MarcosO som da risada de Yasmin ecoa pela casa enquanto Teresa corta os vegetais na bancada. Algo naquela risada me pega de surpresa. Não é só o som, é o peso que ela carrega, ou melhor, a leveza que agora parece ter. Por tanto tempo, Yasmin foi uma menina cheia de sombras. Ver a luz nela agora é quase um choque, um lembrete de como as coisas podem mudar.Hoje ela já não tem medo de mim e de nenhum homem do condominio, mas ainda temos alguns passos a avançar com a nossa pequena, semana passada acordei com os gritos dela tendo um pesadelo, revivendo as monstruosidades.Tenho certeza que com todo amor e paciência, ela vai superar esse trauma.— Vou chamá-los para almoçar — digo, pegando dois pratos na mesa para arrumar. Teresa acena com a cabeça, o rosto suave, mas concentrado.Subo as escadas e encontro a porta do quarto dela entreaberta. Espio antes de entrar. John está sentado no chão, livros espalhados ao seu redor, enquanto Yasmin tenta repetir palavras em inglês, tropeçando nas p
RafaelO que se sente quando a vida te dá uma segunda chance? O que é acordar depois de uma tempestade que te arrastou sem piedade, te jogando de volta para a realidade como se nada tivesse acontecido, como se aquele pesadelo de dor, medos e incertezas não tivesse sequer existido? A verdade é que eu não sei. Acordei, mas ainda estou em processo. Não é um simples "voltar ao normal", como muitos esperam. Eu ainda estou me encontrando. Cada passo que dou parece uma tentativa de recolocar os pedaços que, por muito tempo, estiveram fora de lugar. Mas agora, pelo menos, eu tenho tempo. Tempo para entender, tempo para viver.Hoje, 10 dias depois, estou em casa. O cheiro do café fresquinho vindo da cozinha, o som de Rafinha rindo enquanto brinca com Beatriz, a suavidade do toque dela na minha pele... tudo isso é novo para mim, mas ao mesmo tempo tão familiar. Beatriz está sentada no sofá, com Rafinha no colo, seus olhares trocando uma cumplicidade silenciosa que me faz sorrir. O pequeno cochi
BeatrizA sala de espera tem aquele cheiro peculiar de álcool e eucalipto que só clínicas modernas conseguem misturar. Meu coração bate mais forte enquanto observo Rafael sentado ao meu lado. Ele parece tranquilo, mas eu conheço cada traço daquele rosto, cada nuance de seus olhos cansados. Não é tranquilidade, é cansaço disfarçado de esperança. Hoje é o dia da primeira consulta com a medicina integrativa após o pesadelo. A consulta começa com o médico nos conduzindo para uma sala ampla, iluminada por uma luz suave. Rafael se acomoda na cadeira ao meu lado, sua expressão neutra, mas os olhos entregando o cansaço acumulado. O médico se senta em frente a nós, ajeitando os óculos no rosto. Ele começa com a pergunta mais simples e mais importante:— Rafael, como você está se sentindo?Rafael solta um leve suspiro antes de responder:— Estou me sentindo melhor, mas ainda tem momentos de cansaço extremo. Às vezes sinto uma leve tontura quando levanto rápido. A fraqueza ainda está presente,
Don FalconeA penumbra do quarto me envolve como um manto silencioso, mas minha mente está longe de encontrar descanso. Estou hospedado na mansão de Giulia, e o luxo discreto do ambiente não consegue atenuar a intensidade dos meus pensamentos. Cada revelação de Felipe ecoa em minha cabeça como um martelo, batendo forte, metódico, impossível de ignorar. Felipe matou o próprio pai. Não por ganância, mas para sobreviver e, de certa forma, por justiça. Se isso vier à tona, a máfia será dilacerada pela dúvida e pelo medo. Não posso permitir que o sangue de Cesare manche ainda mais o nome da nossa família.Decido deixar tudo como está. O peso das consequências é grande demais para arriscar. Felipe não é o herói dessa história, mas tampouco é o vilão. Ele apenas fez o que era necessário para preservar a verdade que Cesare tentou apagar. E agora, o equilíbrio delicado dessa verdade depende da minha decisão de mantê-la enterrada.Minha mente vaga, inevitavelmente, para o comportamento de Felip
BeatrizDias depoisO reflexo no espelho me mostra mais do que eu gostaria de admitir. Há cansaço nos meus olhos, linhas finas que não estavam ali antes, mas também há determinação. Preciso estar impecável, como sempre. Não por mim, mas por ele. Rafael, que repousa no quarto ao lado, está vivendo uma batalha silenciosa contra o próprio corpo, e eu não posso deixar que ele perceba qualquer fraqueza em mim. Hoje é um dia crucial.Depois de ajustar o último botão do meu blazer, caminho até o quarto. Rafael está sentado na cama, observando algo pela janela, mas seus olhos estão distantes. — Pronto? — pergunto suavemente, quebrando o silêncio. Ele vira o rosto para mim e sorri, um sorriso cansado, mas genuíno.Pouco depois, Marlon aparece na entrada, sempre pontual. No entanto, antes que possamos sair, Marcos surge no corredor com André ao seu lado, como se tivessem planejado o momento exato. — Já resolvemos tudo — Marcos anuncia, firme. — Vou dirigir. Assim vocês ficam mais à vontade n
RafaelNão deveria estar tão ansioso, mas estou. É como se algo adormecido dentro de mim finalmente despertasse, tomando conta de cada pensamento. Depois de semanas de incertezas, aquela consulta me deu algo que eu não sabia que estava precisando, a permissão. Permissão para viver de novo, para trabalhar, e, principalmente, para me reconectar com Beatriz de uma forma que só nós conhecemos.No carro, enquanto voltamos para casa, Beatriz está ao meu lado, os dedos delicados traçando círculos distraídos sobre a minha mão. A luz suave do final da tarde banha seu rosto, realçando cada detalhe que me fascina. O jeito como seus lábios se curvam, como se ela estivesse refletindo em algo, sem saber que está mexendo comigo mais do que deveria.Minha mente corre. Faz tempo, tempo demais, desde que pude tocá-la sem reservas, desde que senti o calor de sua pele contra a minha. Os limites que o meu corpo me impôs foram uma tortura, mas agora... agora parece que tudo está prestes a mudar.— Você est
BeatrizO quarto está silencioso, exceto pela respiração tranquila de Rafael. Ainda sinto o calor do corpo dele contra o meu, o cheiro inconfundível que só ele tem impregnado na minha pele. Fecho os olhos por um momento, tentando me agarrar à sensação de segurança que ele me proporciona, mas os pensamentos teimam em invadir.Durante a consulta, quando o médico mencionou que Rafael poderia retomar suas atividades aos poucos, senti um alívio. Ele está voltando a ser o homem que sempre foi, determinado, apaixonado pela ciência e, principalmente, por mim. Mas, junto com esse alívio, veio o medo. E se ele se esforçar demais? E se a recuperação não for como esperamos?Quando ele perguntou sobre voltar ao laboratório, tentei não demonstrar minha preocupação, mas meu coração apertou. Então, quando ele perguntou sobre nossa intimidade, eu quis rir para aliviar a tensão, mas tudo o que consegui foi corar. Não era só sobre o que o médico diria, era sobre mim também. Eu o queria tanto, mas tinha
VivianEstou me sentindo como uma bomba relógio, cada segundo uma contagem para algo que nem sei se quero descobrir. Sempre fui disciplinada, acordava cedo, tinha energia de sobra para enfrentar qualquer desafio. Mas agora, mal consigo sair da cama no horário. Meu corpo parece estar lutando contra mim, um sono que não passa, as calças que não fecham, os meus sei0s estão maiores... e hoje, enquanto tentava me vestir, a calça social que sempre me serviu, ela recusou-se a fechar. Um pensamento surgiu e me acertou como um golpe: E se eu estiver grávida?O desespero tomou conta do meu ser. Com o coração acelerado, envio uma mensagem para a Giulia. Não tenho coragem de encará-la imediatamente, então apenas digito: “Estou indo ai.” Mas quando abro a porta do quarto dela, os meus olhos estão marejados, e antes que consiga conter as lágrimas, corro para os seus braços.Giulia me segura, confusa, mas sua voz calma é um bálsamo para o meu nervosismo. — Vivian, o que foi? Aconteceu alguma coisa?