Taco pouco via Dingo no ano de 88, em função da carraspana de Dingo e seu pai. Assim, natural procurar seus outros tantos amigos. O Peita estava solto, e além do Japa e do Padre, tinha mais alguns, que iam e vinham. Havia a Bibi também, como representante feminina mais assídua no grupo, embora outras garotas circulassem pela área. Personagens cuja vida Dingo conhecia muito pouco ainda, criaturas noturnas que eram. Dingo era também uma criatura noturna, mas enjaulada. Não podia sair e mesmo durante o dia era controlado, como pôde perceber quando flagrou alguém o observando por dias seguidos. Não tinha dúvidas de que era a mando de seu pai. Acuado e perseguido, trancou-se em casa para curtir a solidão. Taco, descontrolado, seguia nas ruas de pedra do centro da cidade, na calada d
Pegou o cigarro, como num ritual e, quase em transe, o acendeu. Absorveu lentamente.— Hum… ah, que sensação reconfortante… isso foi o pior na clínica, sabia? O resto a gente se acostuma… tinha dias que eu achava que ia pirar. Tudo faz falta, mas de repente você percebe que quase nada faz falta de verdade. A gente vicia em muita coisa inútil. Taí algo que aprendi.— Tá sabendo que o Tropicaliente fechou?— Como assim, fechou?— É, deu polícia lá e fecharam o bar.— Puta merda, e agora…?
Se Taco fosse o único problema de Dingo, na visão de seus pais, a vida seria boa. Mas sempre haveria um motivo para implicância. Seus discos de heavy metal incomodavam seu pai (“essa merda vai destruir teus neurônios!”) e sua mãe (“esse tipo de música só traz coisas negativas, drogas, não é algo que agrade a Deus”). Embora Dingo amasse o som, sentia algum desconforto com as letras de algumas bandas, o visual dos fãs e o clima dark do estilo. Não confessava, mas sentia um certo medo reverente. As capas de certos d
O tempo foi passando e se arrastando. Enquanto Dingo curtia sua solidão, Taco varava noites em cemitérios e bares. Joana tentava voltar à sua rotina. Voltara a cantar no Coral da UFPR, e precisava de grana. Sem grana, sem cigarros. Não voltaria a usar drogas tão cedo, mas o cigarro era inevitável. Do álcool ela mantinha uma distância relativa, bebendo “socialmente”, como se diz. Sorte que a vida social dela andava um pouco parada. Mas isso iria mudar.Seu contato telefônico para atendimento aos clientes não existia mais. Não daria o número de sua avó. Foi no boca-a-boca que a propaganda se propagou, e Joana, ou Paloma, estava de volta à ativa. Devagar, sem pressa, nem ansiedade. Como uma ótima noite de sexo. O tempo parecia caminhar bem mais devagar para Joanita. Além das devassid&otild
No outro dia, não houve a claridade que deixa a vida mais leve e azul. Céu fechado, chuva forte, trovoadas. O clima cinzento dava a tônica da alma de Dingo, e deixava Joanita feliz, ela que amava as forças da natureza. Taco nada viu, pois dormia profundamente no orfanato, após uma noite apoteótica. Já não fazia mais tanto calor. O inverno curitibano se pronunciava aos poucos, ainda em forma outonal, mas com prévias interessantes.A rotina de Dingo no colégio tinha seus problemas. Aluno de boas notas, bem visto pelos professores, tinha alguns amigos, além de Taco. Mas eles eram bem diferentes do amigo destrambelhado. Eram mais “corretos” e obedientes, com famílias estruturadas e planejamento do futuro. Porém, Dingo era o típico nerd tímido, vítima de bulliyng. De modo geral, nem sofria
Alheio às ameaças de Jeremias, o pai da falecida Melissa, Isaías preparava um grande evento para a reabertura da casa. Agora, somente com garotas maiores de 18 anos. Joanita estava lá, travestida de Paloma. Clientes menores de 18 também não poderiam entrar, em tese, embora não fosse tão simples barrar um chato como Taco. Acompanhado do amigo Peita, Taco resolveu conferir a festa, no dia 21 de maio de 1988, um sábado. O Padre e o Japa acabaram não indo. Tinham outros compromissos. Foi uma noite colorida, sorridente e recheada de canapés e champanhe. Não se fez programas naquele dia, e as garotas estavam vestidas elegantemente, fora da forma vulgar habitual. Àquelas horas, Dingo estava em casa, lendo gibis convulsivamente. Taco o convidara para conhecer o Tropicaliente, e insistiu, pois Dingo estava sozinho, afinal. Mas o medo de Dingo falou mais alto. Taco conhec
Na contramão da sexualidade exacerbada de Joana, Dingo, em seus rompantes platônicos, nem com masturbação sentia prazer sem culpa. Havia a culpa mortal após a gozada. A culpa cristã. Não era de Deus, e se não era de Deus, não era certo. Sem discussão. Mas continuava sonhando com garotas idílicas, por quem se apaixonava sem que elas soubessem. E, no fundo, morria de medo que elas soubessem.Acabava por encontrar alívio físico nos esportes. Além do futebol, gostava muito de automobilismo (um fanático por Fórmula 1). E adorava correr de kart. Até então, tinha corrido algumas poucas vezes, quando ia em um kartódromo com o pai e os irmãos. Nenhum deles era corredor contumaz, mas Dingo sonhava até em se profissionalizar. Àquela altura, com 15 anos, isso seria be
Taco estava mais preocupado em frequentar o Tropicaliente que o colégio. Em sua oitava tentativa (!!!), finalmente conseguiu encontrar Joanita, a garota de preto, que naquela noite vestia uma camisa vermelha decotada com uma saia bege. Reconheceu-a na hora. Ela estava passando pelo saguão do bar, e Taco a chamou. Ela olhou, espantou-se com a presença de alguém aparentemente menor de idade, e perguntou o que ele queria. “Conversar, apenas, você pode agora?”. “Espere um pouco, já chego aí”, e se mandou. A espera se prolongou por mais de 40 minutos, quando ela passou pelo sofá onde ele estava sentado, com os pés e pernas se mexendo sem parar. “Ainda taí, garoto?”— Claro, eu tô esperando você.—Mas po
Senhoras e senhoresTrago boas novasEu vi a cara da morteE ela estava vivaEu vi a cara da morteE ela estava viva - viva! (“Boas Novas”, Cazuza)Vermelho-vivo, um coração parando. Olha para trás, as marcas na porta, um corpo que jaz, caindo de leve, escorado à parede. Ao lado, a janela, um vulto que desaparece (impressão?). Há marcas na porta