Narrado por Dante
Meu nome é Dante Caruso, Don da ’Ndrangheta italiana. Hoje, aos 30 anos, carrego o peso de decisões que marcaram minha alma para sempre. O fardo de erros que me moldaram e, ao mesmo tempo, me arruinaram. Mas quando tudo começou, eu era apenas um jovem de 20 anos. Jovem demais, impulsivo demais, cego demais pela dor de uma perda que eu sequer sabia como enfrentar. Meu irmão era meu espelho. Nele, eu enxergava o reflexo do homem que aspirava ser. Dividíamos sonhos, lealdades e a insígnia do nome Caruso. Ele não era apenas meu irmão; era meu porto seguro, meu equilíbrio. E foi exatamente esse amor incondicional que me cegou. Sua morte foi como um punhal cravado no peito, mas não o tipo de ferida que mata. Era o tipo que sangra lentamente, consumindo cada pedaço de quem você é. Quando ele foi assassinado, não houve racionalidade. Não houve pausa. Jurei vingança no mesmo instante. Eu destruiria quem quer que tivesse ousado tirar meu irmão de mim. Todas as pistas apontavam para John Scott, o Don dos Corvos Negros. Cada rumor sussurrado nas sombras, cada palavra de aliados e traidores indicava que ele era o responsável. E eu acreditei. Não apenas porque as evidências estavam ali, mas porque eu precisava acreditar. Precisava de um culpado. Precisava de um alvo para minha dor, algo que justificasse a raiva que me consumia. Então, eu ataquei. Invadi o território dele com o coração em chamas e o sangue fervendo. Não houve perguntas, não houve negociação. Apenas o som de tiros, os gritos desesperados e o silêncio da morte que eu distribuía sem remorso. Encontrei John Scott e o matei com minhas próprias mãos. Olhei em seus olhos enquanto ele perdia a vida, certo de que estava cumprindo minha promessa. Certo de que finalmente estava vingando meu irmão. Mas a verdade veio como uma lâmina fria, tarde demais. John Scott não era culpado. Nem ele, nem sua família. O sangue que derramei era inocente, o peso do erro irreparável. Eu quebrei o código que jurei honrar. Eu, o Don da ’Ndrangheta, manchei minhas mãos com o sangue de uma família que nunca deveria ter caído. Esmaguei vidas, sonhos e histórias sem motivo. E mesmo assim, o que restou? Apenas cinzas. Apenas vazio. Às vezes, à noite, quando o silêncio pesa mais do que qualquer julgamento, penso no rosto de John Scott enquanto ele caía. Ele não implorou. Não gritou. Apenas me olhou, como se enxergasse além da fúria e visse um homem destruído pela dor. Naquele momento, eu era tão monstro quanto qualquer inimigo que já enfrentei. Hoje, o nome Scott me assombra. Cada vitória que conquisto, cada aliança que construo, é corroída pela culpa. Os rumores começaram a surgir meses depois do massacre: havia uma sobrevivente. A filha mais velha de John. Ignorei essas histórias no início, acreditando que fossem apenas tentativas do submundo de alimentar minha culpa. Mas o tempo trouxe indícios mais concretos. Talvez ela estivesse viva. Talvez meu erro fosse ainda maior do que eu imaginava. A confirmação veio de onde eu menos esperava. Meu pai, um homem de poucas palavras e uma força inabalável, veio até mim com um olhar que carregava decepção e algo mais. Ele se sentou à minha frente, seus olhos cravados nos meus. A tensão no ar era quase palpável. — Você errou, Dante. Mas isso já sabe — começou, sua voz pesada. — O que você não sabe é que seu erro tem raízes mais profundas do que imagina. Fiquei em silêncio, deixando que ele continuasse, enquanto um nó crescia no meu peito. — Antes da morte de seu irmão, estávamos negociando uma trégua com os Corvos Negros. Algo que poderia salvar ambos os lados. — Ele fez uma pausa, como se medir cada palavra fosse essencial. — Um casamento, Dante. Entre você e a filha mais velha de John Scott. Minha mente girou. Um casamento? Uma trégua? Meu estômago revirou enquanto a raiva queimava. — Quando você voltou dizendo que eliminou toda a família Scott, eu acreditei — continuou meu pai, a voz firme. — Não tive motivos para questionar. Mas a verdade é que ela não está morta. As palavras dele caíram como uma avalanche. — O quê? — sussurrei, incapaz de processar completamente. — Sua futura esposa está viva. Não sabemos onde, mas ela está por aí, Dante. Sozinha. Escondida. Sobrevivendo. Levantei-me, o coração disparado, as mãos tremendo. — E você só me diz isso agora? — minha voz explodiu em fúria. — Depois de tudo o que aconteceu, depois de toda a dor que causei, você só me diz agora que ela está viva? Meu pai não se abalou. Ele me olhou como sempre fazia, com calma e controle. — Eu também só descobri recentemente. Acreditei em você quando disse que não havia deixado ninguém vivo. Mas agora sabemos que estávamos errados. — Ele se levantou, aproximando-se de mim, seus olhos fixos nos meus. — Encontrá-la pode ser sua única chance de redenção, ou ela virá nos caçar um a um. Suas palavras pairaram no ar, afiadas como uma lâmina prestes a cortar. — Você acha que ela virá por vingança? — perguntei, minha voz baixa, carregada de tensão. — Você não foi atrás da família dela por isso, não foi? — Ele arqueou uma sobrancelha, como se a resposta fosse óbvia. — Por que acha que ela seria diferente? Fiquei em silêncio, processando as implicações. — Ela se escondeu nas sombras da máfia por 10 anos, Dante. — Meu pai continuou, sua voz grave. — Não há imagens recentes dela. A última foto que temos é de quando tinha 10 anos. Ninguém sabe onde ela esteve ou o que tem feito esse tempo todo. Então me diga: o que mais isso poderia significar, senão vingança? A ideia de alguém esperando pacientemente por uma década, planejando cada passo, fazia meu sangue gelar. A culpa, o arrependimento e a paranoia eram companheiros constantes desde aquele dia, mas agora algo mais surgia no horizonte: a incerteza sobre o que eu realmente havia criado. — E se ela não quiser vingança? — murmurei, mais para mim mesmo do que para ele. Meu pai soltou um suspiro pesado. — Então você tem sorte. Mas, Dante, não conte com isso. — Ele se afastou, suas palavras finais soando como uma sentença. — Você plantou essa guerra há 10 anos. Agora só resta esperar para ver como ela vai florescer.Narrado por Mallory As paredes do pequeno apartamento em que me escondo são frias e vazias, refletindo exatamente como me sinto. Dez anos. Uma década que parece uma eternidade e, ao mesmo tempo, um instante. Tempo suficiente para me moldar, para apagar traços da menina que fui, mas jamais o bastante para silenciar o peso do meu sobrenome ou as cicatrizes que carrego. Cicatrizes invisíveis ao mundo, mas gravadas profundamente em mim. Sou Mallory Scott, a última sobrevivente de uma linhagem que foi massacrada sem piedade. O nome Caruso tem sido um sussurro constante em meus pesadelos, o eco persistente de uma noite que destruiu tudo. Eu tinha apenas 10 anos. Era uma criança, e talvez por isso nunca tenha entendido por que alguém faria o que fizeram. Lembro-me do som dos tiros que reverberavam pelos corredores da mansão, dos gritos desesperados da minha mãe, da expressão de pânico do meu pai enquanto tentava nos proteger. Mas, acima de tudo, lembro-me dele. Dante Caruso. Seus olhos
Narrado por Dante As luzes do salão em Milão eram ofuscantes, refletidas nos lustres de cristal que pendiam do teto, como estrelas aprisionadas. A cada passo, eu sentia os olhares. Alguns eram de reverência, outros de curiosidade, mas todos sabiam quem eu era, mesmo que o anonimato fosse parte do jogo daquela noite. A máscara que cobria metade do meu rosto era um símbolo, não uma proteção. Não há esconderijo para um homem como eu.O Baile à Fantasia era mais do que uma simples exibição de poder e status. Para mim, era um terreno de oportunidades, alianças e, acima de tudo, controle. A presença de um Caruso em eventos como esse era uma mensagem clara: a ’Ndrangheta não apenas existia, mas prosperava.Caminhei pelo salão com passos firmes, observando cada rosto, cada gesto. Reconhecia alguns pelos olhos, outros pela postura. O mundo do crime tem seus próprios códigos, e, mascarados ou não, ninguém é verdadeiramente anônimo aqui.As taças de champanhe circulavam, e o som de risadas e co
Narrado por Dante Fiquei parado no meio do salão, tentando processar o que acabara de acontecer. A música continuava, os convidados riam e brindavam como se nada tivesse acontecido. Mas dentro de mim, um alerta soava como um sino ensurdecedor.Passei a mão pelo corte em meu pescoço novamente, sentindo o calor do sangue que começava a escorrer. Um corte superficial, mas suficiente para enviar uma mensagem clara: ela poderia ter me matado, mas escolheu não fazê-lo.Meus homens se aproximaram rapidamente, percebendo minha expressão sombria.— Don, o que houve? — perguntou Marco, um de meus guardas mais confiáveis.— Fechem as portas. Quero que todos os convidados sejam interrogados. Ninguém sai daqui sem a minha autorização.Marco assentiu e começou a dar ordens. O salão rapidamente mergulhou em um caos controlado enquanto meus homens bloqueavam todas as saídas.Ela estava aqui, em algum lugar. Não poderia ter desaparecido tão rápido.Me aproximei de Enzo, meu braço direito, que mantinh
Narrado por Mallory As ruas de Milão brilhavam sob a luz amarelada dos postes enquanto eu caminhava de volta ao meu esconderijo. Ainda podia sentir o calor da mão de Dante em minha cintura, o toque firme que contrastava com a lâmina fria que segurei contra seu pescoço momentos antes. O Don. O homem que destruiu minha família. Ele não mudou nada. Ainda exalava poder, arrogância e uma confiança que me enojava.Mas havia algo mais. Algo que me fez hesitar.Não era medo. Não era arrependimento. Era dúvida.Por anos, imaginei esse momento. Como seria encará-lo, fazê-lo pagar pelo sangue que derramou, pela vida que destruiu. E, no entanto, quando as luzes se apagaram e tive a chance de acabar com ele, hesitei. Não por piedade, mas porque algo não parecia certo.Por que ele hesitou? Ele poderia ter me parado, mas escolheu ouvir, quase como se reconhecesse meu ódio, como se soubesse que eu tinha o direito de estar ali.Enquanto subia as escadas do pequeno apartamento onde me escondia, revivi
Narrado por Dante Ela desapareceu novamente. Mais uma vez, sem deixar rastros. Nem um nome, nem uma pista, nem sequer um fragmento de evidência. Era como se ela fosse um fantasma, uma sombra que surgia apenas para me lembrar de sua existência e depois se desfazia no ar.Sabia o que a movia: vingança. Isso estava claro. Mas a pergunta que martelava incessantemente na minha mente era por quê? Por que não me matou naquela noite, quando teve a chance perfeita? O que ela queria? Um aviso? Um lembrete do que estava por vir? Ou talvez fosse um jogo psicológico, uma tentativa de me torturar lentamente, deixando-me preso nessa teia de incertezas.Era um jogo arriscado, mas ela jogava com maestria. Pela primeira vez na minha vida, havia alguém que não me temia, alguém que tinha coragem de me enfrentar de igual para igual. E isso, apesar de irritante, despertava algo em mim. Uma fascinação perigosa.Mas Mallory… Ela não fazia ideia de onde estava se metendo. Havia limites que não poderiam ser u
Narrado por Mallory A notícia do leilão em Paris chegou a mim através de um informante, alguém que sabia o que estava em jogo, mas que também sabia onde colocar sua lealdade. Dante estaria lá. Não era surpresa; aquele tipo de evento era um ímã para homens como ele, ansiosos por consolidar alianças e exibir poder.Abri meu laptop e analisei os arquivos que Giovani havia coletado para mim. Plantas do local, horários dos principais convidados, nomes que circulavam no submundo como potenciais compradores. Dante Caruso era o foco, mas ele não estaria sozinho. Aqueles eventos eram cercados de seguranças, aliados e, claro, inimigos disfarçados de amigos.— Mallory, você sabe que isso é loucura. — Giovani disse, encostado no batente da porta. — Leilões como esse não são brincadeira. Um passo em falso e eles te desmascaram.Ergui os olhos para ele, mantendo meu tom firme. — Eu já joguei em arenas mais perigosas. Não é a primeira vez que me meto no meio de lobos, Giovani.Ele suspirou, mas não
Narrado por Giovani Por mais que eu tentasse negar, a mente de Mallory era brilhante. Todos os corvos fizeram um excelente trabalho com ela. Eu deveria me sentir orgulhoso, já que tive uma participação especial nisso, mas isso não vem ao caso agora.Mallory não queria apenas matar Dante; ela queria destruir tudo o que ele construiu. Sua máfia, sua reputação, sua força. Paris era apenas o começo do iceberg. Ela estava jogando um jogo perigoso, mas extremamente estratégico. Eu era um bom aliado para ela, não só porque conhecia os pontos fracos do Caruso, mas porque também queria a cabeça dele tanto quanto ela. Contudo, ao contrário de Mallory, eu não tinha metade da coragem que ela demonstrava. Preferia as sombras, onde era mais seguro e onde eu poderia agir sem me expor.Dante confiava em mim. Pelo menos, confiava o suficiente para me mandar para o subsolo do leilão, onde a verdadeira transação acontecia. Armas, drogas, mulheres… ali era onde as máscaras caíam e o submundo mostrava se
Narrado por Mallory Meu nome é Mallory Scott. Nasci e cresci sob as luzes mais brilhantes da América, na cidade que nunca dorme: Nova York. Minha vida sempre pareceu perfeita, ou pelo menos, era isso que eu acreditava.Minha mãe morreu ao me dar à luz, mas isso nunca diminuiu o amor que meu pai tinha por mim e por meus irmãos, frutos de outro casamento. Ele era o tipo de homem que carregava o peso do mundo nos ombros, mas em casa, com a gente, era puro afeto. Lembro-me do som de sua risada ecoando pela sala e do aroma de bolinhos e bolachas frescas que sempre preenchia o ar.Eu sabia que havia sombras em Nova York. Sussurros sobre a máfia, olhares furtivos e nomes que ninguém ousava pronunciar em voz alta. Meu pai era o Don dos Corvos Negros, mas, para mim, ele era apenas meu herói. Mesmo assim, naquela época, esses segredos pareciam tão distantes quanto as estrelas.Até que ele apareceu. Até que Dante Caruso cruzou o nosso caminho.Eu tinha apenas dez anos quando tudo mudou. Dez ano