Ele se lembrou dela na juventude, da paixão que sentira por ela, mas que nunca confessara. A diferença de idade parecia um abismo na época, e ele, determinad
Antônio dirigia com cuidado, com Paulo e as crianças no carro. Eles acabavam de sair do hospital, e o silêncio no veículo era quase palpável. Os semblantes sérios e os olhos distantes indicavam que cada um estava perdido em seus próprios pensamentos, imersos nas tensões que a situação trazia.Quando Antônio virou à esquerda, Paulo, com voz áspera, interrompeu o silêncio: — O endereço da minha casa fica em outra direção. Sem olhar para trás, Marta respondeu com firmeza: — Sua casa não tem condições de nos abrigar, Paulo. Eu não vou ficar longe das crianças. Estamos morando na casa dos meus pais agora. Lá temos quartos suficientes e uma suíte no térreo, já que você não pode subir e descer escadas. Além disso, já matriculei as crianças em uma escola a duas quadras da casa.Betriza perguntou se não voltariam mais para Porto Belo e por que a mãe não tinha vindo com eles. Pablo, que estava no colo dela, olhou fixamente para Marta, esperando uma resposta. Sorrindo para ele e alisando seu c
Naquela mesma noite, após a discussão com Paulo, Marta sentou-se na varanda da casa dos pais, o café ainda quente entre as mãos. O aroma suave da bebida misturava-se ao cheiro da noite, enquanto o vento trazia consigo memórias que ela tentara enterrar há muito tempo. Era estranho como, após anos, aquela cena ainda conseguia fazê-la sentir um nó no estômago, como se o passado insistisse em não ser esquecido.Ela fechou os olhos, e a imagem de Rudney invadiu sua mente como se fosse ontem. O rosto dele, a voz firme, as palavras cortantes — tudo voltava com uma clareza que a deixava sem ar. Marta apertou a xícara com mais força, sentindo o calor do café penetrar em suas mãos. "Por que ele ainda tem esse poder sobre mim?", pensou, frustrada consigo mesma.Era uma noite quente de verão, e ela tinha apenas dezoito anos. Rudney, alguns anos mais velho, sempre fora uma figura fascinante para ela — inteligente, charmoso e com um ar de mistério que a atraía como um ímã. Naquela noite, após uma fe
Estelle sentiu uma brisa suave acariciar seu rosto. Um toque sutil que trazia um breve conforto. Logo em seguida, algo quente e macio tocou seus lábios. Deslizou suavemente por sua face, deixando um rastro de calor familiar. Sem abrir os olhos, ela sorriu, saboreando a ternura daquele momento. Uma risada masculina, grave e suave, soou perto do seu ouvido. O coração dela acelerou por um instante. Ainda imersa na estranha mistura de paz e inquietação, Estelle abriu os olhos de repente. Encontrou um par de olhos azuis que a observavam, com um sorriso contido e divertido. A visão do homem tão próximo a ela era desconcertante. Seu corpo congelou antes mesmo de sua mente processar o que estava acontecendo. O coração martelava no peito, como se ela tivesse sido arrancada de um sonho bom e jogada de volta a um pesadelo. Ela permaneceu imóvel, encarando-o. Aquele rosto que agora já era familiar. Ela fechou os olhos e moveu a cabeça para o lado, evitando o contato com ele.— Estelle, não fuja. O
O som dos passos firmes ecoava pelos corredores do hospital enquanto o delegado Eduardo Vasconcelos se aproximava da ala onde Estelle havia desaparecido. Sua expressão mantinha uma calma contida, mas seus olhos atentos perscrutavam cada detalhe ao seu redor. Sendo de poucas palavras, entretanto, possuía um olhar penetrante que parecia enxergar além das aparências. Era exatamente disso que ele precisava para lidar com aquele caso: algo ali cheirava a segredo.Ele parou diante do balcão de atendimento, onde uma recepcionista digitava algo no computador, alheia à sua presença. Eduardo pigarreou levemente, e ela levantou os olhos, visivelmente surpresa.— Com licença, sou o delegado Vasconcelos. Estou investigando o desaparecimento da senhora Estelle Karie Treventos — anunciou, exibindo sua identificação. — Preciso falar novamente com a equipe médica que estava de plantão na noite do desaparecimento.A moça, visivelmente desconfortável, assentiu rapidamente.— Claro, senhor delegado. Todos
O delegado Eduardo estacionou seu carro em frente ao hospital, com o coração acelerado. A visita à casa de Murilo havia sido frustrante, não trouxera as respostas esperadas. A casa, embora desorganizada, não revelara nenhuma pista sobre onde ele poderia ter levado Estelle. Apesar de ser o suspeito número um, nada até o momento o incriminava diretamente. A falta de evidências tangíveis só aumentava a inquietação de Eduardo.Antes de entrar no hospital, decidiu ligar para o diretor. Ele precisava ter certeza de que Silvana e Murilo estavam lá. O diretor informou que apenas Silvana estava trabalhando naquela tarde. A ausência de Murilo era mais uma peça no quebra-cabeça que não se encaixava. Eduardo respirou fundo, sentindo o peso daquela investigação sobre seus ombros. Sabia que algo estava prestes a acontecer, e Silvana poderia ser a chave para desvendar tudo. A imagem de Silvana, a atendente, não saía de sua mente. Seus gestos nervosos e a expressão tensa da última conversa se repetia
Murilo estacionou o carro nos fundos da cabana, os dedos pálidos de tanto apertar o volante. Ele havia escapado por uma fração de minutos e, ao ver o delegado entrar no hospital, teve a certeza de que Paulo e a polícia já sabiam de seu envolvimento no desaparecimento de Estelle. A cabana não era mais segura. As pessoas que o ajudaram da primeira vez haviam recusado colaborar novamente. Estava sozinho e não podia se dar ao luxo de cometer nenhum deslize. Ninguém destruiria sua felicidade ao lado de Estelle. Ninguém.Com passos rápidos, ele entrou na cabana, fechando a porta com firmeza atrás de si. Silvana entrou logo em seguida, olhou para ele e sentiu seu olhar de acusação por ela não estar dentro da casa.— Eu estava trabalhando — justificou-se, evitando o contato visual. — A enfermeira disse que mandaria uma conhecida dela cuidar da sua convidada na minha ausência.O olhar vidrado de Murilo e seu rosto pálido denunciavam o estado mental perturbado. Silvana sentiu um calafrio percorr