— E essa construção aí, Taco? Sabe o que é?
— É uma clínica pra doidos, cara! Malucos, esquizóides, doidões, esquisitos, despiroquetas, gente mais louca que o Taco aqui, mermão!— É, tua próxima casa, talvez…— Teu senso de humor não bate com essa cara fechada. Mas você também podia passar umas férias aí dentro. Eu tenho curiosidade de saber como é esse povo que vive aí.— Hum… eu acho que não. Tenho medo de gente assim.Alheia a tudo isso, Joana entrava em suas últimas semanas na clínica para maluquetes incorrigíveis. Ela não tinha a menor sombra de dúvidas de que sua passagem por ali estava sendo útil. Talvez não deixasse de usar drogas (embora nem sentisse tanta vontade delas), mas aproveitou a estada para ler e escrever muito. Só por isso, já estava valendo. Porém, naquele momento ela não sabia quanto tempo ficaria emparedada. Mais um lindo Natal em família estava chegando, e ela pensava se não era melhor passar a data ali mesmo, na clínica. Novos textos nasciam, e pensava até mesmo em se tornar escritora. Filosofia erótica parecia um bom tema para trabalhar em seus escritos. Mas ainda não escrevera nada nesse estilo. Na noite de seu trigésimo terceiro dia na clínica, sonhara que conversava com um interlocutor oculto, que lhe pergunt
Taco pouco via Dingo no ano de 88, em função da carraspana de Dingo e seu pai. Assim, natural procurar seus outros tantos amigos. O Peita estava solto, e além do Japa e do Padre, tinha mais alguns, que iam e vinham. Havia a Bibi também, como representante feminina mais assídua no grupo, embora outras garotas circulassem pela área. Personagens cuja vida Dingo conhecia muito pouco ainda, criaturas noturnas que eram. Dingo era também uma criatura noturna, mas enjaulada. Não podia sair e mesmo durante o dia era controlado, como pôde perceber quando flagrou alguém o observando por dias seguidos. Não tinha dúvidas de que era a mando de seu pai. Acuado e perseguido, trancou-se em casa para curtir a solidão. Taco, descontrolado, seguia nas ruas de pedra do centro da cidade, na calada d
Pegou o cigarro, como num ritual e, quase em transe, o acendeu. Absorveu lentamente.— Hum… ah, que sensação reconfortante… isso foi o pior na clínica, sabia? O resto a gente se acostuma… tinha dias que eu achava que ia pirar. Tudo faz falta, mas de repente você percebe que quase nada faz falta de verdade. A gente vicia em muita coisa inútil. Taí algo que aprendi.— Tá sabendo que o Tropicaliente fechou?— Como assim, fechou?— É, deu polícia lá e fecharam o bar.— Puta merda, e agora…?
Se Taco fosse o único problema de Dingo, na visão de seus pais, a vida seria boa. Mas sempre haveria um motivo para implicância. Seus discos de heavy metal incomodavam seu pai (“essa merda vai destruir teus neurônios!”) e sua mãe (“esse tipo de música só traz coisas negativas, drogas, não é algo que agrade a Deus”). Embora Dingo amasse o som, sentia algum desconforto com as letras de algumas bandas, o visual dos fãs e o clima dark do estilo. Não confessava, mas sentia um certo medo reverente. As capas de certos d
O tempo foi passando e se arrastando. Enquanto Dingo curtia sua solidão, Taco varava noites em cemitérios e bares. Joana tentava voltar à sua rotina. Voltara a cantar no Coral da UFPR, e precisava de grana. Sem grana, sem cigarros. Não voltaria a usar drogas tão cedo, mas o cigarro era inevitável. Do álcool ela mantinha uma distância relativa, bebendo “socialmente”, como se diz. Sorte que a vida social dela andava um pouco parada. Mas isso iria mudar.Seu contato telefônico para atendimento aos clientes não existia mais. Não daria o número de sua avó. Foi no boca-a-boca que a propaganda se propagou, e Joana, ou Paloma, estava de volta à ativa. Devagar, sem pressa, nem ansiedade. Como uma ótima noite de sexo. O tempo parecia caminhar bem mais devagar para Joanita. Além das devassid&otild
No outro dia, não houve a claridade que deixa a vida mais leve e azul. Céu fechado, chuva forte, trovoadas. O clima cinzento dava a tônica da alma de Dingo, e deixava Joanita feliz, ela que amava as forças da natureza. Taco nada viu, pois dormia profundamente no orfanato, após uma noite apoteótica. Já não fazia mais tanto calor. O inverno curitibano se pronunciava aos poucos, ainda em forma outonal, mas com prévias interessantes.A rotina de Dingo no colégio tinha seus problemas. Aluno de boas notas, bem visto pelos professores, tinha alguns amigos, além de Taco. Mas eles eram bem diferentes do amigo destrambelhado. Eram mais “corretos” e obedientes, com famílias estruturadas e planejamento do futuro. Porém, Dingo era o típico nerd tímido, vítima de bulliyng. De modo geral, nem sofria
Alheio às ameaças de Jeremias, o pai da falecida Melissa, Isaías preparava um grande evento para a reabertura da casa. Agora, somente com garotas maiores de 18 anos. Joanita estava lá, travestida de Paloma. Clientes menores de 18 também não poderiam entrar, em tese, embora não fosse tão simples barrar um chato como Taco. Acompanhado do amigo Peita, Taco resolveu conferir a festa, no dia 21 de maio de 1988, um sábado. O Padre e o Japa acabaram não indo. Tinham outros compromissos. Foi uma noite colorida, sorridente e recheada de canapés e champanhe. Não se fez programas naquele dia, e as garotas estavam vestidas elegantemente, fora da forma vulgar habitual. Àquelas horas, Dingo estava em casa, lendo gibis convulsivamente. Taco o convidara para conhecer o Tropicaliente, e insistiu, pois Dingo estava sozinho, afinal. Mas o medo de Dingo falou mais alto. Taco conhec
Na contramão da sexualidade exacerbada de Joana, Dingo, em seus rompantes platônicos, nem com masturbação sentia prazer sem culpa. Havia a culpa mortal após a gozada. A culpa cristã. Não era de Deus, e se não era de Deus, não era certo. Sem discussão. Mas continuava sonhando com garotas idílicas, por quem se apaixonava sem que elas soubessem. E, no fundo, morria de medo que elas soubessem.Acabava por encontrar alívio físico nos esportes. Além do futebol, gostava muito de automobilismo (um fanático por Fórmula 1). E adorava correr de kart. Até então, tinha corrido algumas poucas vezes, quando ia em um kartódromo com o pai e os irmãos. Nenhum deles era corredor contumaz, mas Dingo sonhava até em se profissionalizar. Àquela altura, com 15 anos, isso seria be