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Pensamentos Inapropriados

(No carro – 8h15 da manhã)  

Angel

O Jaguar preto deslizava pelas ruas de São Paulo, mas minha atenção não estava na paisagem. Estava nas mãos dele.

Lucas dirigia com apenas uma mão no volante, os dedos longos e firmes, as veias levemente saltadas sob a pele. Mãos fortes. Mãos que sabiam dominar.  

Como seria sentir essas mãos em outros lugares?  

A imagem invadiu minha mente sem permissão: seus dedos deslizando pela minha cintura, apertando minha pele, segurando-me com aquela mesma firmeza com que ele segurava o volante…

— Você está bem?

A voz dele me arrancou do devaneio.  

— O quê?

— Você está corada. — Ele olhou para mim, o cenho levemente franzido. — Se vai vomitar, avisa antes. Não quero que estrague o couro do carro.  

— Que cavalheiro! — soltei, me encostando no banco. — Não se preocupe, seu carro está seguro. Não vou vomitar. 

Só estou pensando em como suas mãos fariam coisas muito piores em mim. 

Ele não respondeu, mas os dedos dele se apertaram no volante. Ele tinha percebido algo?  

Cruzei os braços e olhei pela janela. Por fora, eu estava ofendida. Por dentro… bom, por dentro eu ainda pensava nas mãos dele.

Que tipo de masoquismo era esse?

— Você está insuportável hoje. — Lucas resmungou depois de um silêncio tenso.  

— Ah, sinto muito, Lucas. Nem todo mundo acorda perfeito depois de uma noite destruindo a própria vida.

Ele soltou um riso seco.  

— Você não destruiu sua vida. Só fez o que sempre faz.

— O quê?

— Chamou atenção. — Ele olhou para mim, e desta vez, havia algo naquele olhar que me deixou sem ar. — Só que dessa vez, não funcionou comigo.

Meu coração acelerou. Era um desafio? Uma provocação?  

— Não tente bancar o psicólogo, Lucas.

— Não tente bancar a vítima, Angel.  

O silêncio que se seguiu foi carregado. Eu olhei pela janela, sentindo o calor no meu rosto, o corpo ainda lembrando daqueles pensamentos proibidos. Ele me odiava. Eu o odiava. Então por que meu corpo não concordava? 

E pior: por que ele parecia saber exatamente o que eu estava pensando?  

(Grupo Figueiredo – 8h45 da manhã)  

O elevador corporativo subia em silêncio, mas o ar entre mim e Lucas estava carregado de uma tensão que só piorava a minha ressaca. Ele mantinha o olhar fixo nos números que ascendiam no painel. Eu, por outro lado, sentia cada batida do meu coração como um martelo no crânio.  

— Lembra do combinado — ele disse, sem me olhar.  

— Qual deles?

— Você fica quieta, ouve o que sua avó tem a dizer e não arruma confusão.

Sorri, sarcástica.

— E se eu me recusar?  

Finalmente, ele virou o rosto. Seus olhos escuros percorreram meu corpo num movimento lento, calculado, antes de encontrarem os meus.  

— Então eu te coloco de castigo.

O tom era baixo, quase um rosnado. E, Deus me perdoe, algo dentro de mim apertou.  

O *ding* do elevador nos salvou de qualquer resposta que eu pudesse ter. As portas se abriram, revelando o andar executivo do Grupo Figueiredo: vidros fumês, carpetes grossos e o silêncio pesado de quem trabalha com poder.  

Caminhamos por um largo corredor até chegar ao que deduzi ser a sala que antecede ao escritório da minha avó. Uma recepção era chique. Minimalista. E lá estava ela: a torre de vigilância da minha nova prisão.

Iolanda.

Sentada atrás de uma mesa de reunião envidraçada, conversava com dois homens engravatados. Assim que me viu, dispensou ambos com um gesto leve. Os dois se levantaram imediatamente.

— Entre, Angel.

Respirei fundo. Entrei e percebi que Lucas tinha ficado para trás. Entendi que aquela seria uma conversa apenas entre minha avó e eu. Nem precisava olhar para Lucas para saber que ele tinha se transformado num soldado perfeito novamente—postura reta, expressão impenetrável.  

— Bom dia, vó.

Ao invés de responder ao meu cumprimento, Iolanda dirigiu um olhar significativo para o relógio em seu pulso.

— Está atrasada.

Dei de ombros, sem energia pra discutir. Ela me observou por um momento longo demais.

— Você vai começar hoje como assistente júnior da equipe de Lucas.  

Eu pisquei. 

— Perdão?

— Você ouviu. — Ela tirou os óculos, limpando-os com um pano de seda. — Vai auxiliar Carolina nas tarefas administrativas e aprender como esta empresa funciona. Lucas será seu supervisor direto.

A frase veio com açúcar na voz, mas eu ouvi o subtexto inteiro.

— Então basicamente… vocês me colocaram sob vigilância oficial.

— Não. Estamos te dando uma chance de mostrar que você consegue conviver com responsabilidade. O resto depende de você.

Eu quis gritar. Quebrar alguma coisa. Fugir de novo. Mas olhei para Lucas pela parede de vidro e ele só levantou uma sobrancelha, como quem diz não começa aqui.

Então concordei, cruzando os braços.

— Ótimo. Vamos brincar de ser útil — Foi tudo o que consegui colocar em palavras naquele momento sem pôr em risco o meu cartão de crédito e a minha conta bancária.

Saí da sala de Iolanda com o estômago embrulhado, não sei se pela ressaca ou pelo desejo absurdo de sair correndo. Lucas estava exatamente onde eu o deixei: de pé, braços cruzados, expressão tão serena que dava vontade de socar.

— Você sabia! — acusei, assim que a porta se fechou atrás de mim.

— Claro que sabia — ele respondeu, dando um passo à frente, com a mesma calma de quem diz "a previsão é de chuva". — E achei que você também fosse imaginar. Ou sua ressaca te impede de deduzir o óbvio?

— Eu achei que ela ia me punir, não te dar o prazer de me ter por perto o dia todo.

— Olha que curioso — ele sorriu de leve —, eu achei exatamente o contrário: que o castigo era meu.

Antes que eu pudesse rebater, ele virou de costas e começou a andar pelo corredor.

— Vem, Angel. Vamos começar esse teatro corporativo.

Bufei, mas fui atrás. O andar estava silencioso demais. Gente séria demais. E eu ali, um desastre ambulante com batom meio borrado e vontade de incendiar tudo.

Lucas empurrou uma porta de vidro com o nome dele estampado em uma letra dourada. Sala de canto, vista panorâmica da cidade, mobília sóbria, cara de quem fecha acordos milionários enquanto bebe café preto.

Na ante sala, uma mesa organizada demais, uma cadeira ergonômica, e uma garota que só poderia ser a tal Carolina.

Loira, magra, elegante. Cada fio de cabelo preso num coque perfeito. Ela digitava com velocidade e leveza, como quem domina o mundo com três cliques. Quando nos viu entrar, levantou com um sorriso automático, que durou exatamente até notar que eu não era uma visita qualquer.

— Carolina — Lucas disse, direto ao ponto —, essa é Angel Figueiredo. A partir de hoje, ela vai acompanhar sua rotina e ajudar com as tarefas do setor.

O sorriso dela congelou por um milésimo de segundo.

— Claro. Que... interessante. — A pausa foi sutil, mas eu percebi. — Seja bem-vinda, Angel.

— "Interessante" é uma palavra gentil — respondi, forçando meu melhor sorriso debochado.

Lucas ignorou o tom. Apontou para uma mesa auxiliar, vazia, encostada na parede lateral da sala.

— Essa vai ser sua estação de trabalho por enquanto. Comece observando. Depois, você executa.

— Uau. Mal posso esperar pra aprender como se envia um e-mail corporativo — murmurei.

— Angel — ele olhou de lado, voz baixa —, coopera. Ou eu mesmo peço pra colocarem sua mesa dentro da copa.

Carolina soltou um risinho leve. Não gostei dela. E ela definitivamente não gostou de mim.

Fiquei de pé por alguns segundos, olhando em volta. A sala dele. O perfume dele no ar. O jeito que ele dominava o espaço mesmo em silêncio.

E então olhei pra ele de novo. Para os seus dedos bem feitos nas mãos compridas, a pulseira de couro ajustada no pulso, o botão da camisa levemente solto na altura do pescoço.

Droga.

Senti minhas bochechas esquentarem, como se minha imaginação tivesse ganhado vida própria.

Ele percebeu.

— Você está bem? — perguntou, sem nem levantar os olhos. — Se for vomitar, avisa antes. Esse escritório foi recém-reformado.

— Vai se foder, Lucas.

— Ah — ele olhou fixamente pra mim, com aquele sorrisinho de canto —, começou o expediente.

Carolina pigarreou. E eu só pensei: isso vai ser um longo, longo dia.

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