Uma semana depois
Enquanto acompanhava os passos dela, que seguia pelos caminhos estreitos entre as campas, passava os olhos pelas lápides espalhadas pelo enorme cemitério, de nome Lhanguene.
Judite segurava um buquê de flores e vestia tons escuros, como se revivesse um luto. O silêncio entre nós me permitia ouvir apenas o barulho dos nossos pés e de nossas chaves agitadas em nossos bolsos.
Virou a esquerda, passou por quatro campas e finalmente parou, se agachou e colocou sua mão sobre o mármore escuro.- Eurico D'Matos. - leu o nome num tom nostálgico, depois olhou para mim - Faz uns 4 meses que não venho para cá. - com a mesma mão, passou a proteger seus olhos do sol.
Me a
— Há quanto tempo ela se mudou para cá? — perguntei assim que tirei o pé do último degrau.— Há uns 6 ou 7 anos, por aí. — sacou de seu bolso um pobre molho de chaves.Respirei fundo enquanto o observava introduzir e girar uma das pequenas chaves na fechadura.— Você tem chave da casa da tua mãe. — ergui as sobrancelhas em surpresa.— Como vês. — girou uma última vez e empurrou a porta — Acredita, eu não queria.— Ficaria menos surpresa se batessemos e ela viesse abrir. — enfiei as mãos nos bolsos traseiros das minhas calças e comecei a dar passos lentos para dentro.— Mas ela não está. — depois de me dar passagem, fechou a porta nas minhas costas.— Então nós viemos ver uma pessoa que não está? — ri.— Não exactamente. — franziu o nariz — Ela já vem. Enquanto isso, nós aguardamos. Pode ser? — seu olhar castanho e intenso grudou no meu.
Os cabelos da Tia Uli, como eu chamava, estavam em cachos grossos, num festival de preto e branco. Tinha adquirido rugas que a deixaram mais bonita e detalhada. Seus olhos, assim como de seu filho, tinham pequenos víncos nos cantos, por delito do sorriso em seus lábios.— Vem cá! — abriu seus braços flácidos para me acolher.Me levantei e fui até onde esperava por mim. Passei meus braços por baixo dos seus e ela me abraçou apertado. Sorri quando senti seu peito vibrar por conta dos risos que soltava.— Tua avó está na sala. — disse para seu filho, antes que ele passasse apressado por nós — Txudi! Menina, tu viraste uma mulher linda. — disse assim que desgrudamos nossos corpos.— Obrigada, Tia Uli. — beijei sua bochecha — Continua a mesma pessoa agradável e bonita de sempre.Suas mãos apertavam carinhosamente meus ombros, enquanto trocavamos palavras de recordação, trocavamos elogios e ela fazia
Já estava um pouco escuro, quando entramos no cômodo. Fechei a porta do meu antigo quarto nas minhas costas, na qual encostei o corpo, enquanto a observava caminhar lentamente pelo mesmo. Seus olhos vagavam pelo lugar fresco, claro e repleto de objectos em inutilidade. Para além da cama perfeitamente estendida no canto direito, acompanhada de uma cabeceira simples, havia algumas das minhas medalhas perfiladas na parede. Alguns sapatos, uma bola de Basquete e alguns livros antigos, decoravam o canto como sempre fizeram, desde que deixei de viver ali.A janela enorme que havia na nossa frente, nos permitiu ver o céu nublado, como consequência de uma repentina mudança de temperatura.— Deve estar um pouco frio, lá fora. — indicou a visão emburada através da janela, depois se virou para mim — Se eu tivesse um quarto assim e num lugar
Batidas fracas na porta me fizeram despertar do sono leve que tive. Levantei a cabeça para olhar ao redor e ter certeza que não estava na minha casa.— Dadi? — respondi, sonolento.— Vocês vão dormir aqui? — sua voz abafada soou e fez Judite se mover em cima de mim.— Não!— Está bem. — ouvi seus passos se distanciarem e suspirei.Olhei para meu peito e vi um alvoroço crespo protegê-la de meus olhos. Soltei o segundo suspiro quando senti sua pele quente e nua sobre mim. Uma sensação de satisfação encheu meu peito, de tal forma que me impedia de ser sensato e acordá-la para dizer que estava tarde. Subi meu pulso até onde pudesse ver as horas, o que me deixou sem escolha.— Judy?— Mh? — respondeu, manhosa, e me apertou mais.— São horas de ir embora. Está a ficar tarde.— Que horas são?— 22:13.Como
No fim da tarde de segunda, dirigia relaxada até a casa da minha mãe. A desculpa de querer me oferecer verduras colhidas de suas terras, foi uma forma bem inteligente de minha mãe me chamar para uma conversa. Tinha comentado com ela sobre o dia passado com Lionel e, diferente do dia da viagem, ela me pareceu mais empolgada. Mesmo não dando muitos detalhes e omitindo o seu pedido, ela não parava de fazer perguntas carregadas de curiosidade.Durante o percurso, meus pensamentos giravam em torno de cada sensação boa que senti estando do lado dele. O dia tinha sido uma autêntica montanha-russa emocional e sensacional. Uma mistura de coisas que não sentia havia um bom tempo, comprimidas em menos de 24 horas, me levavam cada vez mais perto da conclusão que tirei: eu estava inteiramente reapaixonada* por ele, tendo certeza que era recíproco.A sua atitude no cemitério aumentou ainda mais a leveza que passei a sentir, principalmente depois
24 de DezembroA casa da minha mãe estava uma explosão de aromas, desde o doce, misturado com o salgado, ao queimado. Estavamos todas atarefadas e com movimentos apressados, pois nos preparavamos para a Ceia de Natal, que seria na casa da minha Avó, junto de primos e tios.— Meu avental está todo borrado de creme, alguém me entrega um limpo? — gritei, agachada na frente do forno.Estavamos sem tempo e com muita coisa para fazer ainda, razão pela qual me distraí noutras tarefas e me esqueci completamente do primeiro bolo, que acabou todo queimado. Usei rapidamente as luvas e tirei o segundo bolo, muito melhor e mais perfeito. Corri para desenformar e deixar a esfriar, depois segui para a sala, onde o gato da minha mãe lambia um pedaço de frango s
Com duas caixas de presentes empilhadas sobre minha mão, bati a porta da casa da minha mãe e pigareei. Podia ouvir vozes abafadas, quando olhei para Cléo e a vi desembrulhar uma pastilha elástica.— Você não tem gastrite? — indaguei.— Tenho. — abriu sua boca e atirou a pastilha para dentro, sem tirar os olhos de mim — Mas sou viciada em pastilhas. — deu de ombros e segurou melhor a panela preta.Dadi abriu a porta e sorriu assim que nos viu. Nos dando passagem, iniciou seu sermão por estarmos atrasados para a Ceia de Natal. Aparentemente, tinhamos sido os últimos a chegar. — Eu tive que trabalhar, hoje.— Até meio dia! — arqueou suas sobrancelhas quando sorri, sem saída.— Desculpa! — a puxei para um abraço, seguido de um beijo em sua testa — Feliz Natal, mãe!—
31 de DezembroAcabava de sair de um banho frio. Enquanto organizava a gola da minha camisete, entrei na cozinha e flagrei-a lavando suas mãos, distraída.— Terminei. — anunciei, fui até ela e depositei um beijo em sua testa.— Posso tomar um banho rápido também? — perguntou enquanto sacudia suas mãos.— Pode. Vou organizar as coisas aqui. — deu um beijo estalado em minha bochecha e seguiu até meu quarto.O dia tinha sido cansativo para ambos. Eu tive que trabalhar até meio dia e me encontrar com Júlio para dar início a alguns preparativos; Judite teve que cuidar de suas encomendas e fazer o mesmo com Lola, até que, para cumprir com nosso combinado, nos encontrassemos em minha casa para um jantar a dois. Eram 18 horas, quando Judite apareceu na minha casa com uma parte do jantar em seu carro e um cansaço visível, porém, demonstrava o mesmo níve