2- Querido Desconhecido.

Nos seus 27 anos, Caleb era um homem bonito. Modelo profissional com um porte físico invejável, olhos castanhos, cabelo cacheado e queixo cortado, tinha agora uma tatuagem na parte interna do braço em homenagem a avó, e uma pintinha preta perto do olho. Alguns o consideravam irritante com aquele sorriso aberto, mas ela não.

Na verdade ela sempre se alegrava ao falar com ele, mas daquela vez estava sendo diferente, a morena se entristeceu.

Não porque seu amigo havia encontrado alguém e se apaixonado, não porque ele estava viajando a trabalho, ou porque havia tomado a decisão repentina de se casar, mas porque ela estava lá, no mesmo lugar de sempre. Fazendo as mesmas coisas de sempre.

Amava seu trabalho e sua rotina, mas isso já não era o suficiente para ela. Não quando após um dia longo, tivesse que ficar em casa, sozinha com o som da televisão, e saudades de seu falecido cão.

Não quando sentisse saudades de amar e ser amada.

Estava faltando alguma coisa, ou melhor, alguém.

Antes diria que faltava Axel, aquele jovem simpático cujo sorriso costumava inundar seu coração de amor, mas naquele momento percebeu que não era só ele. Ela estava em falta com ela mesma, por não ter seguido em frente, por não ter feito outros planos.... Por ter paralisado.

Sim, ela reconheceu que errou quando paralisou a própria vida para esperar por ele. Mas não conseguia deixar para lá a tristeza e nem deixar de se sentir só.

Afinal era assim que estava.

Havia comprado a casa na cidade de Ventana tão logo decidiu se mudar de Adni, e seu bairro era maravilhoso, sem qualquer dúvida tinha tudo que alguém poderia procurar em um bairro.

Tal como lhe disse o agente imobiliário, lá encontrou espaços encantadores para passear com um parceiro, um parque para ver os filhos brincar ou levar o cão para passear, até mesmo discotecas interessantes para com os amigos celebrar. Tinha tudo no seu bairro.

Mas ela não tinha ninguém. Nem um parceiro, filhos, um cachorro ou amigos por perto. Athina só tinha no momento seu trabalho e casa.

E claro, o coração em fragalhos.

E isso a deixava triste.

Principalmente agora que se sentava na praça, observando, mesmo que involuntariamente aqueles que na maioria eram seus vizinhos e com as vidas aparentemente realizadas.

Mães gritando com seus filhos por correrem de um lado para outro, casais andando de mãos dadas, jovens passeando seus animais, e amigos andando de skate por aí... Era tudo o que não tinha.

Lágrimas inundaram seus olhos, seu nariz ficou vermelho e então ela desistiu. Desistiu de ficar sozinha no banco olhando a vida viva das outras pessoas, sentindo mais uma vez o contraste amargo, e então voltou para a solidão que era sua casa.

E tão logo fechou a porta atrás de si, desabou no choro.

Porquê estava se sentido assim justo naquele dia, quando só pretendia assistir filmes e comer pipoca o dia todo?

Porquê, se já faziam pelo menos cinco anos que essa era sua realidade, era por estar chegando perto dos trinta?

Ou porquê todos ao seu redor pareciam ter uma vida mais viva que a sua?

Ela não entendia. Deveria ter ficado muito feliz com a notícia do amigo, mas pelo contrário, estava triste, como se tivesse ido ao seu próprio funeral.

E isso a fazia se sentir ainda mais horrível, e mais ainda a falta da companhia agradável de Axel, seus sorrisos iluminados e o comportamento delicado.

Deveria ter aguentado a distância, não deveria ter desistido bem antes de tentar.

Sua mente lhe obrigava a pensar enquanto chorando e tremendo, abraçava o próprio corpo.

Aqueles momentos de solidão, eram os que sentia mais a falta de Axel, a família dele era complicada, mas ele era um amor. Dizia a si mesma que deveria ter aguentado.

Ou talvez fosse apenas a carência associada a saudade daquele que para além de um ex namorado, era seu amigo, lhe dizendo tudo aquilo.

Mas não importava, ela percebia bem melhor, não podia continuar esperando por alguém que nem sabia que estavam lhe esperando. Nem alimentar falsos sonhos em seu coração, ela já não era criança.

[...]

Já era tarde.

Ou melhor dizendo, cedo.

Passavam das 12 da noite, mas Athina ainda estava acordada. Sentada sobre o sofá na cor de camarão, ela usava roupas largas e folgadas que havia comprado para momentos assim, em que se sentisse triste e desanimada o bastante para não querer se arrumar... Ou apenas para os dias que estivesse tão animada que não se importasse em andar pelas ruas assim.

Enfim, tudo dependia fortemente do seu estado de humor. Que não era dos melhores naquela madrugada.

Além da tristeza em seu coração, ela também tinha o computador no colo e uma taça de vinho parcialmente vazia na mão. Quantas já havia tomado?

Ela não sabia, e naquele momento não queria saber. Não era uma pessoa de se embriagar, porque considerava estúpido e errado, mas naquela madrugada fria e solitária, ela esqueceu que depois se criticaria por aquilo.

Então bebeu.

Sem remorso, medo ou calma. Ela bebia hora da taça, hora da própria garrafa.

Querendo deixar naquele objecto de vidro toda amargura que circundava sua alma. Mas não funcionava, apenas lhe deixava mole e relaxada.

E mesmo estando ainda triste, e principalmente entediada, olhava as câmera da rua de seu bairro, uma por uma, sem procurar ou querer ver algo, apenas porque não queria ver TV, e sua cabeça já estava um pouco alcoolizada.

Era um crime, e seu pai provavelmente teria um infarto se soubesse o que a filha fazia de madrugada quando não tinha sono, mas ainda assim, as vezes ela gostava de entrar e sair de servidores sem ser notada.

Normalmente só o facto de movimentar os dedos de forma rápida e ágil pelo teclado do computador lhe proporcionava satisfação, mas não hoje. Hoje nada parecia lhe dar alegria.

Então fez o que nunca pensou fazer.

Criou um falso e-mail, e através da comunidade do W******p criada pelo chefe da comissão dos moradores de seu quarteirão, ela obteu os números dos seus vizinhos. Hackeou os e-mails para qualquer dispositivo electrónico que estivesse conectado no raio de um kilométro de onde estava e no ato impensado e desesperado por desabafo, enviou um carta electrónica.

Não estava pensando bem, estava cometendo um crime, não um pior que invadir as câmeras da cidade, mas ainda assim era um crime. Mas não foi nisso que sua cabeça pensou quando para estranhos desabafou.

Em sua cabeça, naquele momento não havia qualquer problema em desabafar para estranhos que nunca conseguiriam lhe localizar. Então sem medo ela escreveu, com os dedos ágeis teclando com maestria e olhos fixos na tela brilhante, ela levou menos de dez minutos para colocar tudo aquilo em um texto.

De forma preguiçosa se levantou, foi para seu quarto com o cabelo curto embrulhado dentro de uma toca, os pés descalços abraçados por meias de lã em tom laranja, se jogou em sua cama e dormiu sem medo das consequências.

" Querido desconhecido. Parece estranho receber uma carta de uma estranha a essa hora da noite, mas foi esse o melhor momento para mim.

E sim, e-mails também são cartas.

Talvez pense, ela não tem nada melhor para fazer agora, não sabe que é crime?

Sim eu sei que é crime, não me denuncie por favor, não tenho planos em roubar seu dinheiro, ou vasculhar sua intimidade. Estou apenas desabafando, com alguém que não irá me encontrar, portanto, não irá me julgar.

Estou desabafando para alguém que talvez precise ouvir essa história para que não cometa os mesmos erros... Então, desculpe desde já invadir seu espaço.

E quanto a pergunta se não tenho nada melhor para fazer, acertou se concluiu que não tenho.

Não é como se não tivesse um trabalho, uma família ou amigos. Não é bem assim.

Eu tenho um trabalho incrível (não, eu não trabalho com computação), uma família maravilhosa e amigos que são meu tudo. Mas eu cheguei a um momento em que isso não está sendo o suficiente para mim.

E não pense por favor que sou ingrata, não é isso.

É que todos eles estão ocupadas vivendo suas vidas. Enquanto eu estagnei aqui. Do mesmo jeito de quando tinha 22.

Bom, nem tanto. Eu comprei uma boa casa e um lindo carro. Mas isso não me basta, não mais... Eu queria ter alguma coisa mais, viva. Talvez.

Não me julgue sim, eu não tenho inveja deles.

Eu não poderia ter inveja, os amo demais para isso. Eu só não tenho o que eles têm e isso é muito chato, muito mesmo.

Eu não tenho um animal fofo para acariciar quando chegar do trabalho, uma turma cheia de alunos para alegrar meus dias, um noivo carinhoso para me enviar flores, filhos para baguncar minha casa ou até mesmo um pretendente chato de que quero me livrar...

Minha vida é tão solitária e vazia.

Quando chego depois de um dia cheio de trabalho, as paredes me recebem e o vazio me abraça.

Poderia ter sido diferente, mas não fiz boas escolhas. Fui precipitada, e depois que notei meu erro, fui orgulhosa demais para admitir, e por fim me fechei em uma fantasia.

Então como costuma dizer minha irmã mais nova, escolha bem para não sofrer depois... Isso serve para tudo.

Você deve estar cansado de ler sobre mim, eu também estou cansada dessas incertezas, mágoas e arrependimentos. Sei que não tem nada haver com isso mas não costumava ser um problema antes...Eu era mais jovem e gostava da sensação e também estava esperando, por algo que já foi meu e se perdeu.

Sim, eu estava esperando por alguém que sem noção alguma tirei de perto de mim e depois não tive coragem para reaver.

Me chame de covarde, eu mereço.

Agora, estou chegando aos 30 anos, sozinha, sem filhos, sem planos para o futuro, e tudo bem... Algumas pessoas dizem isso e acreditam nisso, mas eu não sou essa pessoa que não quer compartilhar a vida com alguém, se casar ou ser chamada de mãe, eu quero tudo isso. Não o silêncio absoluto em minha casa, ou o vazio na alma. Eu não quero mais isso.

Quero alguém para compartilhar a vida, alguém que faça parte dela, e que com pequenos gestos alegre meus dias.

Estou cansada. Vejo as pessoas ao meu redor formando suas famílias, vivendo suas vidas da forma mais linda que conseguirem... Mas eu ainda estou aqui, no meio da noite bebendo vinho sozinha, insatisfeita com minha vida, reclamando para estranhos que não conheço, pensando que é hora de sair do passado, de me mover dessa profunda chatice, de me alegrar mais, de fazer novos e dessa vez, bons planos... Sem birras, confusões ou decisões apressadas.

Mas ainda sou covarde então me sento para lamentar.

Estava tão bem quando acordei, pensei em comer pipoca o dia todo e ver filmes, três potinhos de gelado e pensar em adotar um gato, mas agora me sinto tão mais só e isso é tão chato.

Espero que passe pela manhã, eu realmente não gosto de me sentir assim. Então só mais uma vez, deixe dizer que sinto muito.

Querido desconhecido... Desculpe invadir seu espaço.

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