Sinto os ossos da minha mão, encanto aperto os punhos com força, ainda tomando o cuidado de mantê-los nas minhas costas. Estas que perfeitamente retas, compõem minha postura impecável, e claro, um sorriso gentil, e falso, no rosto. A poucos passos de mim, uma distância que poderia ser eliminada facilmente, se encontra a mesa de vidro temperado do meu chefe, o CEO da companhia de cosméticos Vitalli, Aspen Vitalli. Este que passa os olhos desdenhosamente na primeira página de um relatório de cento e trinta e duas, que passei cento e doze horas redigindo. Para apenas após três segundos ele jogar o calhamaço de folhas sob a mesa e direcionar-me uma única palavra.
— Refaça — pronúncia cruzando os braços, o movimento ressalta os músculos definido contra o tecido branco da camisa social, resultado das muitas horas na academia.
O ato desdenhoso me deixa incrédula, mas não surpresa, ele tem feito este tipo de coisa dês que comecei a trabalhar aqui, a exatos um ano e quarenta e seis dias atrás.
— Mas o senhor não leu o documento completo — ressalto utilizando todo o meu autocontrole para não romper a distância entre nós e puxar a gravata Lanvin de seda azul marinho até degolá-lo, fazendo assim que ele se arrependa do dia que me mandou comprá-la para começo de conversa.
— Tem um erro no terceiro parágrafo do artigo 90 — ele diz sem tirar os olhos da tela do seu computador, onde digita sem me dar atenção. O som de cada tecla faz com que minha raiva ferva um pouco mais. Rompo a distância entre nós e pego em mãos o documento. Os meus olhos viajam pela primeira página completamente ciente que não há erro algum, afinal revisei cada detalhe neste documento umas duzentas vezes. Presto atenção redobrada ao parágrafo citado. Nada. Nenhum erro.
— O que está errado aqui? — questiono colocando o documento de volta, desta vez minha voz vacila deixando minha frustração e raiva aparentes. Vitalli levanta o olhar me encarando diretamente, sua atenção está completamente em mim pela primeira vez desde que entrei na sua sala.
— Bem... aqui! — ele aponta com o dedo, aproximo-me, e percebo que se trata de uma virgula aplicada de maneira equivoca. Ela ficou entre o 2 e o 8, separando o número 1928. Nada que não seja obvio pelo contexto. É ridículo a ideia de refazer o documento completo por causa deste pequeno detalhe. Como se lesse minha mente Vitalli comenta — Se algo tão grotesco assim, passou despercebido por você na primeira página, prefiro não ver o que há nas demais — ele diz arrogantemente, voltando a teclar freneticamente.
Estreito os olhos com a suposição, sabendo que ele mantém os olhos na tela, e o ato passará despercebido. Sentindo novamente as minhas unhas contra as palmas, graças aos punhos cerrados. As cento e doze horas de trabalho me vem à mente como um flashback.
— O que ainda faz aqui? Você não tem muito trabalho a fazer? — a pergunta soa irônica e podia jurar ver um vislumbre de vitória no olhar dele, ainda que Vitalli se quer tenha os desviado da tela. Formulo uma resposta, porém guardo-a para mim, sabendo que se pronuncia-se o que pensava seria demitida na mesma hora.
“Sou uma mulher de princípios. Não uma barraqueira” repito como um mantra. Com isso em mente deixo o escritório de Vitalli pisando pesado. Sigo pelo corredor até o cômodo ao lado. Onde a minha mesa se encontra em um hall de entrada aberto disposto no 52° andar visto assim que se sai do elevador. A minha mesa é tão moderna e elegante quanto a do meu chefe, porém menos confortável, principalmente no quesito assento, e definitivamente mais barata. Ainda assim, todo o escritório principal da Vitalli é o local mais requintado que já estive. A cafeteira no fim do corredor lateral tem capsulas de um café importado que custar mais do que o café da Latte, a cafeteria do outro lado da rua que vive lotada, e é mais saboroso também. Vitalli é conhecida por produzir beleza de luxo e todos os colaboradores têm um desconto nos produtos, esse é apenas uma das vantagens de trabalhar aqui. Por mais que isso signifique que tenho pequenas desvantagens como um padrão de vestimentas que foi um custo elevado para iniciar a trabalhar. Contudo, as demais desvantagens não chegam nem perto de ter que lidar diretamente com Aspen. O meu querido chefe, e o CEO da Vitalli, nasceu rico e nunca teve que trabalhar por nada na vida, tendo em vista que aos 30 anos já ocupa o cargo mais alto de uma indústria bilionária, é completamente ilusório imaginar que ele seria uma pessoa fácil de se lidar. Como pode imaginar, eu o odeio, como não odiá-lo quando parece ter prazer em me ver sofrer dês que comecei a trabalhar aqui? O que acabou de acontecer não é nada comparado com o que já tive que passar.
Irritada, movo o mouse para dar vida a tela do meu computador que estava no modo de espera, e abrir o arquivo novamente pronta para fazer o que me foi solicitado. Porém, paro ao me lembrar da máquina de café que acabei de citar. Isso! Mereço uma boa xicara antes de voltar a trabalhar. Quando estou pronta para levantar o telefone toca. Dou um suspiro antes de atendê-lo.
~Escritório do Sr. Vitalli em que posso ajudar? — Digo projetando aquele timbre gentil e espirituoso, polido e profissional que faço inconscientemente quando entro no modo secretária. O sorriso amarelo brota na minha face, mesmo que esteja ciente que seja quem estiver no outro lado da linha não pode vê-lo, que assim como a voz é um ato inconsciente.
~ Olá querida, aqui é a Daise — a familiar voz feminina é gentil e animada.
~Senhora Vitalli, em que posso ajudá-la? — questiono. Os ombros tensos relaxando simplesmente com a animação em sua voz.
~ Asp não tem atendido as minhas ligações. Aquele menino ingrato. Poderia passar para ele — ela pede.
~ A senhora me complica. Sabe que ele vai ficar irritado comigo por interrompê-lo — advirto.
~ Não se preocupe meu bem, se ele falar qualquer coisa para você. Pode me avisar, dou um tapa nele, é o que faltou em sua educação — ela diz.
Melhor levar o telefone.
Daise Vitalli, a mãe do meu chefe, é uma mulher de meia idade poderosa e elegante. O tipo que não passa despercebido em lugar algum. Bonita mesmo com a idade avançada. Claro, as aplicações de Botox ajudam a manter tudo no lugar, mas ela possui uma beleza natural que ainda é evidente. É nítido que Daise fora uma conquistadora em seu tempo de juventude. Ponha conquistadora nisso, afinal mesmo aos 52 tem uma vida amorosa mais badalada que a minha aos 32 anos. Quem eu quero enganar. Nunca tive uma vida amorosa mínima e perderia em comparação com qualquer um. Eventualmente saio em algum encontro quando Kimberly ou Charlize me carregam para encontros triplos. Onde seus maridos, tentam me apresentar algum amigo ou colega de trabalho. No fim, acabamos em conversa fiada, enquanto afundo minha amargura em uma lata de Coca-Cola. Penso em porque não me dediquei a encontrar um namorado a dez anos atrás quando não tinha nenhuma ruga e os bons partidos ainda estavam no mercado. Qualquer homem intere
Rio sem humor, Vitalli não é o tipo de pessoa que faz piadas. É natural que elas sejam tão ruins. Afinal ele não pode estar querendo dizer o que eu acho que ele disse. Como você pode imaginar, o CEO do grupo Vitalli, teve múltiplas viagens internacionais de negócios nesse último um ano que estive trabalhando para ele. Porém, nunca fui levada em nenhuma delas. Na verdade, quem ocupava a função de secretária em suas viagens era Rachel, secretaria de relações internacionais.Continuei parada encarando-o estática. Esperando o momento em que ele dira o quão tola eu era por cair em sua brincadeira.— Ainda aqui? — pergunta olhando-me de soslaio.—Desculpe, mas está dizendo que eu tenho que ir com você? Não é uma viagem pessoal? — questiono.— Se fosse uma viagem pessoal não estaria solicitando a sua presença — ele disse encarando-me friamente.— Mas e a Rachel? Ela comparece em eventos internacionais— rebato.— Até onde sei seu contrato abrange fins de semana e viagens ao exterior — lembrou
— Algum problema? — ele pergunta completamente ciente que tinha me atingido. Cruzando os braços sob o peito e me analisando, como se desafiasse-me a proferir uma queixa. Dando-me vontade de soca-lo. Vontade que se perde ao analisar sua postura com mais atenção. Os músculos do braço dele parece ainda maiores. Sua aura esnobe, porém, máscula me atinge com força. Causando meu modo de defesa e ela, que é, me encolher e concordar. Assim ele vai embora.—Certo, senhor! — digo pegando a pasta. Percebo a mesma reação padrão dele, de quando atinge seu objetivo, seus olhos perdem o foco e ele os desvia de mim, antes de deixar o cômodo voltando para sua sala.Atrasada invado o pub, como de costume correndo, seguindo diretamente para nossa mesa favorita, próxima a janela lateral. É um lugar bacana, geralmente tem a quantidade perfeita de movimento, algo entre barulhento o suficiente para precisar elevar o volume da voz para ser ouvido, mas não cheio ao ponto de ser necessário cuidado para não esb
Quando digo isso, quero dizer, uma longa lista de afazeres bobos e banais, que deixavam nítida a sua real intensão, me punir por me meter em sua vida pessoal. Afinal se antes Vitalli me dava esporadicamente essas missões, agora ele tinha ido além de sua cota pessoal. Tive que pegar seu café favorito a semana toda, também fiquei responsável pelo seu almoço e jantar. Jantar? Sim. Fiz as reservas de cada um deles. Vitalli jantou em restaurantes chiques todas as noites, mesas para dois. Não era difícil concluir que estava fazendo jus ao estereótipo de bilionário galinha. Eu tive o desprazer de conhecer algumas de suas parceiras de uma noite, garotas diferentes em cada dia da semana. Questionei, se estivéssemos permanecido na cidade veria alguma novamente, suspeitava que não. Pelo que vi, havia apenas um padrão, nenhuma delas era loira. Tudo bem, tinha vários padrões: todas eram mulheres jovens, bonitas, ricas, bem-sucedidas, contudo, notar que nenhuma delas era loira me deixou confusa.Pe
Sinto o impacto da água no corpo. A visão esta turva graças a luz intensa do sol que queima a retina. Demoro segundos para perceber que estou de bruços sob os restos do estofado de uma poltrona. Flashes do acidente invadem a minha mente. Lembro de ver fumaça, das pessoas gritando, do meu corpo sendo carregado. Olho para os lados vendo muitos destroços espalhados pelo mar. Sinto um aperto no peito. Não é possível! O medo me invade e começo a hiper-ventilar. O meu coração b**e tão alto que praticamente posso ouvi-lo. Onde estou? O que está acontecendo? E os outros? O avião caiu! Pensa, pensa. Pelo menos estou inteira. Tento mover os braços e pernas me certificando que tudo está no lugar. Apesar de alguns arranhões, estou bem. Uma chapa de metal flutuando não muito longe chama a minha atenção parece ter alguém deitado sob ela. Reconheço a cabeleira de Vitalli. Sou imediatamente inundada pela alegria de vê-lo bem, de saber que não estou sozinha. A forma que ele está torna difícil saber
O meu grito chama a atenção de Vitalli que logo surge ao meu lado. Ao verificar o motivo do meu escândalo, sua feição muda para desinteresse.— É pequeno demais para ser humano, deve ser de algum animal silvestre — ele informa e passa a novamente tentar usar seu telefone.— Claro! Eu sabia — digo.Começando a analisar o ambiente. A ilha tem uma vegetação densa. Não consigo identificar nenhum fruto nas palmeiras dispostas pela praia. Nada de cocos ou bananas. A vegetação rasteira também é muito simples. Algo como ervas daninhas. O que é uma pena pois estou morrendo de fome.— Deve ter algo para comer por aqui — digo.— Esta com fome? — ele pergunta e então tira do bolso um saco de amendoins que estavam disponíveis no voo — Peguei isso da agua.— E só me diz agora — puxo o saquinho e o abro sentindo o meu estomago roncando. Estava com tanta fome que minhas mãos tremiam. Tornando difícil abrir a embalagem então uso os dentes.O amendoim salgadinho nunca foi tão saboroso. Vitalli mantem
Vejo a minha vida passar pelos meus olhos perante a eminente queda. Prevendo o impacto aperto as pálpebras, como se ao não ver a queda pudesse assim me livrar dos danos dela. Contudo, o impacto nunca chega. Pelo contrário, sinto meu corpo ser agarrado por um par musculoso de braços. Sinto uma imensa gratidão ao abrir ao me deparar com exemplar masculino impecável de Vitalli. Podia odiá-lo mais que tudo no mundo, mas não podia dizer que ele não era uma obra de Michelangelo de tão perfeito. Entretanto, todo o encanto de sua estrutura física desaparece assim que ele abra a boca.— Estava claro que ia arrumar alguma confusão. A situação já não é problemática o suficiente para se colocar a tomar atitudes impensadas? — ele começa seu sermão como se fosse o meu pai.— Para sua informação a minha integridade física não vale de nada se morrer de fome — aponto o fruto no topo da árvore. Que não parece tão alta ao lado dele. Ainda assim, ele nitidamente não alcaçaria o fruto também. Uma ideia s
Assim que escuto sua frase levo a mão a garganta tentando freneticamente regurgitar, tossindo copiosamente. Como se minha vida se depende disso. Vejo sua expressão mudar. O choque atinge seu rosto. Enquanto com a mão em punho bato em meu peito. Nesse momento Vittali corre ao meu encontro levantando os meus braços.Enquanto ele tenta desesperadamente fazer uma manobra para me ajudar a desengasgar começo a gargalhar. Vittali se afasta irritado.— Para quem não se importa, você pareceu bem assustado — comento, chegando a lacrimejar de tanto rir.— Irritante. Quando se engasgar de verdade, não moverei um musculo — ele diz.— Vira essa boca para lá. Não me venha com suas pragas — disse limpando as lagrimas que caíram e dando uma grande mordida na maçã.Ele não diz nada apenas retorna ao que fazia antes. Sento-me na areia e o observo arrastar folhas de palmeira seca. Repetindo o processo várias vezes. Juntando folhas e pedras em três pilhas.— O que está fazendo? — finalmente questiono.— O