RAFAELLA MARTINI NARRANDO. ESCÓCIA.Aqueles sete meses passaram como um borrão, uma névoa espessa que me envolveu e apagou qualquer vestígio de uma vida anterior. Eu me agarrei ao pouco que sabia, ao café, ao trabalho que Rocco me designou, e a esse pequeno segredo que eu tentava desesperadamente esconder. A cada dia que passava, a minha barriga crescia mais e mais, tornando-se cada vez mais difícil de ocultar. Eu me empilhava de roupas, usava o avental do café como uma armadura, esperando que ninguém notasse, especialmente ele.Rocco estava sempre fora, envolvido em seus “negócios”, me deixando sozinha com Jonas, o homem que ele havia deixado para me vigiar. Eu odiava a presença de Jonas, o modo como ele estava sempre por perto, como uma sombra silenciosa, observando cada movimento meu. Sabia que qualquer erro, qualquer deslize, ele reportaria imediatamente a Rocco. E agora, com essa barriga, o risco de ser descoberta parecia maior do que nunca.Naquele dia, eu estava mais inquieta
ROCCO NARRANDO. ESCÓCIA.Esses últimos meses foram um verdadeiro jogo de xadrez, e eu estava prestes a dar o xeque-mate. Enquanto estive fora, lidando com meus “negócios”, sempre arranjei tempo para me manter informado sobre os movimentos de Leonardo. Ele estava se afundando, exatamente como eu esperava. Cada vez que ouvia notícias sobre ele, o sorriso se alargava em meu rosto. Perdia cargas, drogas, armas... Era como ver um império em ruínas, e eu era o arquiteto dessa destruição.A verdade é que eu precisava que Leonardo desmoronasse, que se afundasse na própria dor, na própria impotência. Cada grama de droga perdida, cada carregamento de armas interceptado, tudo isso era como se eu estivesse arrancando um pedaço dele. Mas o que realmente o destruiu foi a morte de Rafaella. Quando fiz ele acreditar que a mulher que ele amava, a única pessoa que realmente importava para ele, estava morta, vi em seus olhos a fagulha de vida se apagar. Ele não era mais o mesmo homem; estava acabado.E
LEONARDO RIZZI NARRANDO. ITÁLIA.Acordar se tornou uma tortura. O peso da cama, que antes era um lugar de descanso, agora parecia uma âncora me prendendo ao vazio. A cada manhã, o mesmo pensamento ecoava na minha cabeça: Rafaella está morta, e tudo é culpa minha. Não consegui salvá-la, não consegui protegê-la, e agora estou afundando em um abismo do qual não consigo escapar.As semanas desde que recebi aquela foto, desde que vi o corpo de Rafaella sem vida, foram um borrão de álcool, cigarros e dor. Não há um momento sequer em que eu não sinta o gosto amargo da perda na minha boca. A única coisa que me faz continuar é a raiva, uma raiva surda e constante que me consome de dentro para fora. Raiva de Rocco, por tê-la tirado de mim. Raiva de mim mesmo, por ter sido fraco, por não ter visto o que estava acontecendo antes que fosse tarde demais.Os negócios, antes tão meticulosamente controlados, estão desmoronando. Cada dia que passa, mais coisas saem do meu controle. Cargas são intercep
RAFAELLA MARTINI NARRANDO.ESCOCIA. Mais um dia se arrastava naquele pequeno café no qual eu passava a maior parte do meu tempo. A rotina repetitiva era tudo o que me restava, uma âncora para não me afogar na incerteza que me cercava. O cheiro de café recém-passado enchia o ar, se misturando ao barulho suave da máquina de espresso. No entanto, hoje algo parecia diferente. Talvez fosse a sensação crescente de peso na minha barriga, que agora parecia impossível de ignorar. O bebê não parava de se mexer, como se tentasse me lembrar da sua presença a cada minuto.Eu nunca me sentira tão exausta. Cada passo era um esforço, cada movimento uma luta contra o cansaço que parecia tomar conta de mim. O peso da gravidez se tornava mais insuportável a cada dia, e o fato de Rocco não permitir que eu fosse a qualquer hospital para fazer exames ou sequer me dar dinheiro para comprar roupas novas só tornava tudo mais difícil. As minhas roupas estavam apertadas e desconfortáveis, um lembrete constante
RAFAELLA MARTINI NARRANDO.ESCOCIA.A noite havia sido um turbilhão de pensamentos e emoções. Cada vez que fechava os olhos, as palavras da senhora ecoavam na minha mente. "Eu sei como ajudar você." Não consegui dormir direito, e cada vez que olhava para o relógio, parecia que o tempo se arrastava. Eu estava inquieta, agitada, esperando ansiosamente pelo que o dia seguinte traria.Levantei antes do amanhecer, com o coração batendo mais rápido do que o normal. Me preparei rapidamente e fui direto para o café. Queria estar lá cedo, talvez até antes da senhora. Quem sabe ela aparecesse logo e tudo pudesse ser resolvido antes que Rocco ou Jonas tivessem a chance de estragar tudo.Enquanto limpava as mesas e organizava o balcão, o bebê se mexia mais do que o normal. Eu tentava me concentrar no trabalho, mas a minha mente estava em outro lugar, esperando pelo som da porta se abrindo, pelas palavras reconfortantes que eu esperava ouvir da senhora. Toda vez que o sino da porta soava, o meu co
LEONARDO RIZZI NARRANDO.ITÁLIA.Estava no fundo do poço, sem saída, sem esperança. A vida tinha se tornado uma sequência interminável de dias sem cor, sem propósito. E naquela noite, eu tinha bebido mais do que o normal, muito mais. A garrafa de vodka estava quase vazia na minha mão trêmula, e o gosto amargo do álcool queimava a minha garganta, mas era o único alívio que eu conseguia encontrar. A dor da perda de Rafaella me destruía, corroía cada parte do meu ser, tornando tudo mais insuportável.O vazio que ela deixou era insuportável. A ausência dela era um buraco negro, sugando toda a vida que ainda restava em mim. Eu a amava mais do que qualquer coisa, e agora, sem ela, eu era apenas uma casca vazia, um homem quebrado. Tentei preencher esse vazio com álcool, com raiva, com qualquer coisa que pudesse me anestesiar, mas nada funcionava. E Lorenzo... o meu irmão estava sofrendo tanto quanto eu, talvez até mais, me vendo definhar dia após dia. Eu sabia que ele tentava ajudar, mas eu
RAFAELLA MARTINI NARRANDO. ESCOCIA. Aquela manhã começou com uma chuva forte e pesada, o tipo de chuva que encharca a alma antes mesmo de tocar a pele. Eu estava acordada desde cedo, sentindo cada gota que batia contra as janelas como se fosse uma batida no meu próprio peito. O céu parecia refletir o meu humor: cinza, sombrio, sem nenhuma esperança de sol.Eu me movi lentamente, sentindo um peso no corpo que ia além da gravidez. Eram as cólicas, as dores insistentes nas partes íntimas, como se o bebê estivesse lembrando que a sua hora estava chegando. Já faziam três dias que a senhora tinha aparecido no café, e a esperança que ela havia plantado em mim estava começando a murchar. Eu tentava não pensar muito nisso, mas era impossível. Cada vez que a porta do café abria, o meu coração disparava, apenas para cair em um poço de decepção quando não era ela.Era difícil manter a fachada. Naquela manhã, enquanto abria o café, a tristeza pesava sobre mim como um cobertor molhado. Olhei para
CELINA MARTINI NARRANDO. ITÁLIA. A fome é um buraco negro. Ela corrói, devora por dentro, deixando uma dor aguda que não se compara a qualquer outra. Faz dias que não consigo comer, e cada minuto que passa parece esticar o tempo, transformando horas em eternidades. Estou em cima da cadeira de rodas, a mesma cadeira que se tornou uma extensão de mim, mas hoje parece mais um fardo do que nunca. As ruas são implacáveis, e aqui, a dor é constante, mas a fome... a fome é o que mais me destrói.Eu estou sentada no mesmo canto, onde o tráfego é pesado e as pessoas passam apressadas, ignorando a minha presença como se eu fosse parte da paisagem. Ninguém me vê. Ou talvez me vejam, mas escolham não olhar. Eu me tornei invisível, uma sombra, alguém que não merece nem mesmo uma segunda olhada. A cadeira range a cada movimento que faço, um lembrete gritante da minha condição. É desconfortável, mas não tenho escolha. Se pudesse, sairia andando daqui, fugiria de tudo isso, mas minhas pernas não me