Narrado por Mallory
As paredes do pequeno apartamento em que me escondo são frias e vazias, refletindo exatamente como me sinto. Dez anos. Uma década que parece uma eternidade e, ao mesmo tempo, um instante. Tempo suficiente para me moldar, para apagar traços da menina que fui, mas jamais o bastante para silenciar o peso do meu sobrenome ou as cicatrizes que carrego. Cicatrizes invisíveis ao mundo, mas gravadas profundamente em mim. Sou Mallory Scott, a última sobrevivente de uma linhagem que foi massacrada sem piedade. O nome Caruso tem sido um sussurro constante em meus pesadelos, o eco persistente de uma noite que destruiu tudo. Eu tinha apenas 10 anos. Era uma criança, e talvez por isso nunca tenha entendido por que alguém faria o que fizeram. Lembro-me do som dos tiros que reverberavam pelos corredores da mansão, dos gritos desesperados da minha mãe, da expressão de pânico do meu pai enquanto tentava nos proteger. Mas, acima de tudo, lembro-me dele. Dante Caruso. Seus olhos não mostravam misericórdia naquela noite. Não houve hesitação. Nenhuma pergunta. Ele apenas matou. A cada disparo, a cada golpe, ele tirava mais do que vidas. Tirava pedaços da minha alma. Enquanto eu me escondia no porão, com as mãos trêmulas cobrindo minha boca para abafar os soluços, fiz uma promessa silenciosa. Sobreviveria. Não por mim, mas por eles. Eu seria o fantasma dos Carusos. O que eles tentaram apagar, eu traria de volta. Nos primeiros anos após o massacre, viver foi como caminhar sobre cacos de vidro. Eu era uma sombra, uma garota perdida em um mundo que não tinha lugar para ela. O submundo acreditava que Mallory Scott estava morta. Eu permiti isso. Enterrei a menina de cabelos escuros e olhos vivos, trocando-a por uma mulher sem rosto, sem passado. Troquei meu nome, minha aparência, minha vida. Mas enquanto eu me apagava, Dante Caruso prosperava. Ele não só assumiu o posto de Don como também consolidou o poder da ’Ndrangheta. Enquanto eu rastejava pelas sombras, aprendendo a sobreviver, ele expandia seu império, transformando meu luto em combustível para o seu legado. A diferença é que ele não sabia que eu ainda estava aqui. Observando. Estudando. Planejando. Agora, o silêncio que me envolveu por tantos anos está chegando ao fim. Não é apenas sobre vingança. Não é só um acerto de contas. É justiça. É honrar minha família e arrancar das mãos de Dante a falsa glória construída sobre o sangue inocente dos meus. O som do telefone vibrando me traz de volta à realidade. A tela ilumina o quarto escuro. Uma mensagem aparece: — “Temos uma pista sobre o paradeiro de Dante Caruso. Ele estará em Milão amanhã à noite, em um baile à fantasia.” Meus dedos apertam o aparelho enquanto releio a mensagem. Milão. Um baile. É um risco, mas uma oportunidade que eu não posso ignorar. Vou até o espelho no canto do quarto, observando a mulher que me olha de volta. Não sou mais a Mallory Scott que eles conheciam. Os cabelos escuros agora são loiros platinados, os olhos verdes foram substituídos por lentes acinzentadas. Meu rosto, antes tão fácil de reconhecer, agora é apenas um traço em meio à multidão. — “Dante Caruso,” — murmuro, encarando a versão de mim mesma que criei para sobreviver. — “O fantasma dos Scott está voltando. E desta vez, não haverá perdão.” Deixo o apartamento com passos firmes. A escuridão da noite me envolve, mas ela já não me intimida. Eu aprendi a viver nela. Tornei-me parte dela. Horas depois, entro no carro que me leva para o aeroporto. Um jatinho particular me espera, pago por aqueles que acreditam no meu plano tanto quanto eu. Eles já encontraram um esconderijo em Milão, um ponto seguro para eu me preparar. Enquanto o avião decola, penso no que está por vir. O baile à fantasia é a oportunidade perfeita. Ninguém desconfia de máscaras e vestidos luxuosos em eventos assim. O disfarce será impecável. Vestido sob medida, joias que parecem reais, tudo do bom e do melhor. Para eles, eu serei apenas mais uma entre a elite, mas para mim, será o começo do fim de Dante Caruso. Milão será o palco. O baile, o início do meu ato final. E Dante? Ele será o protagonista que nunca soube o papel que está prestes a desempenhar. O avião pousa em Milão sob a escuridão da madrugada, como se até mesmo o céu compreendesse a natureza do que está para acontecer. Um motorista me espera no hangar, um homem de rosto fechado e olhos atentos. Ele não pergunta meu nome. Não precisa. O silêncio entre nós é um pacto. Ao chegar ao esconderijo — um apartamento discreto em um dos bairros mais movimentados da cidade — encontro tudo já preparado. Uma mala me espera no quarto, com o vestido, as joias e a máscara que usarei no baile. Quem me apoia nesse plano é tão meticuloso quanto eu, e isso me dá uma estranha sensação de controle em meio ao caos que estou prestes a enfrentar. Enquanto desfaço a mala, meu olhar recai sobre o vestido. É deslumbrante, tão diferente de qualquer coisa que eu já usei nos últimos anos. Um lembrete do mundo de onde vim, da vida que perdi. Por um momento, sinto um aperto no peito, uma mistura de nostalgia e raiva. Mas não permito que isso me enfraqueça. Depois de algumas horas de descanso — ou pelo menos a tentativa dele —, passo o dia revisando cada detalhe do plano. Mapa do local, possíveis rotas de fuga, posições dos seguranças. Sei que Dante não estará sozinho. Ele nunca está. Mas isso não me preocupa. Aprendi a lidar com monstros como ele. Quando a noite finalmente chega, me visto como se estivesse indo para uma batalha, porque, de certa forma, estou. O vestido, de um vermelho profundo, molda-se ao meu corpo como uma segunda pele. A máscara, um trabalho intrincado em preto e dourado, cobre metade do meu rosto, escondendo minha identidade e, ao mesmo tempo, destacando meus olhos frios e calculistas. No carro que me leva ao local do baile, fecho os olhos por um momento. Lembro-me da última vez que vi Dante Caruso. Ele estava coberto pelo sangue da minha família, o rosto impassível, como se estivesse cumprindo uma rotina. — “Você não me reconheceria hoje,” — murmuro para mim mesma. — “Mas eu nunca me esqueci de você.” Chego ao grande salão onde o baile acontece, um prédio histórico transformado em cenário de luxo e decadência. A música, suave e elegante, preenche o ambiente, e as risadas e conversas dos convidados ecoam pelos corredores. Observo tudo ao entrar, cada detalhe. Os Caruso têm um padrão. Sempre os mesmos seguranças, sempre os mesmos olhares atentos. E então, eu o vejo. Dante está no centro do salão, rodeado por aliados e bajuladores, como um rei em seu trono. Ele mudou em dez anos. Os cabelos estão mais grisalhos, as linhas em seu rosto mais marcadas, mas os olhos… Os olhos são os mesmos. Frios, calculistas, destituídos de qualquer traço de compaixão. Sinto meu coração acelerar, mas não é medo. É raiva. É determinação. Respiro fundo e ajusto a máscara no rosto. — “É hora do jogo começar,” — penso enquanto caminho em direção ao salão principal.Narrado por Dante As luzes do salão em Milão eram ofuscantes, refletidas nos lustres de cristal que pendiam do teto, como estrelas aprisionadas. A cada passo, eu sentia os olhares. Alguns eram de reverência, outros de curiosidade, mas todos sabiam quem eu era, mesmo que o anonimato fosse parte do jogo daquela noite. A máscara que cobria metade do meu rosto era um símbolo, não uma proteção. Não há esconderijo para um homem como eu.O Baile à Fantasia era mais do que uma simples exibição de poder e status. Para mim, era um terreno de oportunidades, alianças e, acima de tudo, controle. A presença de um Caruso em eventos como esse era uma mensagem clara: a ’Ndrangheta não apenas existia, mas prosperava.Caminhei pelo salão com passos firmes, observando cada rosto, cada gesto. Reconhecia alguns pelos olhos, outros pela postura. O mundo do crime tem seus próprios códigos, e, mascarados ou não, ninguém é verdadeiramente anônimo aqui.As taças de champanhe circulavam, e o som de risadas e co
Narrado por Dante Fiquei parado no meio do salão, tentando processar o que acabara de acontecer. A música continuava, os convidados riam e brindavam como se nada tivesse acontecido. Mas dentro de mim, um alerta soava como um sino ensurdecedor.Passei a mão pelo corte em meu pescoço novamente, sentindo o calor do sangue que começava a escorrer. Um corte superficial, mas suficiente para enviar uma mensagem clara: ela poderia ter me matado, mas escolheu não fazê-lo.Meus homens se aproximaram rapidamente, percebendo minha expressão sombria.— Don, o que houve? — perguntou Marco, um de meus guardas mais confiáveis.— Fechem as portas. Quero que todos os convidados sejam interrogados. Ninguém sai daqui sem a minha autorização.Marco assentiu e começou a dar ordens. O salão rapidamente mergulhou em um caos controlado enquanto meus homens bloqueavam todas as saídas.Ela estava aqui, em algum lugar. Não poderia ter desaparecido tão rápido.Me aproximei de Enzo, meu braço direito, que mantinh
Narrado por Mallory As ruas de Milão brilhavam sob a luz amarelada dos postes enquanto eu caminhava de volta ao meu esconderijo. Ainda podia sentir o calor da mão de Dante em minha cintura, o toque firme que contrastava com a lâmina fria que segurei contra seu pescoço momentos antes. O Don. O homem que destruiu minha família. Ele não mudou nada. Ainda exalava poder, arrogância e uma confiança que me enojava.Mas havia algo mais. Algo que me fez hesitar.Não era medo. Não era arrependimento. Era dúvida.Por anos, imaginei esse momento. Como seria encará-lo, fazê-lo pagar pelo sangue que derramou, pela vida que destruiu. E, no entanto, quando as luzes se apagaram e tive a chance de acabar com ele, hesitei. Não por piedade, mas porque algo não parecia certo.Por que ele hesitou? Ele poderia ter me parado, mas escolheu ouvir, quase como se reconhecesse meu ódio, como se soubesse que eu tinha o direito de estar ali.Enquanto subia as escadas do pequeno apartamento onde me escondia, revivi
Narrado por Dante Ela desapareceu novamente. Mais uma vez, sem deixar rastros. Nem um nome, nem uma pista, nem sequer um fragmento de evidência. Era como se ela fosse um fantasma, uma sombra que surgia apenas para me lembrar de sua existência e depois se desfazia no ar.Sabia o que a movia: vingança. Isso estava claro. Mas a pergunta que martelava incessantemente na minha mente era por quê? Por que não me matou naquela noite, quando teve a chance perfeita? O que ela queria? Um aviso? Um lembrete do que estava por vir? Ou talvez fosse um jogo psicológico, uma tentativa de me torturar lentamente, deixando-me preso nessa teia de incertezas.Era um jogo arriscado, mas ela jogava com maestria. Pela primeira vez na minha vida, havia alguém que não me temia, alguém que tinha coragem de me enfrentar de igual para igual. E isso, apesar de irritante, despertava algo em mim. Uma fascinação perigosa.Mas Mallory… Ela não fazia ideia de onde estava se metendo. Havia limites que não poderiam ser u
Narrado por Mallory A notícia do leilão em Paris chegou a mim através de um informante, alguém que sabia o que estava em jogo, mas que também sabia onde colocar sua lealdade. Dante estaria lá. Não era surpresa; aquele tipo de evento era um ímã para homens como ele, ansiosos por consolidar alianças e exibir poder.Abri meu laptop e analisei os arquivos que Giovani havia coletado para mim. Plantas do local, horários dos principais convidados, nomes que circulavam no submundo como potenciais compradores. Dante Caruso era o foco, mas ele não estaria sozinho. Aqueles eventos eram cercados de seguranças, aliados e, claro, inimigos disfarçados de amigos.— Mallory, você sabe que isso é loucura. — Giovani disse, encostado no batente da porta. — Leilões como esse não são brincadeira. Um passo em falso e eles te desmascaram.Ergui os olhos para ele, mantendo meu tom firme. — Eu já joguei em arenas mais perigosas. Não é a primeira vez que me meto no meio de lobos, Giovani.Ele suspirou, mas não
Narrado por Giovani Por mais que eu tentasse negar, a mente de Mallory era brilhante. Todos os corvos fizeram um excelente trabalho com ela. Eu deveria me sentir orgulhoso, já que tive uma participação especial nisso, mas isso não vem ao caso agora.Mallory não queria apenas matar Dante; ela queria destruir tudo o que ele construiu. Sua máfia, sua reputação, sua força. Paris era apenas o começo do iceberg. Ela estava jogando um jogo perigoso, mas extremamente estratégico. Eu era um bom aliado para ela, não só porque conhecia os pontos fracos do Caruso, mas porque também queria a cabeça dele tanto quanto ela. Contudo, ao contrário de Mallory, eu não tinha metade da coragem que ela demonstrava. Preferia as sombras, onde era mais seguro e onde eu poderia agir sem me expor.Dante confiava em mim. Pelo menos, confiava o suficiente para me mandar para o subsolo do leilão, onde a verdadeira transação acontecia. Armas, drogas, mulheres… ali era onde as máscaras caíam e o submundo mostrava se
Narrado por Mallory Meu nome é Mallory Scott. Nasci e cresci sob as luzes mais brilhantes da América, na cidade que nunca dorme: Nova York. Minha vida sempre pareceu perfeita, ou pelo menos, era isso que eu acreditava.Minha mãe morreu ao me dar à luz, mas isso nunca diminuiu o amor que meu pai tinha por mim e por meus irmãos, frutos de outro casamento. Ele era o tipo de homem que carregava o peso do mundo nos ombros, mas em casa, com a gente, era puro afeto. Lembro-me do som de sua risada ecoando pela sala e do aroma de bolinhos e bolachas frescas que sempre preenchia o ar.Eu sabia que havia sombras em Nova York. Sussurros sobre a máfia, olhares furtivos e nomes que ninguém ousava pronunciar em voz alta. Meu pai era o Don dos Corvos Negros, mas, para mim, ele era apenas meu herói. Mesmo assim, naquela época, esses segredos pareciam tão distantes quanto as estrelas.Até que ele apareceu. Até que Dante Caruso cruzou o nosso caminho.Eu tinha apenas dez anos quando tudo mudou. Dez ano
Narrado por Dante Meu nome é Dante Caruso, Don da ’Ndrangheta italiana. Hoje, aos 30 anos, carrego o peso de decisões que marcaram minha alma para sempre. O fardo de erros que me moldaram e, ao mesmo tempo, me arruinaram. Mas quando tudo começou, eu era apenas um jovem de 20 anos. Jovem demais, impulsivo demais, cego demais pela dor de uma perda que eu sequer sabia como enfrentar. Meu irmão era meu espelho. Nele, eu enxergava o reflexo do homem que aspirava ser. Dividíamos sonhos, lealdades e a insígnia do nome Caruso. Ele não era apenas meu irmão; era meu porto seguro, meu equilíbrio. E foi exatamente esse amor incondicional que me cegou. Sua morte foi como um punhal cravado no peito, mas não o tipo de ferida que mata. Era o tipo que sangra lentamente, consumindo cada pedaço de quem você é. Quando ele foi assassinado, não houve racionalidade. Não houve pausa. Jurei vingança no mesmo instante. Eu destruiria quem quer que tivesse ousado tirar meu irmão de mim. Todas as pistas apon