Ana e eu decidimos não nos aventurar nas mesas de jogo ou nas máquinas reluzentes. Em vez disso, seguimos para o bar do cassino.— Só uma água para mim, por motivos óbvios. — Ela disse, apontando para a barriga, ainda discreta, mas suficiente para justificar sua escolha.— Eu, por outro lado, preciso de algo forte. — Respondi, enquanto nos acomodávamos nas banquetas em frente ao balcão.Ana deu uma risadinha enquanto se acomodava ao meu lado.— Parece que a noite está exigindo demais de você.— Só um pouco — respondi, forçando um sorriso enquanto olhava para o bartender. — Um bourbon, por favor.Enquanto o bartender preparava minha bebida, observei o movimento ao redor. As risadas, os brindes, as pessoas se movimentando entre as mesas com fichas reluzentes nas mãos. Um universo onde o risco e a recompensa eram a base de tudo.— Você está bem mesmo? — Ana perguntou, com aquele tom que só uma amiga de verdade usa.Virei-me para ela, hesitando por um segundo.— Estou… acho que só cansada
Ouço as desculpas do Henrique, mas sinto que algo está faltando. Alguma coisa está fora do lugar, não faz sentido. É como se ele estivesse escolhendo as palavras a dedo, ocultando o que realmente importa. — Henrique, alguma coisa não está batendo… — digo, levantando-me e colocando a taça de vinho sobre a mesa de centro. Minhas mãos tremem, mas eu cruzo os braços para disfarçar. — Por que você realmente se afastou de mim? Ele suspira profundamente, os ombros caindo como se carregassem o peso de uma verdade que ele não queria dividir. Seu olhar, normalmente firme, agora escapa do meu, encarando qualquer lugar que não seja o meu rosto. — Não é tão simples, Cíntia. — Não? Então explica, porque pra mim parecia bem simples antes de você sumir — retruco, minha voz um pouco mais elevada. Há um nó em minha garganta, mas eu me recuso a demonstrar fraqueza. Henrique passa a mão pelos cabelos de maneira nervosa, o gesto denunciando que ele está prestes a soltar algo importante. Ele fica
Acordei na manhã seguinte como se um caminhão tivesse passado por cima de mim. Não me sentia bem, e a sensação de cansaço parecia interminável. Era como se tivesse carregado o peso do mundo durante a noite. O reflexo no espelho me revelou o que eu já sabia: eu estava exausta. Minha aparência estava distante da imagem de força que eu queria passar, especialmente naquele dia, com o casamento da Carmem e do Rogério acontecendo e todos os olhos voltados para a felicidade deles. Enquanto me preparava, tentei não pensar em Henrique, mas minha mente insistia em voltar àquela conversa. A sinceridade dele me pegou de surpresa. Embora ainda me sentisse chocada, também senti um alívio ao perceber que ele não estava tentando me esconder nada. Não que isso aliviasse a dor que eu sentia, mas, pelo menos, a verdade estava ali, nua e crua. Desci para o café da manhã no hotel e, ao me olhar no espelho do elevador, percebi que, apesar da maquiagem, ela só tinha escondido parcialmente como eu realment
A manhã seguinte chegou como um lembrete brutal das escolhas que fiz e das consequências que agora enfrentava. Passei a noite em claro, andando de um lado para o outro na recepção do hotel, revivendo cada palavra dita para Cíntia. Eu sabia que tinha feito o certo ao contar a verdade, mas a maneira como ela me olhou… doía. A mágoa em seus olhos estava gravada na minha mente, me deixando inquieto. Não importava que fosse algo irrelevante pra mim, tampouco que eu estivesse livre de qualquer sentimento por Júlia. O fato de ela ter entrado em nossas vidas, era suficiente para destruir qualquer tentativa de algo entre mim e Cíntia. O hotel ainda continuava sem vagas, o que tornava tudo mais embaraçoso, pois eu tinha que esperar a Cintia sair do quarto para poder tomar banho e não receber seus olhares cortantes em minha direção. Subo para tomar um banho, imaginando que a Cintia já tenha se arrumado e saído do quarto, mas encontro ela vestindo um roupão e se maquiando. - Desculpe, pense
Acordei com a luz fraca da manhã atravessando as cortinas. A primeira coisa que senti foi a maciez do colchão e um cheiro doce, familiar. Abri os olhos devagar e percebi o corpo de Cíntia aninhado ao meu. Estávamos quase enroscados um no outro. Ela estava vestindo um roupão, o que me fez pensar que provavelmente havia acordado no meio da madrugada e tomado um banho, enquanto eu já dormia. Sua perna estava entrelaçada ao meu corpo, e sua mão descansava em meu peito, tão leve quanto a respiração calma que eu podia sentir contra minha pele. Fiquei imóvel por alguns segundos, sem saber o que fazer. Meu coração começou a bater mais rápido, como se ela pudesse sentir cada batida através da proximidade. Antes que eu tomasse qualquer atitude, senti um movimento leve, e seus olhos se abriram lentamente. Por um instante, ela me encarou, como se ainda estivesse tentando se situar. Sua expressão oscilava entre surpresa e constrangimento, enquanto o silêncio preenchia o quarto. — Bom dia… — m
Nós nos enrolamos em roupões secos e voltamos para o quarto, o som suave de nossos passos ecoando pelo piso. A água ainda escorria de nossos cabelos, mas o calor do quarto ajudava a dissipar o frio que vinha de dentro e de fora de mim. Henrique parecia calmo, mas eu sabia que por trás daquela expressão controlada havia pensamentos que ele também tentava esconder. Eu sentei na beira da cama, puxando o roupão ao redor do corpo como se fosse um escudo contra as emoções que me dominavam. Não era só o desconforto do que tinha acontecido, mas o que eu sabia que estava por vir. Estava cansada de lutar contra os meus sentimentos, cansada de me manter distante de tudo o que sentia por ele. Havia tanto tempo que eu me negava a sentir qualquer coisa por alguém que agora tudo parecia vir à tona de uma vez. Eu olhei para Henrique, que se apoiava na moldura da janela, as mãos cruzadas na frente do corpo, olhando para o lado de fora. Ele estava tentando me dar espaço, mas sabia que eu não podia
Depois de nos vestirmos, descemos juntos para o restaurante do hotel. O buffet era tentador, com panquecas, frutas frescas, ovos mexidos e café quentinho. Preparamos nossos pratos e caminhamos até a mesa onde nossos amigos já estavam.O som de risadas e conversas animadas enchia o ambiente, e era impossível não se contagiar pela energia deles.— Finalmente! — Carol comentou com um sorriso acolhedor, acenando quando nos sentamos. — Dormiram bem?— Bem demais até. — Respondi, ajustando a xícara de café à minha frente. — Achei que acordaria péssima depois de ontem.— E quem não achou? — Carmem riu, balançando a cabeça. — Mas acho que é o charme de Vegas, né? Exageros são quase regra.— Só quase? — Rogério completou, com uma risada. — Ontem foi um festival, e acho que ninguém saiu ileso.— Ei, eu saí! — Ana protestou, erguendo a mão com uma expressão orgulhosa acariciando a barriga. — E o Henrique também. Estamos na lista dos sobreviventes.Henrique deu um sorriso discreto enquanto tomava
PrólogoA luz da manhã entrava pela janela, mas eu não conseguia sentir seu calor. Sentada na cama desfeita, o silêncio da casa parecia ecoar as palavras que eu não conseguia pronunciar. O coração ainda pulsava acelerado, e a imagem dele, a expressão de desespero e culpa, se repetia em minha mente.“Cíntia, eu nunca quis que você soubesse assim.” As palavras soavam como uma lâmina, cortando o que restava da confiança que construímos ao longo dos anos. A traição não era apenas um ato; era um golpe na alma, uma reviravolta que eu nunca poderia ter imaginado.Levantei-me e fui até a janela, observando a fazenda que agora era tudo o que eu tinha. A terra que um dia parecia um lar agora era um campo de batalha entre o que fui e o que precisava me tornar. Eu fui a esposa obediente e boazinha, mas isso não tinha me levado a lugar nenhum.Lembrei-me das promessas feitas, das risadas compartilhadas. A lembrança do meu ex-marido me enchia de raiva. Por muitas vezes, me questionei onde eu havia