— Pronto. — invadi a sala, flagrando-o atento a TV — Podemos ir jantar?
— Podemos. — se levantou e passou a me acompanhar até a cozinha.
— Demorei?
— Não muito.
— Ainda bem. Sinta-se avontade. — indiquei a mesa e ele assentiu antes de se sentar.
— O cheiro aqui está de dar água na boca. — ouvi dizer por trás de mim, enquanto desligava as panelas para começar a servir.
— Confia que o sabor compensa.
— Não tenho dúvidas. — soltou alguns risos roucos — Há uns 11 anos duvidaria, mas agora não.
— Estou ligeiramente ofendida. — me virei, plantei as mãos na cintura e ri — Mas é verdade. Eu não era lá essas coisas, na cozinha.
— O que mudou isso?
— Não sei. — alcancei duas travessas e colheres para servir — As coisas simplesmente foram mudando.
— Bom saber.
— Como vão as coisas
— Mamaaã! — arregalei os olhos por conta do que ela perguntou — Claro que não!— O que foi então?— Um simples jantar entre amigos, no qual rolou muita conversa. Só isso. — respondi, olhei para frente e apertei o volante.— Então foi o quê? Um mosquito? — desentendendo, me virei para vê-la girar o dedo perante seu pescoço, me fazendo lembrar que eu tinha um chupão bem feito.— Jesus do céu! — sussurrei antes de rir, totalmente encuralada na minha mentira — Eu não vou falar sobre isso contigo, meu amor.— Você não é a tal aberta, sem tabús, sem restrições?— É diferente. — tirei uma das mãos do volante para erguer o indicador em defesa.— Ta
Tranquei as portas do carro, enfiei as chaves no bolso da minha camisola e entrei no lugar com cheiro de Café e Uísque. Meus olhos vasculhavam o espaço em busca dos dois rostos conhecidos, até achá-los numa das mesas do centro.Lola e Júlio já me pareciam bem animados, quando me receberam com alegria acima da medida. Arrastei a cadeira, me sentei e olhei para as canecas e os pratos vazios diante dos dois.— Lio, como vai, irmão?— Bem, mas não melhor que vocês. — afundei na cadeira e coloquei meu telefone sobre a mesa.— Nós vamos casar. — Lola ergueu seu anelar, ao qual apontava enquanto mexia seu corpo numa dança empolgada.— É sério isso?— Muito sério. — se aproximou da mesa — No dia 14 de fevereiro do próximo ano, sábado, eu vou colocar um anel nesse dedo, com areia branca em nossos pés e praia nas nossas costas! — passou o braço pelos ombros de sua amada e beijou seu pesco
Uma semana depoisEnquanto acompanhava os passos dela, que seguia pelos caminhos estreitos entre as campas, passava os olhos pelas lápides espalhadas pelo enorme cemitério, de nome Lhanguene.Judite segurava um buquê de flores e vestia tons escuros, como se revivesse um luto. O silêncio entre nós me permitia ouvir apenas o barulho dos nossos pés e de nossas chaves agitadas em nossos bolsos.Virou a esquerda, passou por quatro campas e finalmente parou, se agachou e colocou sua mão sobre o mármore escuro.- Eurico D'Matos. - leu o nome num tom nostálgico, depois olhou para mim - Faz uns 4 meses que não venho para cá. - com a mesma mão, passou a proteger seus olhos do sol.Me a
— Há quanto tempo ela se mudou para cá? — perguntei assim que tirei o pé do último degrau.— Há uns 6 ou 7 anos, por aí. — sacou de seu bolso um pobre molho de chaves.Respirei fundo enquanto o observava introduzir e girar uma das pequenas chaves na fechadura.— Você tem chave da casa da tua mãe. — ergui as sobrancelhas em surpresa.— Como vês. — girou uma última vez e empurrou a porta — Acredita, eu não queria.— Ficaria menos surpresa se batessemos e ela viesse abrir. — enfiei as mãos nos bolsos traseiros das minhas calças e comecei a dar passos lentos para dentro.— Mas ela não está. — depois de me dar passagem, fechou a porta nas minhas costas.— Então nós viemos ver uma pessoa que não está? — ri.— Não exactamente. — franziu o nariz — Ela já vem. Enquanto isso, nós aguardamos. Pode ser? — seu olhar castanho e intenso grudou no meu.
Os cabelos da Tia Uli, como eu chamava, estavam em cachos grossos, num festival de preto e branco. Tinha adquirido rugas que a deixaram mais bonita e detalhada. Seus olhos, assim como de seu filho, tinham pequenos víncos nos cantos, por delito do sorriso em seus lábios.— Vem cá! — abriu seus braços flácidos para me acolher.Me levantei e fui até onde esperava por mim. Passei meus braços por baixo dos seus e ela me abraçou apertado. Sorri quando senti seu peito vibrar por conta dos risos que soltava.— Tua avó está na sala. — disse para seu filho, antes que ele passasse apressado por nós — Txudi! Menina, tu viraste uma mulher linda. — disse assim que desgrudamos nossos corpos.— Obrigada, Tia Uli. — beijei sua bochecha — Continua a mesma pessoa agradável e bonita de sempre.Suas mãos apertavam carinhosamente meus ombros, enquanto trocavamos palavras de recordação, trocavamos elogios e ela fazia
Já estava um pouco escuro, quando entramos no cômodo. Fechei a porta do meu antigo quarto nas minhas costas, na qual encostei o corpo, enquanto a observava caminhar lentamente pelo mesmo. Seus olhos vagavam pelo lugar fresco, claro e repleto de objectos em inutilidade. Para além da cama perfeitamente estendida no canto direito, acompanhada de uma cabeceira simples, havia algumas das minhas medalhas perfiladas na parede. Alguns sapatos, uma bola de Basquete e alguns livros antigos, decoravam o canto como sempre fizeram, desde que deixei de viver ali.A janela enorme que havia na nossa frente, nos permitiu ver o céu nublado, como consequência de uma repentina mudança de temperatura.— Deve estar um pouco frio, lá fora. — indicou a visão emburada através da janela, depois se virou para mim — Se eu tivesse um quarto assim e num lugar
Batidas fracas na porta me fizeram despertar do sono leve que tive. Levantei a cabeça para olhar ao redor e ter certeza que não estava na minha casa.— Dadi? — respondi, sonolento.— Vocês vão dormir aqui? — sua voz abafada soou e fez Judite se mover em cima de mim.— Não!— Está bem. — ouvi seus passos se distanciarem e suspirei.Olhei para meu peito e vi um alvoroço crespo protegê-la de meus olhos. Soltei o segundo suspiro quando senti sua pele quente e nua sobre mim. Uma sensação de satisfação encheu meu peito, de tal forma que me impedia de ser sensato e acordá-la para dizer que estava tarde. Subi meu pulso até onde pudesse ver as horas, o que me deixou sem escolha.— Judy?— Mh? — respondeu, manhosa, e me apertou mais.— São horas de ir embora. Está a ficar tarde.— Que horas são?— 22:13.Como
No fim da tarde de segunda, dirigia relaxada até a casa da minha mãe. A desculpa de querer me oferecer verduras colhidas de suas terras, foi uma forma bem inteligente de minha mãe me chamar para uma conversa. Tinha comentado com ela sobre o dia passado com Lionel e, diferente do dia da viagem, ela me pareceu mais empolgada. Mesmo não dando muitos detalhes e omitindo o seu pedido, ela não parava de fazer perguntas carregadas de curiosidade.Durante o percurso, meus pensamentos giravam em torno de cada sensação boa que senti estando do lado dele. O dia tinha sido uma autêntica montanha-russa emocional e sensacional. Uma mistura de coisas que não sentia havia um bom tempo, comprimidas em menos de 24 horas, me levavam cada vez mais perto da conclusão que tirei: eu estava inteiramente reapaixonada* por ele, tendo certeza que era recíproco.A sua atitude no cemitério aumentou ainda mais a leveza que passei a sentir, principalmente depois