Gabriel guiou Raguel até a sala de monitoramento. Ele nunca se interessou pela profissão do pai, mas, simpático como era, nunca recusou um convite para visitar o laboratório e conhecia bem suas dependências. Sempre fora mais inclinado para a matemática da mãe que para a química do pai, mas nunca disse nada, para não correr o risco de magoá-lo.
O doutor Rashford, era conhecido mundialmente por seu trabalho com química quântica, e se tornou notável por suas descobertas nos campos da Química Nuclear, Astroquímica, Sonoquímica e Hidrodinâmica quântica, e era procurado por físicos do mundo todo para ministrar palestras e seminários.
Miraculous Clearing era um campo muito fértil de grandes mentes, e havia exportado para o mundo muitos “gênios” em diversas áreas diferentes e muitos, como era o caso do doutor Rashford e de sua esposa, permaneceram na cidade, proporcionando uma multiplicação e difusão de conhecimentos, que refletia em seus jovens e deu à cidade o título de maior índice de Q.I por habitante do mundo.
Enquanto seguia para a sala, inclinado a rever o que aconteceu no laboratório, o jovem desviou um pouco seu pensamento do objetivo e a lembrança do momento que passou com Raguel minutos antes, quando a confortava em seus braços, retirou completamente seu foco. Não devia estar pensando nela desse jeito, pelo menos não naquele momento. Sempre criticou homens que perdiam o rumo atrás de um “rabo-de-saia”, e nessa crise, o que menos precisava era de se transformar em um deles. Não planejou encantar-se por ela, mas quando a viu não pôde evitar.
Ela era uma bela jovem, seus cabelos naturalmente cacheados e ruivos e olhos verdes, aliados à pele branca levemente salpicada de sardas e ao corpo simetricamente perfeito, já seriam suficientes para qualquer jovem se apaixonar, mas Gabriel era um jovem muito sensato para se ligar nesses aspectos físicos e superficiais, e o que lhe fascinou foi algo mais subjetivo. Talvez a sinceridade e inteligência que transbordavam do olhar dela, ou talvez também, a fragilidade que ela demonstrava naquele momento tivesse despertado algum instinto protetor que ele nem sabia que tinha.
O que ele não podia permitir era confundir as coisas. Ela contava com ele, e ele queria ser útil e não atrapalhar tudo por conta de instintos masculinos primitivos como uma explosão de testosterona.
— Gabriel — disse Raguel, tirando o jovem de seus devaneios, aproximando-se dele para mostrá-lo algo no tablet —, encontrei uma lista de desaparecidos. Pode servir para a nossa equação.
— Ótimo! — respondeu, tentando não transparecer vergonha pelo que estava pensando — Podemos copiar essa lista para o software de cruzamentos de dados e verificar se tem algum padrão nos desaparecimentos.
— Eu farei isso então — ela disse, empolgada com a tarefa —, enquanto você verifica as câmeras de monitoramento.
A sala de monitoramento do laboratório era bem equipada com aparelhos de última geração, e tinha algumas mesas com computadores e telas específicas para as câmeras de cada setor. Cada tela dessas tinha vários quadros que transmitiam as imagens de cada câmera que tinha nesses setores.
— Nem sei por onde começar — disse o jovem a si mesmo, olhando para a infinidade de telas. — Se eu soubesse ao menos a hora que tudo aconteceu…
— Espere um pouco, Raguel! — continuou ele agora para a garota, que voltou a atenção pra ele — Quando falamos por telefone mais cedo, você disse que recebeu uma mensagem de sua mãe?
— Sim — assentiu —, na mensagem ela pediu para eu encontrá-la aqui no laboratório.
— Perfeito! — vibrou ele — se voltarmos o vídeo até o horário em que ela enviou a mensagem, estaremos perto da hora em que tudo aconteceu.
— A mensagem foi enviada às sete e vinte da manhã — disse Raguel, conferindo a mensagem em seu aparelho celular.
Gabriel localizou no sistema o quadro referente ao setor e a sala em que seu pai e a doutora Williams estavam quando desapareceram, programou o início da reprodução para as sete e dez da manhã e apertou enter. Ambos se frustraram e ficaram sem entender o que viram quando o vídeo começou — os uniformes de ambos, e também de outros cientistas já estavam abandonados no chão como Raguel encontrou quando chegou.
Enquanto o vídeo seguia sem nenhuma alteração, a garota voltou a consultar o aparelho celular, para verificar se não errou quando disse o horário da mensagem para Gabriel, mas constatou que estava correto e mostrou o aparelho para ele para que visse com seus próprios olhos.
Enquanto os minutos passavam, eles observavam o vídeo sem entender, até que um movimento chamou-lhes a atenção — no canto da tela, quase imperceptível, surgiu uma jovem, aparentemente da idade deles, e que pelas roupas, não era funcionária do laboratório.
Não haviam percebido a presença dela, e nem como ela entrou ali. Ela tinha longos cabelos negros e lisos, trajava jaqueta vermelha e calça preta, ambas aparentemente de couro, uma bota estilo militar, e movia-se com leveza e destreza.
Os dois observaram em silêncio o momento em que ela num movimento leve e rápido, retirou o celular do bolso do jaleco da mãe de Raguel, digitou uma mensagem, e enquanto colocava o aparelho de volta, olhou fixamente para a câmera, como se olhasse diretamente para os dois e foi embora.
— Parece que não foi sua mãe que lhe enviou a mensagem — disse Gabriel, quebrando o silêncio — e aquela moça parecia estar olhando direto para nós. Você a conhece?
— Não — respondeu sem tirar os olhos do vídeo, que Gabriel havia voltado e pausado no momento em que a moça misteriosa olhou na direção deles —, nunca a vi na vida. Porque ela me mandaria essa mensagem? E porque não estava aqui quando cheguei?
— Parece que ao invés de esclarecer nossas dúvidas, as filmagens trouxeram mais — disse Gabriel em tom irônico e retórico.
Em outro computador, enquanto a companheira ainda tentava entender tudo, olhando para o rosto da desconhecida na tela anterior, Gabriel definiu o horário de início da reprodução para quatro horas da manhã e iniciou o vídeo novamente.
Raguel voltou atenção para o novo vídeo, e ambos viram o doutor Rashford e a doutora Williams vivos, caminhando pelo laboratório, observando relatórios e fiscalizando o trabalho dos demais cientistas.
Ela puxou uma cadeira, e sentou-se de frente para o vídeo, assistindo cada movimento deles, como quem começa a se interessar por um filme. Gabriel observou o rosto dela iluminar-se por ver a mãe bem, e gostou de ver o pai bem também, mesmo sabendo que a qualquer momento naquele vídeo eles desapareceriam, então, puxando uma cadeira, sentou-se também próximo a ela, como que para ampará-la quando acontecesse, seja lá o que fosse acontecer.
Depois de mais ou menos meia hora de vídeo, a sala onde os cientistas trabalhavam, pareceu estremecer assustando a todos, e uma luz ofuscante atravessou a sala, como se atingisse a todos ali dentro simultaneamente, e quando ela se retirou milésimos de segundo depois, só restaram pilhas de roupa e crachás espalhados no chão.
Dada a velocidade da ação, ambos ficaram sem entender o que acontecera, então o jovem voltou o vídeo e o reproduziu novamente, agora em câmera lenta. Incrédulos, eles observaram enquanto a sala começava a tremer, e a luz surgia e se dividia, assumindo uma forma humanoide perante cada um deles individualmente, e abrindo uma espécie de par de asas brilhantes os envolveu, enquanto seus corpos se desconstruíram e evaporaram.
Não podiam acreditar no que estavam vendo. Era surreal demais. Nunca ocorreu a eles que o desaparecimento de seus pais tivesse acontecido daquela forma.
— O que dizem no site onde você encontrou a lista dos desaparecidos? — ele perguntou, saindo do choque — Qual é a teoria deles sobre o que aconteceu?
— Abdução alienígena ou algo assim— ela o respondeu, ainda olhando para as formas brilhantes na imagem congelada — mas essas figuras não parecem ETs…
— Porém, talvez sejam — ela continuou pegando o tablet com a pesquisa e sentou-se ao mais perto dele, a fim de lerem juntos —, eu mesma nunca vi um ET de verdade. Você já?
A proximidade dela agora era diferente para ele, o leve sorriso que ela lhe lançou ao perguntar-lhe sobre os ETs, e a forma inocente como ela tocava seu braço enquanto lia o artigo, lhe causava um leve desconforto, mas uma parte dele desejava que estes momentos fossem eternos. O toque dela, a maneira como seus lábios se mexiam enquanto ela lia o artigo em voz alta. Como ela poderia ter tal efeito sobre ele, mesmo tendo a conhecido há tão pouco tempo?
— Será que ela sabia que causava esse efeito nele? — ele pensou, ainda viajando nela.
— Eu também sinto isso — ela disse, retirando ele dos pensamentos.
— Sente... É... Sente o quê? — gaguejou ele, traindo o fato de que não estava prestando atenção no que ela falava e se sentindo envergonhado.
— Que estamos perdidos — ela disse, sem perceber ou fingindo não perceber que ele enrubesceu e recolheu o braço, pensando que ela falava de outra coisa —, sozinhos e que o pior ainda está por vir, como o autor do artigo diz.
Ele respirou fundo, depois de quase se entregar, e se concentrou no artigo. Não queria parecer um idiota perto dela, então ajeitou-se na cadeira e acompanhou enquanto ela lia em voz alta.
Segundo o autor do artigo, o que ele acreditava ser uma abdução alienígena, para religiosos era o arrebatamento cristão, mas que o padrão de desaparecidos não batia com o perfil de “pessoa arrebatável”, de acordo com as escrituras bíblicas e ele ofereceria argumentos sobre a escolha dos abduzidos.
Na lista dos “desaparecidos”, que ele chamava de “abduzidos”, destacava o fato de que a maioria dos nomes era precedida de um título acadêmico, ora professor, ora doutor, então fez sua própria lista, onde pesquisou os nomes e separou eles em categorias.
Com exceção de poucos, os nomes foram encaixados um a um nos perfis que a teoria dele criou. Eram cientistas, matemáticos, filósofos, escritores, escultores, médicos, engenheiros de diversas áreas, músicos e alguns superatletas. Ainda segundo o autor do artigo, todos da lista podiam ser considerados gênios em suas respectivas áreas, e a intenção dos alienígenas era nos deixar sem nossas grandes mentes, e assim esperar nossa autodestruição, ou preparar um ataque enquanto estivermos desprotegidos.
Sobre o escurecimento do sol, ela dizia que posicionaram sua nave de modo a bloquear a luz do sol, e assim nos desestabilizar e cobrir a ação deles aqui na terra.
— É tudo bem encaixado — disse Gabriel, voltando-se para a tela de monitoramento, e ampliando a imagem com foco na figura humanoide brilhante —, mesmo que seja preciso mais do que uma nave para bloquear a luz do sol, imagino que seres extraterrestres teriam alguma tecnologia para isso. Inclusive nossos pais se encaixam no perfil. Mas quem fez essa teoria, não viu o que nós vimos.
— Como eu disse — falou Raguel, focando também no monitor —, não parecem alienígenas, parecem mais humanos ou…
Ela interrompeu o que dizia enquanto ele movimentava o vídeo em câmera lenta e o pausava novamente agora no momento exato em que as pessoas foram consumidas. Eles não haviam visto antes, mas aquela luz não tinha só a forma humanóide. Enquanto ela envolvia cada pessoa naquela sala, ela assumia a forma de grandes asas.
— SÃO ANJOS! — exclamaram simultaneamente, em voz alta, deixando um longo eco no laboratório vazio.
Mikael passou apressadamente pela entrada do hospital carregando seu pai nos braços. A mancha crescente e úmida na faixa improvisada mostrava que a hemorragia aumentava e ele precisava urgente de auxílio médico.A recepção e os corredores estavam vazios. Cadeiras, vasos de planta e papéis revirados e espalhados por todos os lados, davam a impressão de que um furacão ou algo parecido tinha passado por ali.— Alguém me ajude! — o jovem gritou desesperado, e desesperou-se ainda mais por receber em retorno apenas o eco de sua voz pelos corredores desertos.Colocando o pastor cuidadosamente no chão, ele retirou sua jaqueta suja de sangue e improvisou uma almofada, onde pousou a cabeç
Estava sendo doloroso para ela rever em câmera lenta o momento em que a mãe estava sendo consumida por aquela luz, mas precisava saber o que tinha acontecido de fato.As figuras humanóides que viram ao pausar a imagem no momento exato do ataque assemelhavam-se mais a anjos que a ETs. Será então que o que houve foi um arrebatamento e não uma abdução?Haviam muitas perguntas sem respostas ainda e ela estava grata por ter Gabriel ao seu lado. Apesar de conhecê-lo há tão pouco tempo, ela sentia que tinham uma ligação. Sem contar que ele era uma graça. Ela desviou a atenção do vídeo e de todo o resto por um instante, e se viu viajando no jovem, que por sua vez estava concentrado em encontrar mais indícios sobre o que estava acontecendo.
Raphael se sentiu revigorado após dormir algumas horas e agora o sol já se punha novamente. Ele levantou-se e seguiu até o quarto onde o Pastor Higgins estava se recuperando da cirurgia.Da porta, viu que Mikael olhava atento para a tela de um notebook que haviam encontrado em uma das salas. Ficou um tempo parado ali, observando e pensando nas circunstâncias em que seus caminhos se cruzaram. Enquanto cuidava do pastor, ele havia notado alguns olhares, mas preferiu ignorar. Mikael não parecia ser gay, e se fosse, com certeza Raphael saberia. Ali, sem ser notado, ele podia admirá-lo sem ser deselegante ou inconveniente. Já havia reparado pelo seu porte físico, que era um atleta e, que possivelmente, tinha músculos bem definidos em sua pele negra.— Pare com is
Nick olhou ao redor, e estranhou ao ver onde estava. O quarto estava exatamente como era quando tinha seus dez anos e ainda morava com seu pai em Miraculous Clearing. Cada boneca, cada bichinho de pelúcia, seus livros nas prateleiras, seu laptop rosa com adesivos de unicórnio e todos os móveis, estavam exatamente como deixava naquela época. Examinou o quarto minuciosamente com o olhar e até começou a tatear alguns objetos, como se desconfiasse que não fossem reais, até que uma rajada de vento entrou pelo vão debaixo da porta, deixando-a curiosa.Ela caminhou até a porta e a abriu, mas se conteve ao ver que a porta dava para o exterior e que o quarto onde estava se encontrava no topo de um prédio que parecia ser o da prefeitura, pois ficava no centro da cidade e era o prédio mais alto dali. Arriscou mais um passo, e ficou bem na beirada,
Gabriel sentiu o terror congelar-lhe os órgãos internos ao ouvir o que o detetive Simpson lhe disse.— Quem será aquela garota então?— ele perguntou a si mesmo — Será que foi ela que fez aquilo?Tratou de afastar esse pensamento da cabeça. Era absurdo pensar que uma garotinha de dez anos conseguiria fazer uma brutalidade daquelas com dois adultos, ainda mais um deles sendo um delegado treinado.Percebeu que Raguel não estava mais na sala e voltando a sala de espera da delegacia a encontrou estática olhando para o local onde haviam deixado a garotinha sentada, ao entrarem na delegacia.— Você viu par
Mikael programou o GPS com as coordenadas que o professor Vecchio deixou no email e deu a partida. Ao seu lado como um copiloto, Raphael segurava o aparelho celular com o cronômetro continuando a contagem de tempo iniciada por Louise assim que ligou o oxigênio do professor.— Quanto tempo ainda temos? — Mikael perguntou, sem tirar os olhos da pista — São cinquenta quilômetros até lá, na rota mais curta.— Temos pouco mais de uma hora — Raphael respondeu, enquanto colocava o cinto de segurança —, tempo de sobra, se nada nos atrapalhar.Seguiram para a avenida principal, em direção à zona sul da cidade. Era de se imaginar que o professor Jeremias Vecchio, sendo um historiador, ant
Raguel permaneceu em posição defensiva por mais alguns instantes, talvez imaginando que a criatura pudesse aparecer e atacar novamente, mas acabou por constatar que, aquela chama verde que surgiu de repente e respondia a seus comandos, havia a destruído por completo. Sentia uma corrente elétrica percorrendo todo seu corpo e todos os seus sentidos estavam mais aguçados. Não entendia de onde veio esta força, mas ela os salvou, então devia apenas ser grata.Levando uma mão às costas por sobre o ombro direito, ela sentiu o quanto essa chama, que brotava de sua pele como se fosse um novo membro do seu corpo, era densa e repetiu esse processo do lado esquerdo, constatando que eram um par, como se fossem uma espécie de asas. Concentrou-se em movimentá-las e viu que elas se dobravam ou se esticavam conforme a sua vontade.
O homem gordo e baixo tratou de ajeitar o terno e saiu apressadamente para o salão, após receber a notícia de que o General havia chegado e queria lhe ver. Não era dia de visita de rotina, mas o jovem líder das hordas nunca marcava hora ou avisava, apenas ia e sempre os pegava desprevenidos.— Meu senhor — ele disse, curvando-se em reverência, visivelmente amedrontado com a presença dele —, é uma honra recebê-lo aqui novamente!— Guarde sua bajulação e sua honra para alguém que as queira, Balthazard — ele respondeu secamente —, se quer me agradar, me dê resultados.— Prático e objetivo como sempre! — Balthazard disse, ameaçando outra reverência, mas se conteve ao lembrar-se da r