Acidente

Quando digo isso, quero dizer, uma longa lista de afazeres bobos e banais, que deixavam nítida a sua real intensão, me punir por me meter em sua vida pessoal. Afinal se antes Vitalli me dava esporadicamente essas missões, agora ele tinha ido além de sua cota pessoal. Tive que pegar seu café favorito a semana toda, também fiquei responsável pelo seu almoço e jantar. Jantar? Sim. Fiz as reservas de cada um deles. Vitalli jantou em restaurantes chiques todas as noites, mesas para dois. Não era difícil concluir que estava fazendo jus ao estereótipo de bilionário galinha. Eu tive o desprazer de conhecer algumas de suas parceiras de uma noite, garotas diferentes em cada dia da semana. Questionei, se estivéssemos permanecido na cidade veria alguma novamente, suspeitava que não. Pelo que vi, havia apenas um padrão, nenhuma delas era loira. Tudo bem, tinha vários padrões: todas eram mulheres jovens, bonitas, ricas, bem-sucedidas, contudo, notar que nenhuma delas era loira me deixou confusa.

Pensei que os homens como Vitalli amassem loiras, ainda que fossem de farmácia, e principalmente se elas parecessem Angels da Victoria Secrets. Cansei de ouvir pelos corredores das cobras invejosas do 6 andar que apenas tinha sido contratada porque era loira. Vou dizer que não foi a primeira, nem a última vez, que questionaram minhas habilidades, ascensão na carreira profissional e atribuíram tudo que conquistei ao fato de ser... bem...bonita. não querendo parecer uma esnobe. Até porque nunca pensei a meu respeito de tal jeito até receber o título. Porém, não choraria mais ao ouvir das bocas de minhas colegas que eu “parecia a amante” ou “o estereótipo perfeito da secretaria gostosa” que todos esses homens poderosos me contrataram por fetiche.

Não foi dizer que tem bastante disso na indústria. Um rosto belo abre muitas portas, mas no meu caso, acho que tive mais do que isso. Não vou me martirizar pensando que talvez nunca estivesse nessa posição se não tivesse a minha aparência, mas também, sei muito bem, que a indicação da pessoa certa, estar disponível quando Samara foi demitida, principalmente, o fato de conseguir aguentar Vitalli.

Voltando a minha lista de tarefas semanal, até do cão dele virei responsável. Afinal tive de arrumar um hotel 5 estrelas para o cachorro. Se você acha que Aspen aceitou o primeiro hotel bom o suficiente. Ele analisou cada opção com muito critério e demorou muito para decidir um.

Além disso, na sexta-feira, o dia anterior a viagem, após desistir de arrumar a minha casa. Pois, peças de roupas e bagunças estavam por todo lugar. Além de tarefas de limpeza pendentes. Acabei por cochilas com a roupa do escritório no sofá. Nesse cochilo, mergulho em um sonho. Onde sou bem recebida por uma equipe de bordo, trajada com uniformes típicos em azul marinho.  Direcionada para um acento de honra, atendida com caviar e camarões gigantes, champanhe. Parecia uma rainha. Chego a colocar um tapa olho e derreter na cadeira reclinável confortável, completamente diferente do que dizem de assentos de avião. Sinto-me abraçada. Até que um som alto ecoa. Abro os olhos em choque e vejo uma grande luz vermelha de emergência. Vejo a equipe de bordo andando completamente desorientados. Olho pela janela direita e estamos em queda, olho para esquerda e vejo fumaça saindo da turbina. Tento tirar o cinto de segurança, me atrapalhando com o fecho, grito por ajuda, mas a equipe antes amigável não me dá atenção alguma. Em choque puxo com toda a minha força.

Pelo menos, depois de todas essas coisas, do caos de fazer uma mala sem muita noção do que levar, afinal estava indo para uma ilha, ao mesmo tempo, como Aspen deixou claro estava indo á trabalho. Finalmente estava no jatinho particular do Vitalli viajando com uma equipe, de primeira. Realizando o sonho de viajar para fora do país.

A viagem parecia bem tranquila, a duração esperada do voo é de quase 12 horas. Apesar de pensar que morreria de tanto tedio presa em uma lata de metal por tanto tempo, na verdade, as primeiras seis horas passaram rapidamente, passei boa parte delas dormindo ou distraída com a paisagem. Uma vez que fui acordada para a janta, não consegui voltar a dormir. Falando na janta, sempre ouvi que comida de avião é péssima, mas acho que isso só se aplica a voos comerciais, os Vitalli deviam ter um chefe Michelin a bordo, por que foi a comida mais saborosa que já tive na vida.

Falando nele, Aspen, não pareceu conseguir dormir. Estava olhando atentamente a janela e diversas vezes podia jurar que ele estava pronto para me dizer algo, mas ao notar o meu olhar sob ele desistia. Estranhei como ele estava calado. Contudo, não deixei isso me distrair. Logo buscava um filme para assistir e fiquei surpresa com a quantidade de títulos, tinha até filmes recém-lançados no cinema. Assisti a sequência de “Amar, amor e amado” e me arrependi porque fiquei segurando o choro. Aquele tinha sido o final mais triste e impactante que experimentei em uma comedia romântica em anos e não podia externalizar isso. Não quero nem pensar em como pareceria patética aos olhos de Aspen chorando por causa de um filme.

Depois de tentar voltar a dormir muitas vezes, e sem animo para assistir outro filme, decidi que o melhor era ler o livro que coloquei na minha mala de mão. Pelo que a tripulação comentou ainda faltava mais de duas horas para o pouso. Estava relendo a mesma página várias vezes, quando verifiquei que faltava menos de 10 minutos para o pouso. O meu olhar foi para a assa da aeronave através da janela, por um segundo imaginei ter visto fumaça saindo dali. Deve ser minha imaginação. Busco com os olhos por membros da tripulação. Porém, não consigo encontrar ninguém, estavam aqui quase agora. Procuro por Vitalli, mas ele não está em seu lugar. Levanto-me confusa e vejo um pequeno grupo mais a frente discutindo. Quando penso em me aproximar para ver o que está acontecendo, começa uma turbulência. Sou puxada para trás.

—Volte para o seu lugar agora e coloque o cinto – Aspen ordena.

Antes que pense em rebater dos movimentos se tornarem mais bruscos. O meu olhar vai a janela e a fumaça cinza se tornou negra. O meu coração dispara.

VAMOS MORRER.

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