O silêncio que agora se fazia na nossa pequena casa de madeira era torturante, enquanto eu lutava contra as minhas pernas trêmulas para permanecer em pé.
As minhas mãos estavam frias e suadas e me forçava a continuar olhando para a minha família na minha frente, depois de anunciarem que tinham me prometido em casamento a Amarok Mavros, o Alfa da nossa alcateia, e eu me negar. Se fosse em outras circunstâncias normais, seria o sonho de qualquer fêmea da nossa matilha se casar com o líder do grupo, porém nenhuma mulher da vila queria ser esposa do temido e cruel Alfa e, como eu não passava de uma simples humana sem valor por não ter uma loba, estavam me entregando de bandeja para ele. Para um assassino sanguinário. Diante de mim estavam a minha mãe, o meu pai e a minha única irmã mais velha. — Você deveria se sentir honrada, Melina Katsaros — Zena, minha mãe, disse após eu rejeitar o casamento arranjado com aquele monstro. — Finalmente arranjamos alguém da alcateia que tem coragem de se casar com uma aberração como você e ainda acha que pode escolher. Cerrando meus punhos com raiva e me sentindo encurralada, falei: — Eu tenho medo dele e também não o amo. Rindo com deboche de mim, Rhea, a minha irmã mais velha, questionou: — Amor? Acha que alguém vai amar uma fêmea sem loba como você? Ouvir seu desprezo por mim em sua voz doía, mas já estava tão calejada em ser desprezada por todos dessa casa que não causava mais tanto sofrimento em mim. Adonis, meu pai, que até então estava calado, só ouvindo, se pronunciou: — Ele é o Alfa e sua união com ele tem o propósito de beneficiar a nossa família e, consequentemente, se livrar de você, sua imprestável. — Não vou me casar com ele e muito menos ser a fêmea submissa de um monstro que mata por diversão e que pode me matar também — rebati sem pensar nas consequências, apenas me sentindo a beira de surtar por quererem se livrar de mim dessa maneira tão absurda e cruel. O tapa que meu pai deu no meu rosto foi rápido e seco, me fazendo cambalear para trás e segurar minha face dolorida com espanto. Meus olhos agora estavam ardendo devido às lágrimas que ameaçavam rolar por minhas bochechas, mas eu me recusava a chorar e me humilhar ainda mais na frente deles. Eu já tinha chorado demais nesta casa e prometido para mim mesma que nunca mais iria derramar uma lágrima sequer na frente dessas pessoas que não mereciam nem ser chamadas de família. Olhei a contragosto na direção da minha mãe quando ela disse: — Você vai obedecer, Melina, vai usar o vestido branco de noiva que ele já comprou para você e sorrir amanhã quando o nosso Alfa vier reivindicá-la como esposa. Vai ser útil para a gente pela primeira vez na vida. Cabisbaixa, demonstrando uma submissão que não existia, saí da sala sentindo pela primeira vez o gosto metálico de sangue que vinha do pequeno corte que se abriu internamente na minha boca quando recebi o tapa. Enquanto andava até o meu quarto, em passos arrastados, parecia que o mundo inteiro iria cair na minha cabeça a qualquer momento. Ao chegar ao quarto, que dividia com a megera da minha irmã Rhea, tranquei a porta e escorreguei pela madeira da mesma, me sentando no chão frio e me permitindo chorar silenciosamente para eles não ouvirem. Nessa mesma noite, quando a casa inteira mergulhou no silêncio da madrugada, eu fugi pela janela do quarto, sem minha irmã perceber, apenas usando um vestido branco e com uma mochila pequena nas costas. Já na caminhonete velha que roubei do meu pai, eu dirigia com pressa e desajeitada pela estrada de terra que ficava no meio da floresta escura e fria. Eu estava fugindo da minha alcateia, mais precisamente do casamento arranjado com Amarok Mavros, o Alfa recluso nas montanhas e com fama de ser muito cruel. Eu passei a vida inteira sendo humilhada e rejeitada pela minha própria família e pela matilha, por ter nascido uma humana sem uma loba. Minha única irmã mais velha era bonita e tinha uma loba interior que fazia jus à sua beleza, já eu, mesmo sendo bonita, era apenas vista como a estranha e aberração por ser só um ser uma humana comum. Que nasceu sem uma loba. Eu já tinha vinte anos e nunca nenhum macho da matilha sequer chegou perto de mim. Cresci com esse desprezo e rejeição dentro de mim e à minha volta. Mesmo não tendo uma loba, eu ficava no cio como todas as fêmeas de qualquer espécie e sempre precisava passar por toda essa fase torturante trancada dentro do quarto e fazendo de tudo para inibir meu cheiro, pois todos os machos da tribo tinham nojo de mim e tinha receio de ser estuprada e morta só por perversidade. Eu não podia engravidar, pois meu DNA humano não era compatível com a transformação dos lobos. Não poder ter filhotes era um dos motivos da minha tristeza profunda e de ser ainda mais apontada como inútil, porque era natural entre os lobos machos e fêmeas procriarem após a temporada intensa de acasalamento, mas eu nunca poderia ter bebês para chamar de meus. Eu ingenuamente achei que a minha vida não pudesse mais piorar, mas ela piorou no momento em que meus pais me prometeram em um casamento forçado com o Alfa da nossa alcateia. Eu nunca o vi pessoalmente e também não queria, pois ele era um Alfa recluso nas montanhas e as histórias macabras que cresci ouvindo sobre ele já eram o suficiente para me fazer roubar o carro do meu pai e fugir desse casamento arranjado um dia antes dele acontecer.Pisei o pé mais forte no acelerador da caminhonete barulhenta, sentindo a adrenalina reverberar pelo meu corpo e vendo os faróis de luzes amarelas clarearem o caminho terroso e escuro, sabendo que, a essa altura do campeonato e devido ao barulho do motor velho quando dei partida na garagem, meus pais a essa hora já sabiam da minha fuga.O céu estava nublado, anunciando que choveria em breve, e ao longe era possível ver alguns raios cortando o céu e fazendo um enorme clarão. Um novo trovão seguido de um raio caiu bem próximo e olhei assustada pela janela do motorista quando vi um vulto preto correndo pela floresta adentro.Com as minhas mãos começando a suar e agora com medo, continuei acelerando o carro com o meu pé trêmulo, me agarrando na esperança de fugir desse lugar que só me trouxe tristeza e recomeçar uma nova vida em algum lugar bem distante.Eu só pisquei meus olhos em uma fração de segundos e tomei um susto quando, de repente, um homem enorme apareceu no meio da estrada e no
MELINA O som cada vez mais próximo dos galhos estalando sob suas passadas pesadas era como uma ameaça velada, enquanto Amarok rosnava e se aproximava do buraco pequeno entre as pedras onde eu entrei para me esconder.Tentei recuar instintivamente para trás, mas como o buraco onde me enfiei só tinha entrada e nenhuma saída, apenas arregalei meus olhos, com o meu coração pulsando como um tambor frenético dentro do meu peito. Ele parou a alguns passos de mim e me olhou de cima, com aqueles olhos vermelhos que denunciavam a fera interna que era. Amarok não estava totalmente transformado em lobo, pois seu corpo, que estava apenas coberto por uma calça jeans surrada, era uma mistura de lobisomem, com uma barriga definida da sua forma humana e garras expostas nas mãos do seu lobo.Um rosnado baixo, mas intimidador, saiu da sua garganta, fazendo-me encolher ainda mais como um bichinho assustado. Antes que pudesse gritar ou correr, ele me puxou para fora com suas garras afiadas e me jogou so
MELINATotalmente o oposto do monstro sem coração que achei que me jogaria dentro de uma jaula e me manteria presa como um bichinho de estimação, Amarok me deu uma camisa quente sua para me trocar no banheiro, já que me tremia inteira de frio por causa da roupa molhada e suja de lama, e me ordenou deitar entre as lãs quentes de pele de ovelhas que ele espalhou em frente à lareira para me aquecer.Estava tão sem forças para lutar com meu captor pela minha liberdade e fugir, que apenas fechei meus olhos cansados e me permiti dormir entre as peles macias e quentinhas dos animais indefesos que ele matou. Acordei na manhã seguinte, sentindo todo o meu corpo dolorido e com uma forte dor de cabeça. Olhei em volta, demorando para processar mentalmente onde eu estava. Me levantei em um pulo ao perceber que não tinha sido um pesadelo e que eu realmente fui prometida e sequestrada pelo Alfa.A madeira rangeu sob meus pés descalços enquanto caminhava lentamente e meio desorientada, apenas queren
AMAROK De volta à minha casa nas montanhas e um pouco longe da vila, joguei Melina no chão de madeira com menos brutalidade do que eu esperava devido à raiva interna que sentia, mas ainda assim sem qualquer delicadeza. Assim que me desfiz dela, andei até a porta e fechei-a com força, denunciando através desse ato o real ódio que sentia por ela tentar fugir de mim novamente, com o som da madeira se chocando e ecoando pela casa como um trovão. Observei Melinda se levantar devagar e com dificuldade. Sua respiração encontrava-se visivelmente pesada, com seus cabelos longos grudados no rosto suado e sujo de lama. Só que, diferente da primeira vez em que ela me olhou nos olhos, dessa vez não havia mais medo em suas íris verdes.Havia fúria.— Eu te odeio, Alfa — as palavras dela cortaram o ar como lâminas.Encarei ela por um longo momento, vendo seus ombros subindo e descendo com a respiração acelerada. Seus olhos intensos me fitavam como se fosse um fogo prestes a encendear tudo.— Pode
MELINA Sozinha no silêncio agora doloroso da sala após Amarok sair batendo a porta, caí de joelhos no chão, sentindo o peito doer e meus olhos arderem. As lágrimas vieram com força, mas não de fraqueza, e sim de ódio e de exaustão. De resistência.Porque mesmo que Amarok me forçasse a me casar com ele, eu não iria ceder. Não importa quantas vezes fugisse e o Alfa me trouxesse de volta, eu nunca seria dele.*O céu estava coberto por nuvens espessas, como se o próprio tempo noturno estivesse de luto pelo que estava prestes a acontecer comigo. O ar frio e cortante da floresta parecia pesar sobre meus ombros como um pesadelo sombrio, enquanto me encontrava vestida em um vestido de noiva e usando um véu, que Amarok já tinha comprado para mim. Descia a trilha de pedra em direção à aldeia contra a minha vontade, com os meus pulsos presos por correntes que brilhavam sob a lua cheia. Cada passo forçado que eu dava em direção ao altar ecoava em minha alma como um pedido de socorro.Dois gua
MELINA Assim que o ritual de casamento terminou, a multidão se desmanchou. Vozes sussurradas e olhares de julgamento e curiosidade acompanhavam a gente, um casal recém-unido pela vontade do Alfa e não pela minha.Ainda sentia o peso das palavras do juramento queimando em minha pele e cada passo que dava ao lado dele em direção à floresta escura era como caminhar em cacos de vidro. A mão dele repousava em minha cintura com posse e uma falsa suavidade, me guiando pela trilha que levava à parte mais alta da floresta, onde ficava a cabana dele nas montanhas e que seria meu novo cativeiro.Ao voltarmos para a sua casa depois de uma longa caminhada cansativa para mim, ele abriu a porta com uma mão e, com a outra, gesticulou para que eu entrasse como se fosse um cavaleiro, mas sabia perfeitamente que era um ogro.Eu hesitei por um momento para entrar, por orgulho, por medo do que aconteceria quando passasse por essa porta, já que ele provavelmente estava ansioso pela lua de mel que, se dep
MELINAO amanhecer chegou silencioso, arrastado por uma névoa pesada que cobria a floresta como um véu de luto. Na cabana, o silêncio entre nós dois era espesso e sufocante.Eu já estava de pé, de frente para Amarok, com as costas eretas como uma rival diante do seu inimigo. Ele calçou o coturno de couro sem dizer uma única palavra e pegou sua faca de caçador com uma frieza de um soldado que partiria para a guerra. Mas antes de sair, parou na soleira da porta e olhou para mim, dizendo:— Eu vou caçar alguma coisa para você comer e volto logo. Não respondi e sequer o olhei na sua direção, mas uma ideia já tinha se formado na minha cabeça. Assim que o Alfa se foi e desapareceu entre as árvores, me movi como se fosse uma sombra.Sem levar nada, corri para fora da cabana e mergulhei na mata, tomando todo o cuidado do mundo para não pisar em um graveto e ele escutar. A floresta era densa, úmida e o frio cortava como se fossem facas finas, porém continuei correndo sem olhar para trás e o m