O estalar de galhos, o tropel de botas pesadas na lama. Várias. Rápidas. O grito de uma de suas galinhas, seco, cortado no meio. Ela se ergueu num pulo, os olhos arregalados. Correu até a janela e espiou por entre as frestas da madeira.
Homens. Armaduras simples, escudos com o brasão do vilarejo. Três... quatro... cinco...
Seus pulmões pareciam esquecer como respirar.
Ela recuou, trêmula, tropeçando no tapete. Antes que pudesse se mover novamente, a porta foi arrombada com um estrondo que fez a cabana inteira estremecer. A madeira se estilhaçou, batendo contra a parede. Helena gritou, os braços instintivamente cobrindo o rosto.
— Helena da Colina Branca — anunciou uma voz autoritária,
As rodas da carroça continuaram a ranger, avançando pelas ruas de terra da vila. O som dos cascos batendo no chão parecia ecoar dentro da cabeça de Helena, como marteladas secas e implacáveis. Rowan já não estava mais em seu campo de visão — só restava o vazio no peito, o eco de sua voz sendo calada à força.Ela se encolheu mais uma vez, agarrada às barras da pequena jaula de madeira. O frio não vinha do clima, mas do olhar das pessoas que surgiam nas janelas, nas portas, nos becos. Como sombras silenciosas, eles a seguiam com os olhos, alguns murmurando orações, outros cuspindo ao chão ao vê-la passar.— Feiticeira… — sussurrou uma mulher, agarrando uma criança pelo braço. Duas semanas se passaramO sino da capela tocou alto naquela manhã cinzenta, cortando o ar como uma lâmina. As badaladas ressoavam por toda a vila, chamando o povo para o que já sabiam ser um espetáculo de condenação. As portas da igreja foram abertas com força e, sob o altar erguido no centro da praça, Padre Mathias surgiu envolto em sua batina escura como breu.A multidão se reunia em ondas, sussurrando entre si. Velhos, mulheres com crianças no colo, jovens ansiosos por ver algo que pudessem contar depois. O ar carregava um cheiro de fumaça e ansiedade.No alto do estrado, Mathias ergueu os braços, as mangas longas pendendo como asas de um corvo.— Irmãos e irmãs! &m16.1
O céu estava coberto por nuvens espessas quando os sinos começaram a soar. Um som lento, arrastado, fúnebre.Na cela, Helena já estava de pé. A noite fora longa, e o sono, inexistente. Seus olhos estavam fundos, mas havia neles uma luz difícil de explicar — algo entre resistência e fé. Fé em uma única coisa: Tristan.Ela ouviu passos pesados, então vozes se aproximando. A tranca rangeu, e dois soldados entraram. Um segurava correntes, o outro, um olhar vazio.— Está na hora, bruxa — disse um deles, sem emoção.Helena não respondeu. Esticou os pulsos com firmeza, encarando os homens. O clique das algemas ressoou como o som final de uma sentença.
Três dias antes…O céu estava tingido de dourado quando Tristan partiu com seu cavalo de volta para casa. A vitória tinha sido dura, seu corpo estava coberto de poeira e cansaço, mas sua mente... sua mente estava em Helena. Era tudo o que queria agora — um banho quente, os braços dela, sua voz doce o recebendo no lar que haviam construído com tanto amor.A estrada de volta era silenciosa, cortando pelos campos já meio secos, quando ele encontrou um grupo de viajantes no caminho. Eram dois homens e uma mulher, rostos fechados, carregando sacos e conversas abafadas. Ao passar por eles, ouviu algo que fez seu coração parar:— …foi levada como bruxa, a fogueira tá pronta. Dizem que amanhã cedo…
A noite caía pesada sobre o vilarejo, as sombras dançando nas paredes de madeira da pequena casa onde Helena se escondia. O vento uivava através das frestas da pequena casa de pedra, carregando consigo o cheiro de chuva e medo. Helena, encolhida atrás de um baú de madeira, pressionava as mãos pequenas contra os ouvidos, tentando abafar as vozes que ecoavam pela casa. Mas era impossível não ouvir.— Não podemos continuar assim, Wilhelm! — A voz da mãe soava cortante, desesperada. — Essa marca... Essa maldição... Ela vai trazer desgraça para todos nós!— Ela é só uma criança — retrucou o pai, mas a hesitação em sua voz era evidente. — Não sabemos se... se é mesmo o que dizem.— Abra os olhos! — A mãe interrompeu, a voz embargada pelo medo. — Todos sabem o que aquela marca significa. O padre Mathias viu! Ele mesmo disse que é obra do demônio. Como podemos manter isso sob nosso teto?Helena apertou ainda mais as mãos contra os ouvidos, como se pudesse afastar aquelas palavras. Os olhos ar
O sol nascente tingia o céu com tons dourados e alaranjados quando Helena abriu a pequena janela de madeira, deixando a brisa fresca da manhã invadir a cabana. O ar carregava o cheiro úmido da terra e o canto distante dos pássaros que despertavam junto com o dia.Durante anos, aquele lugar que fora um refúgio miserável se tornara seu lar. A estrutura que antes ameaçava desmoronar agora estava reforçada com tábuas novas e musgo removido das paredes. O teto, antes perfurado pela chuva, fora consertado com cuidado, impedindo que as águas tempestuosas invadissem seu abrigo. O chão de terra batida dera lugar a um revestimento de madeira rústica, e o cheiro de mofo foi substituído pelo aroma das ervas secando em pequenos feixes pendurados no teto.A lareira crepitava suavemente no canto da cabana, aquecendo a chaleira de ferro onde a água fervia para o chá da manhã. Em uma mesa simples, porém bem cuidada, repousavam pequenos potes de barro contendo ervas e unguentos que ela mesma preparava.
O calor do fogo na lareira tornava a cabana aconchegante enquanto Helena mexia uma panela de ferro sobre as chamas. O cheiro de ervas e legumes cozinhando preenchia o ar, e o suor já umedecia sua nuca. Cozinhar era uma tarefa simples, mas necessária, e ela se permitia aproveitar o momento em silêncio.Foi então que ouviu os animais. O balido alto das cabras, o mugido aflito de Branca e os grunhidos nervosos dos porcos. Seu coração acelerou. Esse tipo de alarde nunca era bom sinal.Limpando as mãos no avental, Helena se dirigiu à porta, o corpo tenso. Pegou uma faca que sempre deixava por perto—não que ela soubesse lutar, mas a mera sensação de ter algo nas mãos lhe dava uma falsa segurança. Respirou fundo antes de puxar a tranca e abrir a porta.O que viu fez seu estômago se revirar.Um homem estava parado ali, oscilando entre um passo e outro, como se o próprio corpo estivesse prestes a ceder. Ele era imenso—assustadoramente alto e absurdamente forte, mesmo com a armadura rachada e o
Helena ainda estava sentada no chão, recuperando o fôlego, quando seus olhos caíram sobre a armadura do guerreiro. Era um emaranhado de ferro pesado, rachado e coberto de sujeira e sangue seco. Se ele precisava de cuidados urgentes, a primeira coisa a fazer era se livrar daquilo.— Ótimo, mais trabalho para mim… — murmurou, passando a mão no rosto.Ela se aproximou e começou a desfazer as correias de couro que mantinham as peças unidas. Algumas estavam tão apertadas e rígidas que seus dedos doíam ao tentar afrouxá-las.— Quem foi que te vestiu, homem? Um ferreiro com raiva da humanidade?Depois de alguns minutos de luta, a primeira peça caiu com um baque surdo no chão de madeira. Seguiram-se os ombreiros e a couraça, revelando um peitoral coberto de hematomas, arranhões e cortes abertos. A pele quente, marcada por cicatrizes antigas, se esticava sobre músculos firmes.Helena parou. Engoliu em seco.Seu rosto esquentou no mesmo instante.— Isso não importa — murmurou para si mesma, vol