Narrado por Dante
As luzes do salão em Milão eram ofuscantes, refletidas nos lustres de cristal que pendiam do teto, como estrelas aprisionadas. A cada passo, eu sentia os olhares. Alguns eram de reverência, outros de curiosidade, mas todos sabiam quem eu era, mesmo que o anonimato fosse parte do jogo daquela noite. A máscara que cobria metade do meu rosto era um símbolo, não uma proteção. Não há esconderijo para um homem como eu. O Baile à Fantasia era mais do que uma simples exibição de poder e status. Para mim, era um terreno de oportunidades, alianças e, acima de tudo, controle. A presença de um Caruso em eventos como esse era uma mensagem clara: a ’Ndrangheta não apenas existia, mas prosperava. Caminhei pelo salão com passos firmes, observando cada rosto, cada gesto. Reconhecia alguns pelos olhos, outros pela postura. O mundo do crime tem seus próprios códigos, e, mascarados ou não, ninguém é verdadeiramente anônimo aqui. As taças de champanhe circulavam, e o som de risadas e conversas abafava a música clássica tocada por uma orquestra ao fundo. Um evento luxuoso, planejado para desviar a atenção do submundo que financiava cada detalhe. Para mim, isso não era apenas um baile. Era um tabuleiro de xadrez. — Senhor Caruso, é sempre uma honra tê-lo conosco. — A voz de um anfitrião, bajuladora e carregada de falsa humildade, chegou aos meus ouvidos. Assenti com um leve movimento de cabeça, sem interromper minha análise do ambiente. Minha presença era uma declaração. Eu não precisava falar para ser ouvido. Mas, enquanto meus olhos varriam o salão, algo chamou minha atenção. Uma mulher, parada perto da escadaria. Seu vestido preto, simples, mas impecável, contrastava com as joias discretas, porém luxuosas, que adornavam seu pescoço. Ela não era como as outras. Não fazia esforço para ser notada, e talvez por isso eu não consegui ignorá-la. Seus movimentos eram calculados, precisos, quase como se ela soubesse exatamente onde deveria estar para ser invisível e, ao mesmo tempo, observada. Havia algo familiar nela, algo que eu não conseguia identificar, mas que fazia meu instinto gritar. Aproximei-me lentamente, meus passos firmes e decididos, sem tirar os olhos dela. Ela parecia sentir minha aproximação, virando-se levemente. Seus olhos, escondidos pela máscara, encontraram os meus, e por um breve momento, tudo ao redor desapareceu. — Senhor Caruso. — Sua voz era baixa, mas carregava uma confiança que me intrigou. — E quem é você? — perguntei, inclinando a cabeça, avaliando cada detalhe. — Apenas uma convidada. — Ela sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos. Algo nela me inquietava. Não era medo, nem desconforto. Era algo mais profundo, como se estivesse diante de uma peça de um quebra-cabeça que eu deveria reconhecer, mas não conseguia encaixar. Ela se afastou antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, misturando-se à multidão com uma facilidade que não era comum. Fiquei parado por um momento, observando-a desaparecer entre as máscaras e vestidos. O salão estava repleto de rostos conhecidos e máscaras decoradas, mas minha atenção permanecia fixa em um objetivo. Famílias poderosas de todo o mundo haviam se reunido aqui, exibindo suas riquezas e alianças. Velhas bajuladoras, acompanhadas de seus maridos, se aproximavam, apresentando suas filhas como se fossem mercadorias em exposição. — Esta é minha filha, Don Caruso. Ela é educada, inteligente, e com certeza faria uma excelente esposa. — As palavras repetiam-se em diferentes vozes, todas cansativas e previsíveis. Eu sorria educadamente, mas não estava interessado em nenhuma delas. Havia uma tensão crescente em mim, um instinto que não me deixava em paz. Meus olhos procuravam por ela, a mulher loira que havia chamado minha atenção mais cedo. Ela tinha algo diferente. Um ar de desafio, de alguém que não se encaixava no padrão submisso do círculo em que vivíamos. E isso me intrigava mais do que deveria. Chamei um dos meus homens, um subalterno confiável, aproximando-me dele com passos decididos. — Encontre-a e descubra tudo sobre ela. Quero saber quem é, de onde veio e o que está fazendo aqui. Ele assentiu rapidamente e desapareceu na multidão. Quando me virei, a vi. Estava no meio da pista de dança, tão à vontade quanto uma predadora que sabe que o território é seu. Esperei, tentando conter a curiosidade, mas a necessidade de respostas me venceu. Caminhei até ela em passos lentos, esperando algum tipo de reação — um movimento, um olhar, talvez até uma tentativa de escapar. Mas ela ficou parada, imóvel, como se estivesse me esperando. Estendi a mão e a puxei para dançar. Nossos corpos se moveram no ritmo da música, deslizando pelo salão com uma fluidez que parecia ensaiada. No entanto, algo estava errado. Enquanto girávamos pela pista, senti algo roçar em minha perna. Uma arma. Ela estava armada? Mulheres no nosso meio não tinham permissão para portar armas. Era uma regra tácita, um reflexo do controle que os homens mantinham sobre elas. Então, quem era essa mulher que ousava quebrar nossas regras? E o que ela queria? Estava claro que ela não era como as outras. Talvez ela fosse uma ameaça. Talvez eu fosse o alvo. Antes que eu pudesse concluir meu raciocínio, as luzes do salão se apagaram repentinamente, mergulhando o ambiente em escuridão total. Minha mão buscou o braço dela, mas antes que pudesse agarrá-la, senti algo frio e afiado encostar em meu pescoço. Uma lâmina. — Parece que o passado sempre volta, não é mesmo, Don? — sua voz sussurrou em meu ouvido, baixa e carregada de desprezo. Eu permaneci imóvel, controlando minha respiração, mas não disse nada. — A vingança é um prato que se come frio, e eu esperei muito por este momento. Estou mais perto de você do que imagina. Antes que pudesse responder ou reagir, a lâmina desapareceu. As luzes se acenderam novamente, e minha mão foi instintivamente até o pescoço, sentindo o calor de um pequeno corte. Não era profundo, mas estava lá. Um lembrete de que, pela primeira vez em muito tempo, eu havia sido surpreendido. Olhei ao redor, mas não havia nenhum sinal dela. A mulher misteriosa havia desaparecido, deixando apenas a sensação inquietante de que o jogo estava apenas começando.Narrado por Dante Fiquei parado no meio do salão, tentando processar o que acabara de acontecer. A música continuava, os convidados riam e brindavam como se nada tivesse acontecido. Mas dentro de mim, um alerta soava como um sino ensurdecedor.Passei a mão pelo corte em meu pescoço novamente, sentindo o calor do sangue que começava a escorrer. Um corte superficial, mas suficiente para enviar uma mensagem clara: ela poderia ter me matado, mas escolheu não fazê-lo.Meus homens se aproximaram rapidamente, percebendo minha expressão sombria.— Don, o que houve? — perguntou Marco, um de meus guardas mais confiáveis.— Fechem as portas. Quero que todos os convidados sejam interrogados. Ninguém sai daqui sem a minha autorização.Marco assentiu e começou a dar ordens. O salão rapidamente mergulhou em um caos controlado enquanto meus homens bloqueavam todas as saídas.Ela estava aqui, em algum lugar. Não poderia ter desaparecido tão rápido.Me aproximei de Enzo, meu braço direito, que mantinh
Narrado por Mallory As ruas de Milão brilhavam sob a luz amarelada dos postes enquanto eu caminhava de volta ao meu esconderijo. Ainda podia sentir o calor da mão de Dante em minha cintura, o toque firme que contrastava com a lâmina fria que segurei contra seu pescoço momentos antes. O Don. O homem que destruiu minha família. Ele não mudou nada. Ainda exalava poder, arrogância e uma confiança que me enojava.Mas havia algo mais. Algo que me fez hesitar.Não era medo. Não era arrependimento. Era dúvida.Por anos, imaginei esse momento. Como seria encará-lo, fazê-lo pagar pelo sangue que derramou, pela vida que destruiu. E, no entanto, quando as luzes se apagaram e tive a chance de acabar com ele, hesitei. Não por piedade, mas porque algo não parecia certo.Por que ele hesitou? Ele poderia ter me parado, mas escolheu ouvir, quase como se reconhecesse meu ódio, como se soubesse que eu tinha o direito de estar ali.Enquanto subia as escadas do pequeno apartamento onde me escondia, revivi
Narrado por Dante Ela desapareceu novamente. Mais uma vez, sem deixar rastros. Nem um nome, nem uma pista, nem sequer um fragmento de evidência. Era como se ela fosse um fantasma, uma sombra que surgia apenas para me lembrar de sua existência e depois se desfazia no ar.Sabia o que a movia: vingança. Isso estava claro. Mas a pergunta que martelava incessantemente na minha mente era por quê? Por que não me matou naquela noite, quando teve a chance perfeita? O que ela queria? Um aviso? Um lembrete do que estava por vir? Ou talvez fosse um jogo psicológico, uma tentativa de me torturar lentamente, deixando-me preso nessa teia de incertezas.Era um jogo arriscado, mas ela jogava com maestria. Pela primeira vez na minha vida, havia alguém que não me temia, alguém que tinha coragem de me enfrentar de igual para igual. E isso, apesar de irritante, despertava algo em mim. Uma fascinação perigosa.Mas Mallory… Ela não fazia ideia de onde estava se metendo. Havia limites que não poderiam ser u
Narrado por Mallory A notícia do leilão em Paris chegou a mim através de um informante, alguém que sabia o que estava em jogo, mas que também sabia onde colocar sua lealdade. Dante estaria lá. Não era surpresa; aquele tipo de evento era um ímã para homens como ele, ansiosos por consolidar alianças e exibir poder.Abri meu laptop e analisei os arquivos que Giovani havia coletado para mim. Plantas do local, horários dos principais convidados, nomes que circulavam no submundo como potenciais compradores. Dante Caruso era o foco, mas ele não estaria sozinho. Aqueles eventos eram cercados de seguranças, aliados e, claro, inimigos disfarçados de amigos.— Mallory, você sabe que isso é loucura. — Giovani disse, encostado no batente da porta. — Leilões como esse não são brincadeira. Um passo em falso e eles te desmascaram.Ergui os olhos para ele, mantendo meu tom firme. — Eu já joguei em arenas mais perigosas. Não é a primeira vez que me meto no meio de lobos, Giovani.Ele suspirou, mas não
Narrado por Giovani Por mais que eu tentasse negar, a mente de Mallory era brilhante. Todos os corvos fizeram um excelente trabalho com ela. Eu deveria me sentir orgulhoso, já que tive uma participação especial nisso, mas isso não vem ao caso agora.Mallory não queria apenas matar Dante; ela queria destruir tudo o que ele construiu. Sua máfia, sua reputação, sua força. Paris era apenas o começo do iceberg. Ela estava jogando um jogo perigoso, mas extremamente estratégico. Eu era um bom aliado para ela, não só porque conhecia os pontos fracos do Caruso, mas porque também queria a cabeça dele tanto quanto ela. Contudo, ao contrário de Mallory, eu não tinha metade da coragem que ela demonstrava. Preferia as sombras, onde era mais seguro e onde eu poderia agir sem me expor.Dante confiava em mim. Pelo menos, confiava o suficiente para me mandar para o subsolo do leilão, onde a verdadeira transação acontecia. Armas, drogas, mulheres… ali era onde as máscaras caíam e o submundo mostrava se
Narrado por Mallory Meu nome é Mallory Scott. Nasci e cresci sob as luzes mais brilhantes da América, na cidade que nunca dorme: Nova York. Minha vida sempre pareceu perfeita, ou pelo menos, era isso que eu acreditava.Minha mãe morreu ao me dar à luz, mas isso nunca diminuiu o amor que meu pai tinha por mim e por meus irmãos, frutos de outro casamento. Ele era o tipo de homem que carregava o peso do mundo nos ombros, mas em casa, com a gente, era puro afeto. Lembro-me do som de sua risada ecoando pela sala e do aroma de bolinhos e bolachas frescas que sempre preenchia o ar.Eu sabia que havia sombras em Nova York. Sussurros sobre a máfia, olhares furtivos e nomes que ninguém ousava pronunciar em voz alta. Meu pai era o Don dos Corvos Negros, mas, para mim, ele era apenas meu herói. Mesmo assim, naquela época, esses segredos pareciam tão distantes quanto as estrelas.Até que ele apareceu. Até que Dante Caruso cruzou o nosso caminho.Eu tinha apenas dez anos quando tudo mudou. Dez ano
Narrado por Dante Meu nome é Dante Caruso, Don da ’Ndrangheta italiana. Hoje, aos 30 anos, carrego o peso de decisões que marcaram minha alma para sempre. O fardo de erros que me moldaram e, ao mesmo tempo, me arruinaram. Mas quando tudo começou, eu era apenas um jovem de 20 anos. Jovem demais, impulsivo demais, cego demais pela dor de uma perda que eu sequer sabia como enfrentar. Meu irmão era meu espelho. Nele, eu enxergava o reflexo do homem que aspirava ser. Dividíamos sonhos, lealdades e a insígnia do nome Caruso. Ele não era apenas meu irmão; era meu porto seguro, meu equilíbrio. E foi exatamente esse amor incondicional que me cegou. Sua morte foi como um punhal cravado no peito, mas não o tipo de ferida que mata. Era o tipo que sangra lentamente, consumindo cada pedaço de quem você é. Quando ele foi assassinado, não houve racionalidade. Não houve pausa. Jurei vingança no mesmo instante. Eu destruiria quem quer que tivesse ousado tirar meu irmão de mim. Todas as pistas apon
Narrado por Mallory As paredes do pequeno apartamento em que me escondo são frias e vazias, refletindo exatamente como me sinto. Dez anos. Uma década que parece uma eternidade e, ao mesmo tempo, um instante. Tempo suficiente para me moldar, para apagar traços da menina que fui, mas jamais o bastante para silenciar o peso do meu sobrenome ou as cicatrizes que carrego. Cicatrizes invisíveis ao mundo, mas gravadas profundamente em mim. Sou Mallory Scott, a última sobrevivente de uma linhagem que foi massacrada sem piedade. O nome Caruso tem sido um sussurro constante em meus pesadelos, o eco persistente de uma noite que destruiu tudo. Eu tinha apenas 10 anos. Era uma criança, e talvez por isso nunca tenha entendido por que alguém faria o que fizeram. Lembro-me do som dos tiros que reverberavam pelos corredores da mansão, dos gritos desesperados da minha mãe, da expressão de pânico do meu pai enquanto tentava nos proteger. Mas, acima de tudo, lembro-me dele. Dante Caruso. Seus olhos