Estava me vendo em um belo vestido branco, meus cabelos negros eram a única coisa que tinha cor ali, meus olhos castanhos faziam semanas que não brilhavam, minha pele clara se perdia na cor branca do vestido. Três mulheres enfiam alfinetes no vestido e minha mãe chorava sem parar.
— Elisabeth, por que está chorando tanto? — Uma das mulheres pergunta, enquanto enfia um alfinete no vestido.
— De felicidade! Não é mamãe? — Digo antes que minha mãe possa dizer algo que nos comprometa.
— Sim, não podia estar mais feliz. — Minha mãe diz com seus lindos olhos verdes tristes.
E eu a compreendia, afinal quantas vezes uma mãe pode ver sua filha vestida com sua mortalha, antes de estar morta?
— Pode tirar o vestido, estará pronto para o grande dia. — A mulher carrancuda diz.
— Obrigada! — Digo gentilmente e comecei a tirar os laços que estavam me sufocando.
— Filha, gostaria de ajuda?
— Não precisa. —Tirei o vestido que tanto eu odeio do meu corpo e coloquei meu outro vestido de cor lilás. — Preciso que me ajude a amarrar o laço nesse aqui. — Eu odeio todas essas fitas e laços que me tiram o fôlego, mas ela exige que todas nós usemos, dessa forma não seriam confundidas com as camponesas.
Minha mãe trançou a fita quase me deixando sem ar.
— Está me sufocando! — Falei puxando o ar.
— Desculpa! — Ela diz pisando no vestido branco que acabei de tirar.
— Não fique nervosa, tudo vai ficar bem. — Mentir para ela tinha se tornado um hábito, sempre usava palavras que ambas sabíamos que eram mentira, porém a verdade era inevitavelmente cruel.
— Não, não irá. — Ela olha para o vestido branco, eu não disse nada. —Olha só o que eu fiz! — Ela tenta em vão limpar com suas mãos, mas ela acaba chorando em cima do vestido.
— Mãe! — Ela seca as lágrimas. — Não se preocupe, irão conseguir tirar a mancha.
— Sim querida, nada atrapalha o grande dia. — A mulher diz se virando para pegar o vestido, outra mulher se aproxima e ela dá um largo sorriso.
— Você deve está feliz por ser uma das escolhidas?
— Quem não estaria? — Minha mãe fala, olhando para filha da mulher que está brincando com as fitas no chão.
— Quem não estaria? — Repito tentando sorrir, chamando atenção para mim e não para minha mãe.
— Eu daria tudo para estar no seu lugar! — Sinto uma enorme vontade de dizer: "então porque não vai, no meu lugar?", mas apenas digo...
— Sou sortuda! — Dou o mais largo sorriso que consegui.
— Não sabe quanto. — Ela diz piscando.
Eu realmente desejo ter a boa vontade dessa mulher.
— Vamos filha? — Minha mãe diz me puxando.
Todos me olhavam como se eu fosse da realeza e de certa forma é o que sou. Moramos mais próximo do castelo que qualquer um, temos as melhores casas, os melhores vestidos e joias, cada pequeno desejo pode ser realizado com um estalar de dedos.
Mas tudo tem um preço, é assim que as coisas funcionam em Tárcia e o preço que nós escolhemos temos que pagar é com nossas vidas.
Escutei alguns cochichos de uma mulher que fala com sua filha. "É ela filha, ela que é uma das escolhidas".
Não costumávamos sair, nunca gostei dos olhares e presentes que recebia, não gosto de ter que parecer agradecida, sorrir e fingir que não sou um porco sendo preparada para o abate. Mas havia coisas que me obrigavam a ter que andar pelo reino e o vestido para a grande cerimônia era um desses motivos.
— Eu odeio sair nas ruas. — Eu cochicho para minha mãe, que me olha e balança a cabeça.
— Também filha. — Minha mãe sempre foi bonita, cabelos escuros, pele bem clara e olhos verdes, mas mesmo assim tristes. Não haveria ninguém que não concordasse comigo, ela era a camponesa mais linda que alguém já viu. — Porque está sorrindo?
— Eu queria ter nascido com seus olhos. — Falei, ela rapidamente ficou vermelha, minha mãe ao contrário de mim, não gostava de elogios.
— Pare com isso! É linda exatamente como é.
— Diz isso porque nasci sua cópia. — Ela sorri e revira os olhos, ela já havia se conformado comigo, mas a única coisa que realmente puxei do meu pai foram os olhos e o gênio.
Chegamos à enorme casa, que segundo eles era "a nossa casa." Meu pai está sentado olhando pela janela. Ele não me olha, nem ao menos parece perceber que eu estava lá, não reconheço o homem que ali está, tem os mesmos olhos castanhos profundos como os meus, mas agora não tinha vida ali. Meu pai sempre estava triste, ele tinha se tornado a sombra do guerreiro que um dia foi, mas nas últimas semanas isso tem sido pior, ele tem ficado mais distante e eu não consigo mentir para ele, não posso abraçá-lo e dizer que tudo irá ficar bem, não tenho força para isso e acho que ele sabe disso.
— Vamos filha. — Minha mãe me puxa quando percebe que eu estava prestes a chorar. Eu a sigo até o meu quarto.
— Não sei o que eu faço! — Digo me jogando na cama. — Ele sabe que não sou culpada, não sabe?
— Ele mais do que ninguém sabe. — Ela se aproxima e faz uma carícia em meus cabelos.
— E o que eu faço?
— Não há o que fazer!
— Eu não quero ir e deixá-lo assim! — Digo irritada. A verdade é que estou muito irritada nos últimos dias, estou irritada com tudo e com todos, porque eu não quero morrer, porque não quero deixá-los.
— Como se você estivesse escolhendo! — Minha mãe diz, sem me olhar, tanto ela quanto o meu pai sabiam que não havia escolha, não quando meu destino foi traçado pela rainha de Tárcia.
— Não tenho. — Sinto a minha garganta doer, mas não ia chorar, não ali, não perto dela.
— Minha filha... — Ela não terminou de falar, apenas me abraçou, não havia muito o que falar, não quando sabíamos onde a conversa iria terminar, meus pais estavam devastados e eu não podia fazer nada para mudar isso e era o que mais me doía.
Às vezes desejo que eles fossem como os outros pais, queria que eles estivessem felizes pela honra de ter uma escolhida em sua família, mas meus pais não eram assim, eles não se importavam com o bem do reino...
— Podíamos caçar, ele sempre se alegra quando caça. — digo e minha mãe deu o que era à sombra de um sorriso.
— Sabe que isso não irá acontecer.
— Só queria saber o que fazer. — Eu me sentia impotente, como se minhas mãos estivessem amarradas, eu não podia lutar pela minha própria vida e não podia mudar o que meus pais sentiam quanto a isso.
— Eu também, querida. — Ela beija o topo da minha cabeça, já havia se passado muito tempo desde que ela havia feito isso, muito tempo desde que eu era uma menininha que precisava de colo e consolo.
Veio à imagem de uma casinha humilde sem muito espaço e com muitas espadas, minha casa ficava longe do castelo em uma floresta, não tínhamos muito, mas nada nos faltava e, com certeza, fui mais feliz lá do que nessa casa enorme e vazia.
Essa casa não tem vida e, com certeza, nunca teve alegria. Quando nos mudamos, meus pais já sabiam que em sete anos eles perderam sua única filha e a bela casa não mudava isso.
— Filha, você quer um chá?
— Não, vou ir ver a Elaine.
— Não demore muito. — Minha mãe disse se virando para sair. — E não desça pela janela!
— Não se preocupe. — Digo olhando para janela, mas então decidi obedecê-la e sai pela porta.
Caminho até a enorme casa ao lado e bato na porta.— Sim, o que deseja? — A criada baixinha de cabelos ruivos pergunta, não gosta muito de mim, na verdade. Poucas são as pessoas que gostam, sou um exemplo do que uma escolhida não deve ser.— Elaine está?— Sim, pode entrar. — Ela diz se virando para ir chama Elaine, fiz uma careta, mesmo sabendo que era algo infantil, mas não havia muito que se fazer além disso.A enorme casa da Elaine era bela e cheia de flores, ao contrário da minha que estava sem vida.Elaine entra na sala com seu lindo vestido verde, ao contrário de mim, ela é o exemplo do que uma escolhida deve ser. Muito calma e conformada, fingi muito bem estar feliz por morrer pelo nosso reino, mas não estava, minha melhor amiga não está conformada, apenas aceita porque sua família acha que é uma honra morrer para o bem do reino.— Foi fazer a prova do vestido hoje? — Ela perguntou de forma gentil, sempre gentil demais para o meu gosto, mas eu a adorava e por isso suportava ta
Em um segundo, já não estávamos no lago e sim em um lugar lindo. Havia um homem com roupas pomposas, ele era velho, tinha barba branca e olhos azuis muito escuros, diferente dos de Caio e Elaine que eram claros como o céu, mas além da diferença havia tristeza em seus olhos o tipo de tristeza que eu via nos olhos do meu pai. Ele estava sentado em um trono de ouro e havia outras três pessoas (contar como são as três pessoas). Então um homem de cabelos negros se aproxima dele.— Onde estamos? — Perguntei aflita para a criatura que me acompanhava.— Estamos no passado, estamos no passado de sua rainha. — Eu olhei novamente para tudo, parecia que estávamos ali invisíveis para eles, fiquei tentada a dançar apenas para ter certeza que não nos viam.— Ele é o pai dela?— Preste atenção! — Ele diz simplesmente, não respondendo meu questionamento e apontando para o trono.O homem ser posiciona ao lado da porta e anuncia:— Vossa majestade a rainha! — uma bela senhora de cabelos negros e olhos c
Estávamos outra vez no lago, olhei para todos os lados, para ter certeza que estamos no mesmo lugar que saímos e estávamos, a água clara e gelada estava cobrindo os meus pés não tinham indo a lugar nenhum, estávamos lá na floresta, no mesmo lugar, me abaixei e peguei uma pedra do chão, queria sentir, queria ter certa de tudo.— O que foi isso? — Olhei para a coisa, que me observava, queria ter certeza do que ele tinha feito, de como ele tinha feito, eu teria saído do lugar? Ou será que ele colocou aquilo na minha cabeça?— O passado? — Ele disse pensativo, eu me afastei dele.— Como o senhor fez isso? Como me fez estar lá e estar aqui ao mesmo tempo?— Saberá tudo no tempo certo. — Ele parecia estar me analisando, como se esperasse outra atitude minha. — Mas...— Temos apenas uma solução para que você viva. — ele continua a me ignorar, mas suas palavras chamam minha atenção. — Eu sei que você está maravilhada com tudo.— Porque você está tentando me ajudar? O que quer, porque eu nã
Chego à minha antiga casa e olho para onde eu vivi os melhores dias da minha vida, eu não fazia ideia do quanto as coisas poderiam mudar, o quanto tudo poderia ser destruído.A pequena cabana agora cheirava a mofo, as janelas estavam quebradas, provavelmente os bichos tenha entrado depois que fomos embora, ou algum viajante a usou para algo, ela estava caindo ao pedaços, mas ainda me sentia mais segura aqui do que na enorme casa que me deram para morar. Lembro- me do dia em que nos mudamos, a carruagem de ouro parou de frente a nossa casa. O homem de cabelo branco e com uma barriga enorme nos mandou entrar, pois eu era uma das escolhidas da rainha e isso era uma grande honra. Eu não sabia, na verdade não tinha idade para entender, apenas sabia que meus pais estavam com medo e aquilo deveria ser um sinal.Comecei a levantar as cadeiras que estavam no chão, o pó tomava o lugar, eu sei que é bobagem limpar esse lugar, sabendo que nunca mais voltarei aqui, mas parecia certo deixá-la limp
Meu coração estava prestes a saltar pela boca, o ar parecia ter sumido de meus pulmões. Como eu podia ter sido tão descuidada peguei no sono aqui? Senti um arrepio tomar todo o meu corpo, o medo me tomou de uma maneira que nunca imaginei ser possível. O que eles fariam comigo? Eu estava desarmada e indefesa...— É só uma menina, afaste isso dela. — O velho diz me olhando.— Ela pode estar com os ladrões. — O homem de nariz torto se intromete...— Quem é você? — O belo rapaz pergunta com a espada erguida para mim.Ele parecia orgulhoso e imponente, com ar de superior, sentia raiva por está desarmada, eu o faria implorar por piedade e ele tiraria aquele jeito presunçoso de me olhar. Mas mesmo sobre minha raiva não podia negar que era belo. Agora sobre a luz do dia e bem ali na minha frente eu podia ver os cabelos negros como os meus, seus olhos verdes que me encaravam, o que era um contraste para as sobrancelhas grossas e negras. Ele era forte, mas agora usando apenas uma camisa branc
Entrei no lindo quarto, as cortinas brancas, almofadas coloridas e uma cama digna de uma princesa, é uma prisão confortável, nada ali era meu além de uma boneca feia e remendada, a única coisa que consegui carregar comigo, a única coisa que podia chamar de minha. Lembrei-me do dia em que eles chegaram para nos trazer para a nossa nova casa.— Eu não quero ir! — Eu gritava me segurando na frágil porta de madeira.— Temos que ir! — Meu pai dizia soltando os meus dedos um por um.— Por quê? — Eu gritava com raiva.— Você foi escolhida. — Minha mãe falava com um falso sorriso olhando para o homem que nos esperava.— Não quero ser escolhida! — Falei tentado fugir dos braços do meu pai.— Você será invejada, terá uma casa mais confortável, terá uma boneca bem melhor que essa. — O homem barrigudo disse olhando para a boneca rasgada no chão.— Não quero nada que venha da sua rainha! — Eu gritei e minha mãe tapou minha boca.— Desculpe meu senhor, ela não queria dizer isso. — mamãe murmurou me
Eu estava em um campo havia rosas vermelhas espalhadas por todo lado, olhei para meu corpo e eu usava um lindo vestido branco, parecia muito com a minha mortalha, porém esse tem um brilho diferente. Caio estava lá montado em uma alazão com um lindo sorriso, ele usava roupas pomposas, ergueu a mão para que eu pudesse subir então quando já estava montada junto a ele começa a cavalgar em direção a floresta. De repente eu fiquei com medo, ele corria cada vez mais rápido.— Caio vamos cair! — Eu tento avisá-lo, mas não adianta ele correria cada vez mais rápido, até que paramos de frente a um castelo, então ele desce e me ajuda a fazer o mesmo. — A onde vamos? — Perguntei, mas ele apenas me puxa para dentro do castelo. Subimos uma escada e só paramos quando chegamos de frente a uma porta de madeira, nela havia um desenho de uma árvore, parecia com uma macieira, olhei para Caio — O que tem aí? — Pergunto aflita, mas ele apenas abre a porta e me puxa para dentro.O quarto estava escuro e a ú
Diante de meu desespero, caio estalar um beijo em meus lábios e se afasta, pulando a janela e voltando por onde tinha vindo. Respiro fundo antes de abrir a porta tentando afastar qualquer resquício de afobação. Quando Abro a porta, meu pai me olha como se suspeitasse de algo.— Como está? — Ele diz entrando no quarto e encarando tudo a volta, como se pudesse sentir que algo estava fora do lugar.— Bem. — Digo enquanto ele se senta na minha cama.— Sente-se. — ele pede e eu me aproximo incerta. O que teria acontecido agora? — Lembra quando tinha sete anos e você caiu do cavalo? — questiona e eu concordo me lembrando. — Recorda-se que passou dias na cama?— Lembro do papai. — Digo sem entender aonde ele queria chegar.— Quando melhorou você se levantou, olhou para mim muito séria e disse "quero ver ele me derrubar de novo". Sua mãe proibiu, mas durante a noite você saiu e subiu no cavalo.— Eu era teimosa! — sorrio com mais uma cena de minha teimosia que nem me lembrava.— Quero que con