Perto Demais

(Escritório de Lucas, 11h50)

Lucas

O uísque queimava na garganta, mas nem o álcool de 18 anos conseguiu apagar o que estava prestes a acontecer.  

Angel. Na minha equipe. Todos os dias.  

A mão fechou com força em volta do copo. No reflexo do vidro da janela do escritório, meu rosto estava tenso, a mandíbula cerrada, os olhos escuros como a noite paulistana lá fora.  

E os problemas já começaram. Carolina tinha acabado de sair da minha sala, após discorrer sobre os vários motivos pelos quais Angel não poderia continuar auxiliando em seu trabalho.

"Ela vai destruir você", a voz da minha avó ecoou na memória, como sempre ecoava quando Angel estava por perto. "Menino, você é um Silva. Eles são Figueirdos. Nunca se esqueça disso."  

Mas como esquecer? Como ignorar aquela mulher quando ela estava em todo lugar? Nos corredores da mansão com seus vestidos que desafiavam a decência, nas festas da família com seus olhares desafiadores, nos meus sonhos mais secretos com aquela boca que sabia cortar e provocar como nenhuma outra?  

O celular vibrou. Uma mensagem de Leonardo:  

"Cuide dela, Lucas. Você é o único em quem confio." 

Um soco no estômago.  

O homem que sempre fez tudo por mim, que pagou meus estudos, que me deu o primeiro terno e a primeira chance, pedindo justamente o impossível.  

Como explicar para ele que toda vez que sua filha entrava na sala, eu precisava trancar as mãos atrás das costas para não tocá-la? Que quando ela usava aqueles saltos altos que faziam suas pernas parecerem infinitas, eu contava até cem em alemão para não olhar?  

A porta do escritório se abriu sem bater.  

Ela.

Mesmo antes de virar, meu corpo já sabia. O ar ficava diferente quando Angel estava por perto, mais pesado, como antes de uma tempestade.  

– Carolina disse que você me quer – a voz dela era mel e veneno.  

Virei devagar. Ela estava encostada na moldura, os braços cruzados sob o peito.  

– Você vai começar amanhã – falei, mantendo o tom profissional. – Relatórios financeiros das subsidiárias. Nada que sua formação em administração não dê conta.  

Ela riu, baixo, e algo dentro do meu peito apertou.  

– Quer me manter ocupada, é? – Um passo para dentro. O cheiro dela (jasmim e rebeldia) invadiu o espaço. – Ou é só desculpa para me ter por perto?  

Meus dedos se enterraram na palma da mão.  

– Angel. – O aviso na voz era claro.  

Ela veio mais perto, ignorando todas as linhas invisíveis que tínhamos traçado em vinte e quatro anos de convivência. Quando sua mão tocou a gravata (minha gravata), o sangue correu quente demais nas veias.  

– Você está tremendo – ela sussurrou, os olhos faiscando. – Por quê, Lucas?  

Porque eu te quero desde que não devia. Porque você é a única coisa que me faz esquecer quem eu sou. Porque em três segundos eu ia empurrá-la contra aquela parede e finalmente fazer o que sempre quis.  Porque eu era um Silva. E ela uma Figueiredo. E alguns abismos nunca deveriam ser cruzados.  Mas se você continuar me olhando assim, eu juro que…

Meu corpo gritava. Meu autocontrole tremia por dentro, como se cada célula estivesse em guerra. Eu sabia o que vinha depois. 

Mas os seus dedos queimavam na minha gravata.  

Eu podia sentir cada curva das suas unhas através do tecido, o leve tremor que ela tentava esconder. Angel nunca soube mentir com o corpo e isso  sempre foi sua maior fraqueza.  

E sua maior arma.  

— Lucas? — Ela puxou a seda, trazendo-me mais perto. O perfume dela era um ataque direto aos sentidos. — Você não respondeu minha pergunta.  

Meu pulso latejava onde a segurava, mas não conseguia soltar. Não queria soltar.  

— Tire a mão. — A voz saiu mais áspera do que eu pretendia.  

Ela riu, baixo, e o som vibrou em algum lugar entre meu peito e meu estômago.  

— Ou o que? Você vai me punir? — Outro puxão. Agora estávamos a um passo de distância.  

Deus.  

Seu hálito misturava menta e uísque barato do bar da noite passada. Seus lábios estavam ligeiramente entreabertos, pintados daquele vermelho que me tirava o sono. Eu sabia como seria. Um segundo de fraqueza, e eu descobriria se ela gemia tão afiada quanto discutia.  

— Angel. — Sequer reconheci minha própria voz.  

Ela inclinou a cabeça, desafiando.  

— Sim?  

Foi quando senti.  

Apertando.  

Minha gravata estava puxando para baixo enquanto ela se levantava na ponta dos pés.  

Ela ia me beijar.  

Merda. Merda. MERDA.  

Meu corpo reagiu antes do meu cérebro.  

Em um movimento brusco, agarrei seu pulso e a empurrei contra a parede. O impacto fez um quadro balançar, mas nem ela nem eu olhamos. Seus olhos estavam arregalados. Surpresa, raiva, e algo mais... algo que me fez ferver.  

— Isso. — Apertei seu punho com mais força, até sentir seu pulso acelerado. — Nunca vai acontecer.  

Ela respirou fundo, os seios levantando perigosamente perto do meu terno.  

— Você não me controla.  

— Não? — Inclinei-me, até meu sopro misturar-se ao dela. — Parece que acabo de fazer exatamente isso.  

Foi quando senti.  

Ela estava molhada.  

Através do vestido fino, a perna dela encostou na minha, e não havia como esconder. O cheiro do seu desejo era quase tão intoxicante quanto o resto dela.  

Meu corpo endureceu todo.  

Angel percebeu. É claro que percebeu. Seus olhos escureceram, e pela primeira vez em vinte e quatro anos, vi medo naqueles olhos que nunca temiam nada.  

Medo do que eu faria.  Medo do que ela queria que eu fizesse.  

A porta do escritório se abriu.  

— Lucas, os coreanos estão…  

Carolina congelou.  

Três segundos. Foi o tempo que levou para eu me afastar, ajustar a gravata que Angel tinha arruinado, e voltar a ser o executivo perfeito.  

— Estarei lá em um minuto. — Minha voz estava gelada.  

Carolina olhou de mim para Angel, cuja respiração ainda estava acelerada, cujos lábios ainda estavam vermelhos. Minha culpa, minha culpa, minha culpa…

— Claro. — A voz de Carolina estava doce como veneno. 

E saiu, deixando a porta aberta.  

Angel não olhou para mim quando passou por mim, mas ouvi o sussurro antes que ela desaparecesse:  

— Covarde.  

Fiquei parado por um tempo. O coração ainda acelerado. A gravata ainda estava desalinhada. O corpo inteiro em alerta. Olhei pela janela. A cidade seguia, indiferente, lá fora. Mas eu sabia: aquela mulher ia me destruir.

E o pior? Ela estava certa sobre eu ser um covarde, mas o que ela não sabe, é que eu estava começando a não me importar.

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