Hampstead é um bairro de sonhos. As ruas largas e arborizadas são um convite ao encanto, com mansões majestosas que parecem competir entre si em beleza. Cada detalhe do lugar exala sofisticação e um ar quase intocável. Uma pontada de insegurança me atravessa: será que vou me sentir confortável em um ambiente tão elegante?
Respirei fundo. Preparei minha mala com antecedência, escolhendo cuidadosamente minhas melhores roupas. Mamãe fez questão de me levar às compras, ajudando-me a escolher um vestido longo de cetim branco especialmente para a festa de Ano Novo. Para completar, ela insistiu em emprestar suas joias de família, um conjunto de colar e brincos de ouro com delicadas esmeraldas incrustadas. Quero causar uma boa impressão e, acima de tudo, não parecer deslocada.
Ao me aproximar da mansão, o segurança verifica minha identidade com atenção antes de abrir os portões. Quando o carro avança pelo caminho de paralelepípedos, me pego admirando a propriedade. Magnífica seria uma descrição insuficiente. Pintada de branco impecável, com inúmeras janelas adornadas por jardineiras floridas, a mansão parece saída de um conto de fadas. Os jardins cuidadosamente esculpidos e as árvores imponentes ao redor completam o cenário.
Por um breve momento, um sentimento incômodo me invade, como um presságio de que algo não sairá como esperado. Mas me forço a afastá-lo. A longa viagem de Londres até Leeds já foi desgastante demais para arrependimentos agora. Kayra sempre me convida para vir, e finalmente aceitei.
Sorrio ao lembrar da pequena manobra dos meus pais. Levaram a chave de casa com a desculpa de que voltariam antes de mim, claramente para evitar que eu desistisse e retornasse mais cedo. Mamãe ainda exigiu fotos minhas com Kayra para garantir que eu realmente estava aqui. Mesmo que algo me desagrade, não tenho para onde voltar.
“Vai dar tudo certo”, penso enquanto estaciono o carro. Kayra já me espera na varanda, sorridente como sempre. Um homem surge logo em seguida, se prontificando a estacionar o carro e carregar minhas malas.
— Que bom que você veio!
Nos abraçamos calorosamente.
— Estou feliz de estar aqui. Espero não atrapalhar.
— Imagina! Entre!
Kayra me guia pelo hall espaçoso e iluminado. Cada detalhe da casa é de tirar o fôlego, desde o piso branco reluzente até a decoração em tons de cinza e preto, com toques vibrantes de quadros abstratos e um imenso aquário de águas marinhas. Não consigo deixar de admirar o gigantesco piano de cauda, que parece dominar o ambiente com elegância.
Quando Kayra me ajuda a tirar o casaco, sinto a temperatura agradável da casa, aquecida pela grande lareira acesa. De repente, noto um senhor idoso sentado em um dos sofás florais, elegantemente vestido, com um ar de autoridade e serenidade. Ele nos observa atentamente enquanto nos aproximamos.
— Baba, bu sana söylediğim arkadaş. Emily. (Pai, esta é a amiga que mencionei. Emily.)
Seus olhos escuros me examinam por um momento, correndo pela minha roupa — uma calça de veludo preta e uma parka cinturada, combinadas com botas de cano baixo. Quando seus olhos finalmente encontram os meus, ele esboça um leve sorriso, como se me aprovasse.
— Hoş geldiniz!
Olho para Kayra, confusa.
— O que ele disse?
— Que você é bem-vinda.
— Como agradeço?
— Çok teşekkürler — responde ela, ensinando-me.
— Çok teşek...kurler — repito, tropeçando nas palavras, mas o senhor compreende e sorri.
— Lisansınla, baba. (Com sua licença, pai.)
— Hadi kızım.
Kayra pega minha mão e me leva para outro cômodo, onde uma imensa mesa está posta. A decoração luxuosa da sala de jantar é acompanhada por uma variedade impressionante de doces e salgados turcos, todos perfeitamente arranjados.
— Sente-se! — ela diz, puxando uma cadeira com estofado vermelho que parece tão confortável quanto decorativa.
— Deus, que mesa linda!
— Tudo foi preparado pela nossa cozinheira, Odila. Ela é uma especialista em culinária turca.
Sigo a sugestão dela e experimento um doce de massa folhada que parece tão delicado quanto saboroso. Ao morder, ele praticamente derrete na minha boca.
— Humm, que delícia! O que é isso?
— Baklava de nozes. Gostou?
— Uma delícia! Adoro o sabor das nozes.
— Esse doce é o preferido do meu irmão.
— Ele tem bom gosto!
Kayra sorri, parecendo orgulhosa.
— Sim, ele tem bom gosto mesmo. A propósito, esta casa foi praticamente toda decorada por ele.
— Nossa, pensei que tivesse sido por profissionais.
Antes que ela possa responder, um homem entra na sala. Seus cabelos castanhos claros e olhos cor de mel chamam a atenção. Deve ter uns vinte e poucos anos, e há algo em sua postura descontraída que o diferencia.
— Ômer, que bom que veio! — Kayra se levanta e o abraça. — Vem tomar café conosco. Essa é minha amiga Emily. Emily, este é meu primo, Ômer.
Levanto-me da cadeira, tentando ser educada.
— Prazer em conhecê-lo. — Estendo a mão.
Ele me analisa rapidamente, como o pai de Kayra fez mais cedo, antes de apertar minha mão e, para minha surpresa, beijá-la. Meu rosto esquenta de imediato. Não estou acostumada a isso.
— O prazer é meu. Vou lavar as mãos e já volto.
Assim que ele sai, Kayra está sorrindo de forma divertida.
— Ômer não resiste a um rosto bonito e, além disso, ele não segue as tradições.
Eu arqueio uma sobrancelha.
— O que você quer dizer com “não seguir às tradições”?
— Minha família é muito rígida quanto a isso. Normalmente, turcos só se casam com turcos. Fazemos isso para preservar nossos costumes. Mas Ômer... bem, ele faz as coisas do jeito dele.
Dou de ombros, sorrindo.
— Bom saber.
Kayra solta uma risada curta.
— Já Okan precisa seguir à risca.
Minha curiosidade é instantânea.
— Por quê?
Ela suspira.
— Um homem na idade dele, sem estar casado, é visto como um problema. Significa dar espaço para relacionamentos “de fora”. Ele é muito atraente, sabe? Então já viu!
Sorrio, mordendo outro baklava.
— Acho que ele está certo em esperar o momento ideal. Casar cedo demais pode ser ruim.
Kayra assente, mas continua.
— Meu pai tem sido paciente, mas agora está pressionando. Ele quer evitar que Okan cometa um erro e desonre a família.
O ambiente descontraído esconde um peso cultural evidente, e eu começo a perceber o que Kayra quis dizer sobre tradições.
— Acho que ele está certo em esperar o melhor momento. Casar muito cedo é ruim. O homem amadurece mais tarde.— Comento.
—Sim, é verdade. Meu pai foi até muito paciente com ele, mas de uns tempos para cá o tem pressionado a tomar uma atitude. Chega dessa vida sexual ativa lá fora. Lógico que ele oculta isso de todos. Seus casos são bem escondidos.
—Se são escondidos, como sabe? —Pergunto rindo.
—Porque algumas mulheres já ligaram aqui à procura dele. Quer ver meu pai morrer de desgosto é quando isso acontece. Meu pai fica louco da vida.
Tomo um gole do café bem amargo e pergunto:
—E esse seu primo? Por que você diz que ele não segue às tradições?
—O irmão de minha mãe não é tão rigoroso. Ele o criou com liberdade. —Ela se inclina e diz baixo: — Ômer pode comer todas e namorar com quem quiser. —Se afasta e olha para os lados. — Isso é um desgosto para o meu pai que não vê isso com bons olhos. Mas, fazer o quê? Sempre tem uma ovelha negra na família.
—Então se ele se interessar por mim, devo ignorá-lo? É isso que quer me dizer?
—Não, claro que não. Fique à vontade se gostar dele. Antes você do que uma mulher atirada. E tirando isso, ele é um rapaz trabalhador. Estudioso, ótima pessoa...
Ômer surge na porta, sua presença carregada de um magnetismo inegável. Ele lança um olhar intenso na minha direção, o tipo de olhar que parece enxergar mais do que deveria.—Falando mal de mim? —pergunta, o tom descontraído, mas os olhos atentos.—Não, claro que não. Só falando bem —responde Kayra, sorrindo de maneira inocente.—Ah, não sei não —ele retruca com uma leve provocação.Sem cerimônia, Ômer se senta ao lado de Kayra, mas seus olhos continuam fixos em mim, me examinando com uma curiosidade desarmante.—Vocês se conheceram aonde? —ele pergunta, casual, mas atento.—Fazemos universidade juntas, mesmo curso e mesma turma —respondo, tentando manter a compostura.Ele pega um salgado da mesa e o morde lentamente, ainda sem desviar o olhar.—Você só estuda?—Sou bancária —respondo, tentando manter a conversa neutra.—Que banco?—No Royal.Os olhos dele se estreitam ligeiramente, como se algo se encaixasse em sua mente.—Por isso você não me é estranha. Eu tenho conta lá. Acho que t
Respiro fundo, afastando os pensamentos. Não posso me dar ao luxo de parecer vulnerável agora.—Mais alguma coisa? —pergunto, voltando ao tom prático.—Não, senhor.—Então está dispensada. Vá para casa e aproveite a virada do ano com sua família. Ah, e feliz ano novo.Ela sorri, surpresa com minha atitude.—Obrigada. E o senhor? Vai para casa também?— Não é de se admirar que o Réveillon neste hotel é uma das festas mais bem faladas....Eu sorrio me sentindo muito bem com isso. Tem que ser mesmo, eu praticamente respiro trabalho. —Sim, é verdade.—Então Feliz ano novo para o senhor.O escritório está silencioso agora, e o eco das palavras da minha secretária ainda ressoa na minha mente. "Feliz ano novo para o senhor." Ela saiu, mas sua despedida me deixa pensativo. Olho para a parede à minha frente, mas o que vejo é outra coisa. Memórias invadem, imagens que não consigo apagar.Hoje cedo, andando pelo hotel, observei algo que me desestabilizou. De trás de um aparador no restaurante,
Quando volto, respiro fundo e tento me recompor. Ainda assim, basta um pensamento sobre a cena para o riso quase escapar novamente.Depois do almoço, nos reunimos na sala, e eu, incapaz de me conter, comento sobre o episódio da faca. Kayra, com o humor que só ela tem, explica que é uma superstição turca. “Nunca se deve entregar uma faca diretamente para outra pessoa. O certo é colocá-la na mesa, e a outra pessoa a pega. Se for entregue diretamente, a pessoa deve cuspir nela para evitar brigas futuras.”Rimos juntas, mas logo nossa atenção é desviada pelo movimento na casa. Homens uniformizados entram carregando enormes buquês de flores do campo.— Deus! Essas flores custam uma fortuna nessa época do ano! — digo, com os olhos arregalados.— Tudo isso é para os preparativos do Ano Novo? — pergunto, sentindo uma ansiedade crescente. Quantas pessoas estarão nesta festa?— Sim, mas não se preocupe. Está tudo sob controle. Elma, nossa governanta, organiza tudo todos os anos. Que tal descansa
Restaram-me duas alternativas: ou ele era um homem decente, que não quis se aproveitar de mim naquele estado, ou simplesmente não me achou atraente.Deus! Que loucura.Sinto uma mistura de culpa e vazio. Culpa por desejar tanto alguém que mal conheço, e vazio porque o cara era... perfeito. Lindo de um jeito quase perigoso. Era exatamente o tipo de homem pelo qual eu me entregaria sem hesitar.Minha mãe sempre dizia: “Filha, controle-se! Nada de passar dos beijinhos e amassos.” Mas sejamos sinceros: com ele? Isso seria um desafio colossal. Claro, como a boa garota certinha que sou, eu o conheceria antes, talvez por dez encontros inteiros, mantendo tudo no limite.Dez encontros. Pimba!O pensamento faz meu corpo esquentar. É como se pegasse fogo só de lembrar daquele estranho.A memória vem viva na minha mente: que bumbum! Que pernas firmes, ombros largos e aquele sorriso... Ah, aquele sorriso! Ele poderia derreter a pessoa mais racional do mundo.Dez encontros mesmo? Rio, sabendo que s
Ofego enquanto ele caminha lentamente na minha direção, cada passo dele ressoando no chão como o eco de um destino iminente. Sinto-me pequena, como uma presa encurralada diante de um predador implacável. Não, ele não é um urso... É um leão, imponente, de olhos cravados na caça, com presas afiadas prontas para dilacerar.Ele para à minha frente, tão próximo que sinto o calor de sua presença avassaladora. Seu rosto sério e respiração pesada me atingem como uma onda, e o silêncio entre nós é sufocante, tão denso que parece roubar o ar dos meus pulmões. Meu coração, já disparado, tropeça em desespero quando ele avança um passo, aproximando-se como quem tem o controle absoluto da situação. Instintivamente, recuo, minhas costas se chocando contra a porta.O sorriso que surge em seus lábios não é acolhedor; é frio, predatório. Seus olhos, gélidos e fixos nos meus, carregam uma intensidade que me faz estremecer. Ele inclina o rosto, invadindo o espaço que restava entre nós. Meu coração dá um
A ironia me atinge em cheio, e eu não consigo evitar o riso que escapa, mesmo sabendo que estou provocando um vulcão prestes a entrar em erupção. A veia pulsando em seu pescoço é um aviso, mas não consigo me conter.— Diferente? Eu poderia ser uma ladra. Poderia me fazer de frágil e ter te drogado com um "boa noite, Cinderela". Qual é a diferença agora, hein? Senhor sabe tudo! Sabichão!A expressão dele vacila por um segundo, como se minha provocação tivesse atingido um ponto cego. Ele me olha, sem reação, e a satisfação triunfante que sinto é inebriante.Pontos para mim!Por um breve momento, ele parece perdido em seus próprios pensamentos. Mas então, seu olhar endurece, e a confiança retorna como uma tempestade.— Eu sabia que você não era assim. Eu sei ler as pessoas.O sorriso que surge nos meus lábios é desafiador.— Então estamos empatados. Eu sabia que você era apenas um cara no bar querendo se divertir. E não aconteceu nada, não é mesmo?Minhas palavras parecem acertar o orgul
OkanQuando ela sai, deixa seu perfume. O mesmo que me embriagou no dia em que a levei ao hotel. Esse aroma me persegue, impregnando minha memória olfativa, uma tatuagem invisível que me enlouquece.Eu a desejo como nunca desejei ninguém. Preciso possuí-la, antes que esse desejo se transforme em uma obsessão insuportável. Enquanto não saciar o fogo que ela acendeu em mim, não terei paz.Quero senti-la em meus braços, seus lábios provocantes trêmulos junto ao meu pescoço, sua respiração ofegante enchendo meus ouvidos, os gemidos denunciando sua rendição. Quero que ela se entregue, inteiramente, dominada por mim.Será como uma despedida de solteiro, uma última loucura antes de me regenerar. Allah, como preciso disso!Mas a imagem dela se afastando ecoa na minha mente, me queimando de raiva. Tento me controlar, respiro fundo. Calma!, ordeno a mim mesmo. Mulheres como ela adoram essa dança de poder, o jogo do homem obstinado que não desiste.Ah, elas amam ser desejadas, cortejadas.Cabe a
O semblante de Okan endurece, e ele toma o uísque em um gole só, como se quisesse dissolver algo dentro de si.—Com você? —Ele diz demonstrando surpresa novamente. Seus olhos estreitados se voltam para mim e depois para ele novamente.—Sim, ficamos ensaiando hoje à tarde. Kayra aproveita o momento para segurar meu braço.— Dá uma licencinha, meu irmão. Vou levar Emily para apresentar aos tios.— Com sua licença. — Digo com uma leve mesura antes de me afastar com Kayra.Antes que nos distanciemos, lanço um último olhar para Okan e capto algo nos olhos dele — um brilho maquiavélico que me arrepia.— Amiga, o que foi aquilo? — Kayra pergunta entre risos, enquanto caminhamos. — Você nem parecia a garota insegura de hoje à tarde, quando falamos sobre você tocar piano.Dou de ombros, sorrindo.— É verdade, eu estava insegura. Mas tocar piano é como andar de bicicleta. Assim que toquei aquelas teclas, foi como acessar um arquivo antigo na minha memória e recuperar tudo o que aprendi.— Real