Yurich
Ignoro os olhares cínicos enquanto Dobriev tenta apaziguar a minha demanda em saber quem é a pessoa que estava aqui dentro desse quarto comigo, como a sua voz suave foi capaz de clamar pelo demônio que carrego comigo. A dor dos machucados começa a embaralhar os meus pensamentos, mas não o suficiente para ignorar a entrada que causa um completo silêncio dentro do quarto. Observo a enfermeira ao meu lado finalizando o que disse ser uma medicação saindo de perto, os médicos sussurram entre si, vejo uma mulher de baixa estatura usando um uniforme azul de mangas curtas, a blusa grande demais para ela e as calças frouxas dando a aparência de que suas pernas são ainda menores. As bochechas grandes e os traços diferentes entregando sua nacionalidade, ela definitivamente não é russa, os olhos escuros analisando cada uma das máquinas monitorando as batidas do meu coração até nossos olhares se prenderem.
A mistura de inocência com fogo nas írises escuras é surpreendente, como se não soubesse ter desejos sombrios dentro de si de alguma maneira isso só acendeu o lobo que deseja correr para caçar a presa. Ela se virou e falando algo baixo com os outros, que até alguns momentos não deixavam de demonstrar o espanto ao me ver acordado.
Fui atingido por um raio de ódio, fúria e mais alguma coisa que não entendi ao escutar a voz do anjo soando pelos lábios da mulher, dividindo os meus desejos imediatos entre fode-la ou matá-la. Não quero deixar transparecer o quanto incomoda observar a sua interação com aqueles homens, até porque ninguém é capaz de ocupar o lugar que pertence apenas a Eva.
Entretanto quando seus olhos se voltam na minha direção posso jurar ter visto algum lapso de preocupação, seus movimentos são felinos, calculado e rápidos. Movimentando o estetoscopio parando ao lado do leito e verificando as máquinas que bipam de maneira rítmica, se em algum momento pensei ter visto algo no semblante dela agora não passa de uma face sem expressões como se apenas ligasse um modo automático.
Chega a ser irritante como essa voz no fundo da minha mente pede de maneira enlouquecida para quebrar essa placidez, para desfazer cada traço seu que possa ser justo ou bondoso ao estar conferindo os sinais vitais de um mafioso.
Nossos olhares se encontram e pela primeira vez na vida sou incapaz de ler o que se passa no olhar de alguém, não existe afeição, admiração, medo, angústia ou dor. Fazendo a besta animalesca que vive dentro de mim querer destruir esse lado dela.
— Como está se sentindo senhor Romanov? — A voz bonita parece novamente como uma canção incitando a besta para brincar.
Abro um sorriso de lado sem demonstrar dor nos ferimentos que causam um ardor na carne cortada.
— Muito bem, Doutora? — Questiono pois necessito ver os lábios bonitos se movimentando para pronunciar seu nome.
— Me chamou Lyana Rodrigues.
— Então não é da Russia?
Ela para analisando a minha face depois da pergunta, seu sobrenome não me parece ser Europeu.
— O senhor sofreu múltiplas fraturas entre elas uma no fêmur esquerdo que é o osso da perna e em duas costelas esquerdas, o impacto danificou algumas estruturas internas e por isso foi submetido a uma cirurgia de emergência. — Ela desvia do assunto e faz uma pausa como se esperasse pela minha confirmação. — A bala que perfurou o seu tórax felizmente não atingiu nenhum órgão, esperávamos que acordasse para saber se houve algum impacto neurológico apesar de não termos encontrado nenhum trauma na tomografia.
Fico em silêncio analisando a maneira prática como informa tudo, chega a ser excitante o modo tão profissional do qual pronuncia tudo.
— Não acredito que seus colegas estivessem tão ansiosos assim, para me ver acordado.
Digo de maneira sarcástica, algo se passa em seu olhar mas logo some enquanto ajeita a armação dos óculos.
— No momento seria interessante que se preocupasse apenas em reestabelecer a sua saúde Senhor Romanov.
— Se preocupa com o meu bem estar, doutora?
— Me preocupo com todos os meus pacientes, agora, preciso verificar o restante deles.
Fecho o punho sentindo a raiva consumindo as minhas veias observando a mulher saindo de dentro do quarto, nem ao menos notei que Dobriev havia retirado o restante dos médicos do lugar.
— Quero saber tudo sobre essa mulher.
Não preciso dizer mais nada, o homem sai deixando-me sozinho com a imagem dela permeando a minha mente alucinada.
LyanaBato a porta da sala de descanso encostando as costas com firmeza, buscando respirar fundo, aquele olhar de um azul acinzentado mexendo com cada uma das minhas estruturas e obrigando a manter a fachada profissional. De alguma maneira entorpecente desde o momento em que esse homem entrou aqui dentro sangrando como um animal, pude sentir as mudanças que ocorreriam. Talvez seja apenas bobagem da neta de uma brasileira cheia de superstições ou algum ser divino tentando alertar para ficar longe dele. Suas palavras ácidas tentando penetrar cada camada da minha pele, nem ao menos consegui prestar atenção ao que os colegas estavam discutindo apesar de ter a noção, para alguém que sofreu graves lesões não esperávamos que acordasse tão cedo muito menos com tal animo e força. Os múrmuros das enfermeiras ao redor do hospital não disfarçaram as suas desconfianças em relação a ele, pelo que entendi Yurich Romanov é um homem de muito poder e acima de tudo: perigoso. Solto o ar e inspiro nova
YurichUma criança sem amor, um homem sem moral e uma vida baseada na carnificina é nisso amigo diabólico no qual estou sempre sendo moldado, quando algo de bom ou bonito aparece tenho um gosto perverso em tocar. Ao contrário de Midas não se torna reluzente como ouro mas se distorce em cinzas amontoadas aos meus pés, destruir qualquer bondade é fácil, quebrar a beleza é tão natural quanto o amanhecer. Seus olhos tão inocentes clamam pela perversidade que carrego comigo, então, por qual motivo negaria? Analiso cada traço do belo rosto os fios escuros caindo de maneira tão perfeita, uma princesa sendo envenenada pela crença da proteção aos bondosos de coração. Minha pequena ninfa suspira entre os lençóis vermelhos. Inspiro o perfume delicado completamente obcecado a visão de um paraíso inalcançável para um demônio mas ao alcance das minhas mãos, não deixaria que escapasse. Depois de ter saído daquele quarto fui rápido em organizar tudo para sair o mais rápido possível do hospital, um
LyanaSinto o toque quente contra a pele como uma caricia lenta, fazendo o meu corpo corresponder a voz firme e possessiva é tão tentadora quanto a escuridão na qual estou aproveitando para descansar. Suspiro lutando contra as pálpebras pesadas quando o calor se esvai deixando apenas o lugar vazio, a maciez do que reconheço ser um tecido. Mas são as dores espalhadas pelo corpo que atraem toda a minha atenção, aos poucos vou recobrando a consciência da noite infeliz sentindo o pânico voltando com tudo. Ergo o corpo de uma vez sendo tomada por uma tontura, vou buscando estabilizar a respiração é quando finalmente percebo estar em um quarto altamente luxuoso. A cama enorme coberta por tecidos sedosos sendo iluminado por um feixe de luz entre pesadas cortinas, confiro minhas roupas no lugar antes de levantar, fechando os olhos e agradecendo mentalmente por ter algum sinal de que não fui abusada. Quero muito acreditar que nada daquilo foi real e estou apenas em algum pesadelo distorcido,
LyanaFechei os olhos com força desejando que de alguma forma tudo se transformasse em apenas mais um pesadelo estranho, mesmo lutando contra essas sensações diferentes causadas por estar nos braços de um monstro.—Abra os olhos Lyana. — A voz grave ordena. Incapaz de desobedecer vejo o seu olhar analisando cada detalhe meu, sinto a agitação de antes voltar com mais força ainda, desvio os olhos observando o mesmo quarto no qual acordei. Ele parece esperar por alguma palavra minha, mas não tenho nada a dizer, finalmente deixa que fique de pé e o mais estranho é sentir falta do calor dele. — Não ouse fazer isso novamente, posso não ser tão compassivo. Rapidamente viro a cabeça para olha-lo sinto as bochechas queimando com raiva segurando as lágrimas pela dor em meus pés queimados pelo gelo, as lágrimas pela frustração de estar machucada, frágil e aprisionada por culpa dele. —Não pode me obrigar a ficar aqui!Em um piscar de olhos perco a rapidez do seu movimento a mão firme segura a
YurichObservo o mapa da cidade exposto na enorme parede do escritório, todos os principais pontos marcados sob o nosso controle, a irritação crescente é um perigo para homens como eu, principalmente em situações como essa. Não é momento para perder a consciência diante dessa invasão, um ataque dentro do meu território. Estalo os dedos buscando juntar as peças que faltam para pegar os traidores, mas nada além de ter um traidor dentro da organização passa pela minha mente, alguém próximo o suficiente para causar estragos. Ignoro os gritos dela reverberando pela casa mesmo sendo picado por esse mosquito da indecisão , por qual motivo a trouxe para cá? “Com uma garganta potente como essa posso apostar que é capaz de engolir meu pau.” A voz de Nureyev só serve para irritar-me, não respondo a sua merda não tenho vontade em lhe dar mais motivos para questionamentos que não consigo responder. Caminho pelo comodo e sirvo uma dose generosa de bebida antes de sentar no sofá de couro. Meu irm
Yurich Bato os dedos contra a mesa de vidro completamente impaciente, já faz um mês que deixei aquela mulher ir embora, sou atormentado por sua voz enquanto durmo durante o dia mantenho os olhos atentos as câmeras de vigilância daquele hospital. Sinto raiva de mim mesmo por ter deixado que fosse embora.“Avisei para ficar com ela.” “Você parece a merda de um papagaio.” Respondo completamente irritado. Sentados esperando por um dos meu maiores inimigos na porra da Rússia, meu irmão caçula ainda consegue ser insuportável. O esquema de segurança dentro dessa porcaria de restaurante é mais forte do que da casa branca. De alguma forma estupida italianos estão se infiltrando nas nossas terras como uma peste. Precisei averiguar se em outras regiões o mesmo estava acontecendo, descobri que Nabokov enfrenta os mesmos problemas no sul do país talvez seja a hora de unir os lados e engrandecer a Bratva como soberana. Pelo menos é o que espero, ficar pensando na médica apenas atrapalhara os pl
LyanaCaminho de volta para o hospital após comprar um lanche completo, tenho a mesma sensação de dias na qual estou sendo obeservada, reconheço estar com algum tipo de trauma porém, não sinto vontade em falar com alguém ou pedir ajuda. Do momento em que desci do carro sendo deixada no centro da cidade próximo a praça vermelha, a pertubação em meu estado psicologico tem sido crescente as lágrimas passaram a cair sempre fico sozinha como uma lembrança do dia em que perdi minha mãe. Entro no hospital por uma das portas de acesso indo na direção do consultório, sinto medo das pessoas ao redor mas principalmente medo de ir para a emergência e dar de cara com aquele homem outra vez. Fingi estar adoentada como um motivo plausivel para não receber questionamentos e devido aos meus bons atendimentos o chefe da ala cirurgica foi compreensivel.Quando finalmente entro dentro da minha sala, rodo a chave três vezes conferindo que está realmente trancado, coloco a comida por sobre a mesa pesand
Lyana Seus olhos escuros como os meus brilham com o pedido posso ver o alivio que toma sua face ao receber uma chance para falar. Ergo a mão o impedindo de começar. “Escutar você não significa que estou te perdoando por todos esses anos.” Declaro firme. A magoa existente dentro do meu peito é algo do qual não sei se sou capaz de desfazer mesmo que a minha vida inteira seja uma mentira inventada pelas duas pessoas que mais amei. “Imagino o quanto tem magoa principalmente de mim.” Ele fixa seu olhar no meu enquanto passa a mão na barba. “Não, você não tem a noção do quanto mas principalmente pela minha mãe irei escutar o que tem a dizer.” Declaro de modo firme. Ele se recosta contra a cadeira apoiando os braços parece analisar não só minhas palavras mas cada um dos meus gestos e expressões, hoje, relembro a maneira como sempre acreditei que ele sabia tudo sobre mim, que era o homem mais maravilhoso do mundo e estaria sempre presente até não estar, até o momento em que sua presença